Paciência e esperança, é o que se pede hoje ao povo brasileiro para o enfrentamento das crises econômica e política que empurraram o país a uma recessão profunda. Recessão que começa, timidamente, a ser vencida, mas que, ao contrário do que se quer, pode ser agravada pelo comportamento mesquinho dos três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário e dos que historicamente dependem do poder público para sustentarem seus projetos. Este chamamento à compreensão do momento de dificuldades e de aceitação de algum sacrifício, como se faz hoje, não é novidade. Não foram poucos os governantes a lançarem o apelo pelo entendimento e pelo sacrifício. JK foi um deles. O mais veemente apelo do presidente que foi o último, e verdadeiro líder nacional, usou o tradicional discurso de Natal, o último antes de deixar o governo, para fazer um apelo, misturando política e religiosidade, que está mais do que atual. Confira.
“No momento em que desce sobre o mundo o espírito do Natal, que é o espírito da própria Infância, é com emoção que me dirijo ao povo brasileiro — pedindo-lhe duas coisas essenciais: paciência e esperança. Sei que paciência não lhe faltou até agora; sei que vivemos com os olhos fitos num dia melhor e que esse dia melhor tem custado a chegar. Mas posso dizer que ele se aproxima e que a luz da esperança não ilumina um deserto, e sim um país que, para ser dos mais fortes e seguros, não necessita de outra coisa que não seja encontrarem os seus dirigentes, e o povo, o caminho que conduz à realidade. Temos a possibilidade de ser uma grande nação, e sê-lo-emos. Quero dizer, neste comovente dia de hoje, que o trecho mais difícil da caminhada do Brasil já foi vencido. Não há razão para desesperanças, nem para descrenças. Tendo de atender aos interesses do futuro da nossa pátria, pedimos à geração presente algum esforço e sacrifício; mas temos certeza de que vamos penetrar numa era nova. Podemos orgulhar-nos de não termos sido obrigados a recorrer a nenhuma espécie de constrangimento; enfrentamos horas ameaçadoras sem que por um só instante a liberdade do homem, de qualquer um, tenha sido reduzida ou suspensa. Neste dia, é bom que os brasileiros, que festejam o seu Natal, e não importa em que sítio do imenso território nacional, se lembrem de que são seres humanos independentes e que ninguém tem o direito de reduzi-los a silêncio ou fazê-los renegar a sua crença, esconder o seu Deus, o mesmo Deus hoje Recém-Nascido que desde a alvorada da nacionalidade vem velando pelo Brasil. A conquista da prosperidade e do conforto para todos impõe trabalhos novos, e aproveito a oportunidade para acentuar a noção de que a grandeza do Brasil é obra do seu povo, é uma tarefa coletiva, a que todos devem dar o seu apoio. Desejo neste momento, como fiz nos anos passados — e agora mais do que nunca quando atinge o seu termo a minha administração — pedir aos meus patrícios em geral, e aos meus amigos em particular, que trabalhem cada vez mais pela unidade e pela paz em nosso país. Temos um objetivo comum — que a nação brasileira prospere, se solidifique e vença as suas lutas. Não há nenhum interesse maior do que o da justiça e da paz. Sem justiça e sem paz não lograremos vencer nem afirmar-nos como nação civilizada. Somos e desejamos continuar uma nação cristã. Ser uma nação fiel ao espírito que o Natal encarna exige estarmos vigilantes contra os que tentam intrigar uns povos contra os outros, contra os que julgam impossível a convivência entre doutrinas e ideias opostas. Ser uma nação cristã nos dias que correm é considerar a injustiça social o que ela é realmente, um grande pecado contra o Cristo. Não é cristã a nação indiferente à miséria, ao subdesenvolvimento com todo o seu cortejo de horrores. Se queremos ser dignos de Cristo, temos de lutar contra o aviltamento da pessoa humana pelo pauperismo e contra a ofensa aos seres nossos semelhantes pela perseguição racial.
Estamos certos que na crise do mundo nada há que parece decisivo, que não possa ser solucionado dentro dos ensinamentos de Jesus Cristo. A experiência, as próprias amarguras e as decepções autorizam a concluir que a fonte de todo o mal do nosso tempo tem sua origem no afastamento do ideal do cristianismo.
Nada se disse ainda tão certo e tão lúcido como a afirmação que o nosso mundo ocidental depende de uma retomada de fé. Mais do que os engenhos mortíferos, é a fé em Deus que preservará os homens livres.
Presidente da República de um país cristão, considero-me intérprete das aspirações de seu povo generoso ao voltar-me em espírito para o humilde sítio em que nasceu o Salvador do mundo, pedindo-lhe que atente para esta hora difícil do mundo e em que tão grandes perigos atravessa a humanidade.
Que a poesia do Natal penetre em nossas almas e nos traga um novo alento, que nos permita enfrentar a força de negação, hoje mais intensa do que nunca.
Só a Esperança em Cristo e a Fidelidade a ensinamentos hão de proteger com eficiência nossa Pátria e ao mundo que devemos preservar da volta ao paganismo e da tirania negativista”.
BRASÍLIA, 24 DE DEZEMBRO DE 1960.
ÚLTIMA MENSAGEM DE NATAL PRONUNCIADA PELO PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHEK , ATRAVÉS DA “VOZ DO BRASIL” PARA TODA A NAÇÃO.