Logo
Blog do PCO

Estamos andando de lado

A economia tem dado sinais preocupantes de que está perdendo o fôlego, segundo a economista Zeina Latif (foto). “Estamos andando de lado e não é possível dizer que daqui a pouco vai estar todo mundo vacinado e a gente vai ter uma puxada de crescimento. Um dos problemas é a inflação elevada que diminui o consumo e piora a confiança do consumidor”, diz ela. Mas outros fatores também não ajudam, como a elevação dos juros pelo Banco Central, que atrapalha na recuperação, o desemprego se mantendo em patamares altos e as questões climáticas que atingiram, em cheio, o agronegócio.    

Até o agronegócio, que vem segurando a economia, teve problemas por causa das questões climáticas. Esse é um complicador?    

Tivemos eventos diferentes ao longo do ano. Aí, a preocupação que existe é que determinadas culturas não conseguem se recuperar rapidamente. Não é como na hortifruti, que é ir lá plantar o pé de novo. O que analistas da área estão falando é que o efeito dessa seca não é só de curto prazo, ele vai ter implicações ainda ao longo do ano. Não é uma coisa que se supere rapidamente. Como na produção de cana. Vai demorar porque não cresceu, será preciso plantar de novo e torcer para dar tudo certo. E não se faz isso da noite para o dia. Não é plantar alface.  A agropecuária, apesar de não estar em uma situação ruim pois tem preços de commodities dando sustentação,  tem problemas do ponto de vista de volume produzido e isto,  obviamente, tende a impactar lá na frente a exportação. Mas se temos essa questão das chuvas, não há dúvida que temos um problema também de gestão do uso da água no Brasil.  Tem lições de casa que o país precisa fazer estruturalmente para não ficarmos tão vulneráveis nessas situações. A própria economia de energia. Quanto mais economizarmos energia, mais vamos preservar reservatório de água, vai sobrar água para a irrigação, enfim,  isso é um ciclo que se fecha. Nós precisamos fazer a lição de casa na gestão da energia também para não ter problema maior na água.    

O governo tem errado muito na questão energética?    

Acho que o governo errou desde o início. Vimos um trabalho no governo Temer muito importante para reestruturar esse setor, depois do desastre que foi o governo Dilma. Não foi dada continuidade nessa agenda como deveria. Era para ter dado continuidade, mas quiseram começar tudo de novo e aí atrasou. Nós temos questões que não ficaram resolvidas, que estavam bem encaminhadas no governo Temer. Vejo um governo que não tem clareza de objetivos, de  organização e , lamentavelmente, a crise política exacerba esse problema. Na hora em que temos a Casa Civil sendo entregue a um parceiro político, e não a uma pessoa que de fato possa fazer uma coordenação das ações governamentais, estabelecendo as prioridades dos ministérios, avançando, fica claro que se antes já era um governo com problema de gestão, aumentou esse problema. Nós não vemos o ministro chefe da Casa Civil discutindo esses temas. Só discute política, não se discute a gestão de governo.    

Se o governo perder o apoio do empresariado pode ser um problema?    

Os governantes precisam ter apoio até para que isso se traduza em apoio no Congresso. Isso é meio básico, então, minimamente, tem que ter ali um grau de aprovação da sociedade, de empresários, e tudo isso agrava esse quadro que vemos de fraqueza do governo. Agrava e isso acaba atrapalhando a gestão da economia, atrapalhando a gestão do governo. Vemos o governo perdendo um pouco do controle da agenda econômica em função disso. São fatores que se somam. O que é lamentável é que são ruídos que poderiam estar sendo evitados. Um governo precisa ter clareza de agenda, pautar o Congresso e procurar apoio para essas agendas. O governo falhou o tempo todo nisso. Desde que tivemos a aprovação da mini reforma da Previdência, ficou claro que era impossível desviar dela. O caminho já tinha sido iniciado no governo de Temer, e era reconhecido amplamente na classe política, que não dava para ficar sem reforma da Previdência. A dúvida era o quanto ela seria ambiciosa, mas o que observamos em que pesem avanços aqui e ali em algumas agendas, de uma forma geral é tudo muito  desestruturado. Manda-se muitas medidas de uma vez para o Congresso, medidas que não estão maduras tecnicamente, maduras do ponto de vista jurídico,  não se sabe a prioridade, cada hora é uma coisa.  Em novembro de 2019 o governo mandou três PECs para o Senado, acabou saindo uma delas, uma que era um conjunto de todas, que era a PEC emergencial, de baixíssima qualidade. Nem de longe atende o seu objetivo inicial. É um governo desestruturado, e em função disso acaba dependendo mais desse apoio do Centrão, porque não consegue ter um canal mais amplo de diálogo com o Congresso. Então fica é mais dependente do centrão.    

O governo está refém do centrão?    

