Não existe período mais propício para se plantar demagogia do que os momentos de crise. Impressionante como surgem propostas demagógicas, soluções fáceis para problemas complexos, que durante anos ficam sem qualquer atenção, até quando explodem e passam incomodar. Esta crise no sistema prisional brasileiro, com mortes aos borbotões, é um bom exemplo disto. As prisões abarrotadas, as crueldades entre os presos não são problemas recentes. Quem não se recorda das “cirandas da morte’ promovidas na cadeia da Lagoinha, o velho “Depósito de Presos’ quase no centro de Belo Horizonte, no final dos anos 1980? Aqui os presos tinham um objetivo específico que nunca esconderam: obrigar o governo do estado a desinflar as cadeias superlotadas. Matavam para chamar a atenção e para reduzir o número de presos. Um comportamento quase amador, infantil até, que quase justificavam as barbáries. E hoje, quais os reais objetivos da matança que, curiosamente, segue em série, como a seguir um cronograma previamente traçado. Motivação há, com certeza, e nem tão singela como a que levou à ‘ciranda da morte’ em Minas. Hoje, ao que parece, são grupos profissionais, com objetivos bem definidos, que buscam demarcar espaço e acuar o governo, provocando pavor na população. Para quê? É isto que ninguém sabe. Nem mesmo sabem se esta é realmente a explicação para as rebeliões. E ninguém sabe nada, mas, mesmo assim, desandam a dar opinião, a apresentar propostas com ares de demagogia, baseadas nas ideias geniais e construções acadêmicas precipitadas, cujos reflexos, com certeza, serão sentidos mais à frente. A primeira proposta, sempre, é a descriminalização da droga. Não faço juízo sobre a eficácia ou não dela. Penso apenas que não se pode considerá-la como solução apenas por sido aplicada em países minúsculos da Europa, onde o controle é bem mais fácil, até por não terem 16 mil quilômetros de fronteiras. Mas não se pode descartar a ideia. Mas é preciso discuti-la com a rapidez possível e a profundidade necessária. Esta, discutível ou não, é pelo menos uma ideia. A outra proposta defendida por radicais, gente do meio, de permitir e até incentivar a matança, como forma de reduzir a criminalidade e desafogar o sistema prisional, é simplesmente abominável e nem deveria ser divulgada por órgãos de comunicação. Pelo menos por eles, já que a internet é incontrolável. Mas mesmo neste caminho, há que se separar o joio do trigo. Tão inaceitável quando a pregação dos radicais, é a tese do juiz Luiz Carlos de Valois (foto), da Vara de Execuções Penais de Manaus. Para ele, espalha-se o discurso do ódio, com a população pregando punição a qualquer preço, o que acaba rotulando quem cumpre a lei, como de esquerda, pois torna irrelevante o cumprimento da lei. A opinião do meritíssimo é daquelas pérolas falsas que surgem no momento das crises, da violência descontrolada. Na verdade, senhor Juiz, não existe discurso do ódio. Existe sim a expressão do medo, do pavor, que faz com que as pessoas queiram o encarceramento, a eliminação, de quem representa perigo. Reduza a violência, faça o Judiciário agir com mais rapidez nos julgamentos e verá que este “ódio’ vai diminuir. Quem não tem o medo como companheiro diário, até por ter proteções que nem todos os normais têm, pode, facilmente se enganar com os sentimentos. Enfim, evitando me alongar mais, para também não cair na tentação das teses vazias, românticas ou imbecis mesmo, considero urgente a ação do braço forte – forte não violento – do Estado para colocar a situação sob controle. Enquanto isso não acontecer, de nada adiantará discutir soluções mais definitivas, de maior complexidade. Ninguém começa a recuperação de algo, enquanto ele está sendo consumido por um incêndio. Primeiro é preciso controlar o fogo, buscando preservar o máximo do bem, para então pensar num projeto e, só depois, começar a obra de recuperação. Antes disto, quando menos besteiras forem ditas, melhor.