Wagner Gomes
O Brasil vive um tempo em que as feridas não cicatrizam. Há sempre algo latejando sob e sobre a pele da nação — uma dor que não encontra voz, uma esperança que se cala. O poder, em vez de servir ao povo, parece brincar de demiurgo, inventando suas próprias regras. A cada decisão, cresce a sensação de que o país foi sequestrado por um pacto silencioso entre os três poderes da República. Há um mal-estar que não encontra voz, uma esperança que se esconde atrás do medo. No governo, no Congresso e no Supremo, repete-se a cena: o poder já não se exerce como serviço, mas como espetáculo de vaidades e disputas de conveniência. No Planalto, as promessas soam como ecos de discursos antigos, embalagens novas para um conteúdo gasto. A palavra “povo” aparece em cada frase, mas na prática é apenas ornamento de palanque. O Estado tornou-se um peso que não se sustenta, mas oprime, um mecanismo que alimenta privilégios enquanto empurra milhões para a rotina da mera sobrevivência, e outro tanto para a miséria. No Congresso, a crítica se dissolve em conchavos. Ali, o jogo é o da barganha infinita: quem dá mais por um voto, quem cede por um cargo, quem negocia uma emenda em troca de silêncio. As sessões transformam-se em balcão de negócios, e a vontade popular, já distante, torna-se uma simples lembrança incômoda. A democracia reduz-se a um teatro de interesses, encenado por atores que conhecem de cor as falas do clientelismo. No Supremo, a toga já não é apenas símbolo de justiça, mas de poder sem freios. Magistrados transformam opiniões em normas, e o que deveria ser equilíbrio converte-se em arbítrio. As palavras da Constituição — já esgarçadas pela má leitura e pela conveniência — tornaram-se maleáveis demais, moldadas ao sabor de interesses de ocasião. Quando a lei se torna espuma, resta ao povo a sensação de que sua vontade já não pesa. Entre ministros que se veem como intérpretes únicos da lei, a democracia perde sua essência: a de ser plural, incerta, aberta ao conflito legítimo. A cada gesto dessas três casas, instala-se um silêncio forçado. É como se a sociedade fosse convidada a baixar a cabeça, a não sentir demais, a não protestar. Um silêncio pesado, que não nasce da paz, mas da mordaça. As ruas, quando falam, encontram muros altos, e as vozes dissonantes logo são vistas como ameaça. E, no entanto, o país pulsa. À flor da pele, lateja um Brasil que ainda sonha, que resiste a se entregar ao cansaço. Porque não há poder capaz de extinguir o impulso vital de uma nação que, mesmo golpeada, insiste em respirar. Há sempre um gesto, um olhar, uma palavra que escapam ao controle. É o que mantém viva a esperança de que, um dia, o silêncio se rompa, mesmo quando a política explora a ideia de uma força malévola, presente em diversos aspectos da existência, que escapa à compreensão e ao controle do povo.
Wagner Gomes- Articulista