É aquela máxima que os cientistas políticos ensinam para gente, de que não existe vácuo do poder. Se alguém está fraco, alguém vai se fortalecer. O problema que vejo  nessas lideranças do centrão é que não existe compromisso  de verdade com a disciplina fiscal, existem muitos compromissos políticos ali, paroquiais, compromissos com grupos. Vemos algumas medidas sendo aprovadas, mas com muita concessão a grupos de interesses como foi, por exemplo,  a privatização da Eletrobras.  São muitas concessões a grupos de interesses. Questiona-se se foi a melhor coisa a aprovação. Assistimos isso de novo na reforma tributária, que só não avançou porque na hora que bate de verdade nos setores econômicos, aí a resistência é maior.  É tanta energia sendo gasta para não ter bons frutos.  Mas veja que o problema original é o governo, não é o centrão. O centrão está aproveitando dessa crise para maximizar seus ganhos. A responsabilidade primeira é do governo.    

O presidente Jair Bolsonaro ajudou a piorar o quadro fiscal?    

Ele nunca teve esse compromisso com a questão fiscal. Na campanha ele já não mostrava convicção em relação a esse tema. Agora já está no modo eleição. Falar em disciplina fiscal é mais difícil. Ele não só não tem convicção como não tem interesse nisso.    

Ano que vem é ano eleitoral e com toda essa dificuldade de se avançar nas reformas, pode representar mais dificuldades para o país?    

O Brasil já vem perdendo em termos relativos já há um bocado de tempo. A produtividade está estagnada há um bom tempo. Tivemos a tal da recuperação em V, mas estamos com um PIB mais de 3% abaixo do pré-crise Dilma. Nós não recuperamos o patamar pré-crise da Dilma. Nossos problemas só estão se acumulando. A conversa é que estamos desatando os nós, mas acho que estamos desatando poucos nós e em alguns casos, com retrocessos. O próprio fato de o presidente, o tempo todo, alimentar a divisão da sociedade, isso não é boa notícia. Para avançarmos em termos de reformas, avançar em temas difíceis, é muito importante a coesão social. Alimentar essa divisão da sociedade atrapalha. O próximo presidente, quem quer que seja, é claro que no primeiro ano de governo, sempre vem com a força do voto, e aí consegue-se realizar muitas coisas, mas não é fácil lidar com tantas tensões,  com tantos problemas sociais.  O clima do ano que vem está muito em aberto, porque ainda que hoje o cenário básico seja da polarização Lula e Bolsonaro, e as pesquisas mostrando Lula na frente, ainda que esse seja o cenário hoje, é o que parece mais provável,  não sabemos ainda o que pode vir de candidatura do centro.   

Mesmo diante da situação do país?   

Pessoalmente, acho que a situação económica no ano que vem vai estar difícil. Não vejo alívio no ano que vem. O tempo não está contando a favor, está contando contra. Cada vez mais, teremos o efeito da alta de juros. Não dá para a gente descartar uma candidatura de centro competitiva. Uma coisa é a gente dizer que está difícil. Dependendo do que for configurar o quadro de uma candidatura de centro competitiva, já é outro clima, estaremos com os velhos problemas sim, mas pelo menos com uma outra perspectiva, uma perspectiva maior de arrumação. Em 2016 teve o impeachment da Dilma, o governo Temer ali logo no início começando, não tinha nada concreto. Os problemas eram gravíssimos. Tinha um tremendo ajuste fiscal para ser feito, uma arrumação muito grande para ser feita, apesar de um início dessa arrumação com o Joaquim Levy no Ministério da Economia.  Muito trabalho ali, muita correção de rumo para ser feita, mas vimos os mercados com um distensionamento, em função da perspectiva do impeachment. O clima no mercado financeiro, em termos de confiança de empresários, está muito em aberto. Não dá para a gente descartar um ambiente um pouco melhor do ponto de vista de confiança. Do ponto de vista estrutural, realmente os problemas vão se acumulando e nós vamos ficando muito presos em uma armadilha de baixo crescimento. Não há dúvidas de que o próximo presidente vai ter que ter mais ambição do que teve o atual governo.    

O atual governo não tem mais o mesmo apoio de antes?    

Bolsonaro ganhou porque ele conseguiu ouvir demandas de grupos que queriam  avançar em certas agendas no país. O fato é que ele ouviu e parou. Não conseguimos avançar  naquilo que foi sinalizado. Mas não se pode esquecer que tem ali demandas de grupos que apoiam o Bolsonaro e que são demandas absolutamente legítimas, e que o próximo presidente vai ter que ouvir essas demandas. As demandas do campo,  as demandas da indústria,  não no sentido de dar benefícios tributários,  não é nada disso. Mas entender o quanto o ambiente de negócios é difícil no Brasil e prejudica investimentos e atrapalha determinados segmentos. O próximo presidente vai ter que estar aberto a essas queixas desses grupos. Não se pode, simplesmente, fechar os olhos. (Foto reprodução internet)  

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *