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João Rolla: uma reforma de exceções

Paulo César de Oliveira
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A discussão da regulamentação da reforma tributária avança no Congresso Nacional, com alterações de última hora que têm gerado dúvidas e desconfiança em relação ao que a população brasileira terá que enfrentar. O advogado João Rolla (foto/reprodução internet), sócio da Rodolfo Gropen Advocacia, fala dos nos dessa reforma e dos pontos mais polêmicos que estão sendo debatidos.

A proposta para a regulamentação do texto da reforma tributária caminha dentro das expectativas?

Na verdade, o que estamos vendo, é que a reforma já nasceu, de certa forma, com uma quebra de uma linha mestra, que seria o mais adequado, que é uma série de exceções ao regime único de tributação do consumo. Quanto mais exceções você cria, mais há riscos de imposição de carga tributária de uma forma desigual. Quando você está falando da fixação de regimes diferenciados, eles basicamente, da forma como foram tratados na emenda constitucional, criam alíquotas parciais, a alíquota básica para diversos setores, inclusive advocacia. Isso implica dizer que a carga vai ser mal distribuída, não será uniformemente distribuída. A regulamentação já partiria de uma lógica de bastante excepção, mais do que eu acho que seria o razoável. Essas notícias que têm sido coladas, sobretudo a questão da tributação dos gêneros alimentícios, e aí a carne que tem sido a bola da vez. Na linha mestra do texto, já se previa o tal do instrumento do Cash Beck, que seriam instrumentos de devolução social de tributos. As pessoas menos favorecidas vão receber em créditos, que obviamente vai se converter de alguma forma, seja em benefício, em dinheiro ou para abater conta de telefone, conta de luz, a conta de gás. Para elas, a tributação tenderia a ser nula ou quase nula, dependendo disso. Mas não tributá-las gera uma desconformidade.

Por quê?

Porque aí você vai criar em setores específicos, que trabalham com aqueles produtos, uma vantagem de caixa. Eles não vão ter a mesma tributação destacada que outros. Aí você pode discutir se, digamos, é pertinente ou não. No caso da carne, um++ problema sério, porque é até difícil para fiscalizar se estes ou aqueles cortes, por exemplo, vão ser agraciados com alíquota reduzida ou quase sem alíquota. É difícil definir que aquele corte que está sendo vendido como tal carne, não é um outro corte. Então você cria uma facilidade de criar brechas que vão ser exploradas por aqueles mal-intencionados, é claro. Toda vez que tivermos esse tipo de situação, vai ser gerado um desequilíbrio e alguém vai responder por aquilo. Quanto mais exceções, mais complexidade você tem e mais tende a ter.

E no que se refere à reforma que é uma promessa de simplificação?

Está se trazendo para uma regulação federal, um tributo, ou tributos, que eram regulados em cada um dos estados, que eram ICMS ou, em cada um dos milhares de municípios do país, que é o ISS. Você está criando, uma alíquota é básica, em uma legislação federal que todo mundo tem que obedecer. Isso é um ótimo ponto para reduzir a complexidade do sistema. Senão tem que acompanhar uma empresa, por exemplo, que atua em vários estados e vários municípios. Essa empresa tem que acompanhar centenas de normas diferentes a respeito do assunto. Mas, nem por isso o sistema é imune a alguns pontos de complexidade que, em tese, a regulamentação talvez não esteja conseguindo atacá-los. Um exemplo: se fala muito nos problemas que são gerados em relação aos tributos sobre o consumo. A promessa era de que todas as dificuldades que se tem hoje, seriam resolvidas, como definir quem tem direito de crédito e quem não tem, e ainda, a criação de um sistema novo que permite um crédito financeiro amplo. Mas o Governo Federal começa a colocar os dentes à mostra, a colocar um pouco o pé na porta. O sintoma disso é a proibição de creditamento de bens considerados de uso e consumo pessoal. O momento para fazer os ajustes é agora.

Um momento de mais discussão?

Vamos passar por um momento tormentoso de implementação da reforma porque, em certo ponto, ao longo dos próximos anos, vamos ter um sistema híbrido, um sistema antigo e o novo começando a ser implementado. Vamos ter que, basicamente, estar gerindo dois sistemas diferentes, o antigo e o novo. Isso vai implicar no aumento de custos gerais, custos de gestão e as empresas vão passar um período de transição bastante atribulado. De 2030 para frente é que pode haver uma tendência de que as coisas se acomodem. Mas até lá, eu não espero simplificação nenhuma, pelo contrário, vai é aumentar a complexidade inicial.

Mais complexidade?

Há situações que a regulamentação segue um pouco nesse caminho, ao fazer a tributação do consumo no país. Essa tributação é altamente desatualizada. Ela gerava controvérsias e conflitos, porque a gente estava ainda numa lógica ou numa preguiça analógica do mundo. A tributação do consumo aqui no país era muito guiada pela ideia de bem e serviço no conceito clássico, então a gente tem toda uma indústria digital, por assim dizer, que é a de serviços ou facilities que são feitos na nuvem, por plataformas e modalidades de empréstimos ou de facilidades, que não são muito bem enquadrados. Mas hoje em dia nós não vivemos sem essas facilidades. E o mundo digital nos permite, nesse momento, fazer esse debate, de uma economia que às vezes passava ao largo de tributação. O IVA dual vem para acabar com isso, porque ele tem uma base muito ampla. Qualquer operação de conteúdo econômico, e mesmo algumas operações de conteúdo não económico, vão estar sujeitas ao IVA. Na verdade, ele uniformizará para todo mundo.

Alguns temas, no entanto, ficaram de fora, por que?

A grande questão que eu acho é que estamos tocando a reforma tributária do consumo, e não temos olhos virados ainda, pelo menos mais imediato, na reforma tributária da renda. As coisas estão um pouco entrelaçadas e não deveriam ser tratadas em separado. Foi a opção política, de separar aquilo que, talvez, fosse o mais difícil, que é a reforma tributária do consumo, que eu estou lidando com União, Estados e Municípios, para ter uma convergência política, que é claro, é muito mais difícil. Mas eu estou fazendo ajustes, inclusive de carga tributária, alíquota básica, diminuindo para setores, aumentando para outros, enfim, e me esquecendo de que eu tenho que lidar de uma forma orgânica com todo o sistema. Qual vai ser a contrapartida do ponto de vista do imposto sobre a renda, em relação a essa reforma que vai sair? Porque um país que se propõe a avançar, a encaminhar para um sistema mais moderno, mais alinhado com os países do primeiro mundo, deveria tributar menos o consumo e tributar mais a renda e o patrimônio, porque você potencializa a geração de riqueza na economia. O consumo passa a ser incentivado e você vai gerar mais riqueza, e essa riqueza vai ser contada através do imposto de renda, imposto ao patrimônio. Agora, nós estamos prevendo uma alíquota muito alta, sem parâmetro em relação aos países desenvolvidos. O sistema que promete ser pouco complexo e promete garantir créditos irrestritos, ou seja, que é uma alíquota real de que estão falando em 26% a 27%, não vai ser alíquota real, porque você vai ter crédito pelos seus gastos, o que é uma inverdade para alguns setores, como para o setor de prestação de serviços, cujo grande custo é mão de obra, não vai ter crédito. A única coisa que se discute aqui hoje é tributação de dividendos. O que pode acontecer é que parte dos contribuintes venha a percorrer caminhos de evasão, porque à medida que a carga efetiva, na prática, depois da implementação da reforma, se tornar muito elevada, eu não tenho dúvida que pode haver uma tendência de desvios por parte dos agentes económicos como meio de sobrevivência. Para suportar uma carga tributária mais elevada, o país tem que gerar mais riqueza. Eu acho que esse é o grande desafio.

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