Renata Araujo
Ainda me recordo de quando assisti à peça teatral O Despertar da Primavera. Não sei exatamente quando e onde, provavelmente em São Paulo, há uns doze anos, mas ela me marcou profundamente e retorno a essa lembrança aqui para termos uma referência de como — e desde quando — o tema do suicídio vem sendo abordado.
A peça foi escrita pelo dramaturgo alemão Frank Wedekind entre o outono de 1890 e a primavera de 1891, mas teve sua primeira apresentação em 20 de novembro de 1906, sendo premiada pelo Deutsches Theater, em Berlim, sob a direção de Max Reinhardt.
O Setembro Amarelo nos convida a refletir, mais uma vez, sobre a prevenção do suicídio — um tema que, apesar de doloroso, precisa ser dito, colocado em palavras, para que cada vez mais pessoas possam ter conhecimento sobre ele. Quanto menos falamos, mais o sofrimento se intensifica. A arte, muitas vezes, abre caminhos para compreender o que não conseguimos nomear. Nesse sentido, a peça O Despertar da Primavera (1891), de Frank Wedekind, continua sendo atual: ela escancara o peso do silêncio, da repressão e da falta de diálogo com os jovens em suas crises existenciais.
Na trama, adolescentes enfrentam os desafios do despertar da sexualidade, das pressões sociais e familiares, além da angústia de não encontrar um espaço onde suas vozes sejam acolhidas. A repressão moral e a ausência de escuta tornam-se forças destrutivas. O personagem Moritz, por exemplo, é uma figura trágica que representa a impotência diante de um mundo que não compreende suas dúvidas nem lhe oferece amparo. Sua morte ecoa como denúncia de uma sociedade que fecha os olhos para o sofrimento psíquico.
Sob o olhar da psicanálise, o suicídio pode ser entendido como um ato que emerge do conflito entre o desejo de viver e a impossibilidade de suportar determinadas dores internas. Cada caso é único, precisa ser escutado e acompanhado por profissionais experientes. É nesse ponto que familiares e amigos podem ajudar na prevenção, buscando informação e conhecimento, que são fundamentais. Ainda assim, é preciso reforçar: cada caso é singular.
Assim, a peça teatral O Despertar da Primavera nos ensina, ainda hoje, algo que sempre existiu: a urgência de criar espaços de escuta, diálogo e acolhimento. O movimento do Setembro Amarelo é uma das formas contemporâneas de trazer o tema à tona e impedir que ele seja esquecido. Precisamos quebrar o silêncio. A psicanálise nos lembra que cada sujeito tem uma forma singular de sofrer e, por isso, não existem respostas prontas. O que pode salvar alguém não é um discurso moralizador ou uma solução rápida, mas a possibilidade de ser ouvido sem julgamento.
É necessário, por meio do conhecimento e da conscientização, olhar para quem está ao nosso lado e reconhecer os sinais de dor que muitas vezes se escondem atrás de sorrisos. Falar sobre suicídio não incentiva a prática; ao contrário, abre caminhos para que a palavra substitua o ato.
Que possamos aprender com a literatura, com a psicanálise, com a arte e, sobretudo, com a escuta atenta do outro, à luz do conhecimento adquirido. O verdadeiro “despertar da primavera” acontece quando reconhecemos que ninguém precisa atravessar suas sombras sozinho.
Renata Araújo – Psicanalista, escritora e cantora.