O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é sem dúvida um homem frio. Em nenhum momento na entrevista concedida ao Jornal da Globo, na madrugada de ontem (7), ele mudou o tom ou mostrou-se confuso ou irritado. Ao contrário, falou com segurança, impávido, que não tem contas bancárias nem é proprietário, acionista ou cotista de empresas no exterior. Então o Ministério Público Federal e as autoridades suíças se enganaram? Cunha (foto) então admitiu ser “usufrutuário” de ativos mantidos na Suíça e não declarados à Receita Federal e ao Banco Central, porque são recursos que obteve no exterior, mantidos em contas das quais não é mais o titular. Ele diz ter um contrato com um truste proprietário de recursos “de origem antiga” que acumulou no exterior nos anos 1980. Um truste é uma entidade legal que administra propriedades e bens em nome de um ou mais beneficiários mediante outorga. “Desses ativos, administrados e geridos pelo truste, eu sou usufrutuário em vida, em condições pré-contratadas”, afirmou Cunha. Para ser ainda mais enfático acrescentou: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu imposto de renda”.
Carne
Cunha afirmou na entrevista que o dinheiro mantido no exterior é lícito e proveniente da venda de carne e outros produtos alimentícios no Zaire (atual República do Congo). Os valores teriam sido acumulados na década de 1980, quando ele atuava como uma espécie de “caixeiro-viajante”, vendendo mercadorias na África. Outra parcela dos recursos depositados fora do Brasil vem de investimentos em ações e Bolsas de Valores de países como Estados Unidos e China. Por isso, Cunha afirma que não mentiu. “Veja bem, a minha declaração à CPI pode ser facilmente defendida. Eu não tenho conta no exterior, não sou proprietário ou acionista, cotista de empresa offshore no exterior. O que tenho é um contrato com um truste que passou a ter a propriedade nominal de ativos meus de origem antiga. E desses ativos, administrados e geridos pelo truste, eu sou usufrutuário em vida, em condições pré-contratadas, e por familiares meus, em morte”.
Mas o que dizem as autoridades?
Documentos enviados pelo Ministério Público da Suíça apontam a existência de três contas ligadas a Eduardo Cunha, chamadas Orion, Triumph e Netherton. Além de uma outra, chamada Kopec, cujo titular é a mulher dele, Claudia Cruz. Cunha admitiu que as três contas foram abertas pelos trustes constituídos por ele para administrar o dinheiro que obteve na venda de carne e investimento em ações, nas décadas de 1980 e 1990. Ele também confirmou a existência da conta em nome da mulher. Por que escondeu as contas da Receita Federal? “Não declarei ao Banco Central e à Receita Federal porque não houve evasão de recursos. Foram recursos gerados e ganhos no exterior. Hoje, já está fora do período fiscal. A discussão seria sobre a manutenção ou não desses recursos de forma não declarada. Não sou proprietário mais desses recursos. O proprietário é o truste, eu sou apenas o contratante e beneficiário em vida. Por isso a gente acha, os advogados entendem, que não tem obrigatoriedade de declarar o suposto benefício“. Para o Banco Central, no entanto, todos os acordos de truste que envolvam a guarda e administração de ativos no exterior, tendo como beneficiários pessoas físicas ou jurídicas residentes no Brasil devem ser declaradas por meio de Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE). A declaração precisa ser feita em nome do “beneficiário residente” no Brasil. Então deputados, a desculpa colou?