Wagner Gomes
No Brasil, a tese de que o criminoso é “vítima da sociedade” escapou da sociologia e virou política pública. Em Jacarta, Lula cravou: “traficantes são vítimas dos usuários” — minutos que valem anos de debate. Não foi um deslize retórico; foi um divisor de águas moral. O problema não está só na frase, mas no enquadramento: transforma agressores em vítimas institucionais e empurra o Estado para o papel de réu. A esquerda latino-americana há tempos sustenta que o crime nasce da exclusão — e há verdade nisso. Mas uma coisa é entender a causa; outra é absolver o agente. E o Brasil está cruzando essa fronteira. No Judiciário, a ADPF 635 não baniu a polícia das favelas, mas criou um labirinto de restrições: câmeras obrigatórias, ambulâncias, perímetros sensíveis. Em tese, civiliza a ação policial; na prática, sem efetivo, inteligência e presença territorial, institucionaliza o recuo. O território continua com o cartel. O STF, mesmo que fosse bem-intencionado, aproxima-se de normatizar a ausência da polícia — decisões que limitam a ação e discursos que tratam o poder paralelo com indulgência. A favela, sem lei nem Estado, torna-se feudo do fuzil. A retórica do “traficante-vítima” serve bem às facções: elas ganham o monopólio da força, enquanto o cidadão perde o direito ao medo. E eis a contradição: o Estado que deveria punir, protege — o Estado que deveria agir, verifica. Se não invertermos esse sentido, condenaremos as camadas populares — novamente — à selva. Uma selva organizada pelo tráfico, com o apoio silencioso de quem acha que “só a sociedade falhou”. Mas não falharam apenas as vítimas: falha também o aparato estatal que se omite. Falha a Constituição que exige segurança. Falha, sobretudo, a política que prefere sentimentalismo à firmeza. O desafio, caro leitor, é simples: reconhecer que a exclusão existe, mas não permitir que a narrativa de vítima transforme o criminoso em inocente. A inversão moral é letal: transforma o agressor em mártir e o Estado em espectador. Confunde justiça com rendição. O discurso de proteção vira escudo do crime; o de inclusão, álibi da impunidade. O Estado que deveria agir, observa. O que deveria punir, desculpa. E o resultado é uma selva organizada — pelo tráfico, com o silêncio dos que acham que “a sociedade falhou”. Falhou, sim — mas falha mais o poder que não volta. Reconhecer a exclusão é necessário. Santificar o criminoso, suicídio moral. O desafio é simples: trazer de volta a lei, a autoridade e a presença do Estado. Antes que o “direito penal simbólico” vire a única lei possível. Porque, no fim, o criminoso vitimizado faz menos vítimas do que um Estado ausente. (Foto/reprodução internet)
Wagner Gomes – Articulista












