Renata Araujo
O prêmio Jabuti elegeu a produção de crônicas de Ruy Castro, intitulada Ouvidor do Brasil – 99 vezes Tom Jobim, como publicação de 2025. Minha curiosidade foi aguçada em uma aula de literatura junto às minhas memórias de menina. Tom Jobim, sempre presente em casa, nas festas, nas viagens, circulava também nas falas de meu pai e, através de sua escuta, despertava em mim, pelas notas, pelas letras compostas e pelas melodias, um apelo ao sabor da boa música.
E foi por essas motivações que, ao ouvir o nome Tom Jobim, fui à livraria comprar o livro. Embora tenha livros virtuais, permaneço na necessidade do toque, do cheiro, das marcas deixadas pelas observações feitas com a caneta amarela e pela escrita com o lápis bem apontado. As várias crônicas trouxeram informações que eu desconhecia, como a do pai de Tom, o poeta e diplomata gaúcho Jorge Jobim, o qual pouco conheceu, pois tinha apenas oito anos quando ele morreu, em 1935, aos 46 anos, vítima de infarto. E, nesse pouco tempo de convivência, é preciso descontar os dois anos em que Jorge Jobim surtou, largou a família e foi morar sozinho em Petrópolis.
O título Ouvidor do Brasil, que logo nas primeiras páginas define claramente sua intenção e o caminho a ser seguido, novamente remete-me a uma pergunta: Não seríamos nós os ouvidores de Tom Jobim? Mas é justamente aqui que se inverte, e conhecemos o Tom Jobim atento aos sons do país, dos pássaros, dos bichos: “Eu sou filho da Mata Atlântica. Conheço esses bichos todos”. E, na contemplação, ele se conecta intrinsecamente à temática ambiental, à natureza: “cada pássaro um pio, uma língua diferente”, e que muitas vezes, por causa de seu grande apelo ao assunto, diziam: “Tom Jobim? É um chato. Você pergunta a ele sobre qualquer assunto e ele só quer falar de ecologia”.
Escutei a música Boto citada nas páginas do livro e passei a ouvir os sons antes despercebidos, descobrindo um Tom que também não ouvia, esse Tom ligado à natureza, ao meio ambiente. Tom não apenas ouvia os sons da natureza como os traduzia em músicas.
O Ouvidor do Brasil, de Ruy Castro, não apenas resgata o Tom Jobim ligado a essa forte consciência naturalista, mas também seu papel fundamental na Bossa Nova. O gênio melódico que traduzia os sons da natureza foi também o pilar daquele que se tornou um dos movimentos musicais brasileiros mais reconhecidos no mundo. E meu mundo também se abriu para Vinícius de Moraes, o poeta responsável pelas letras e foi quando provavelmente escutei poesia nas letras musicais. “Eu sei que vou te amar, por toda minha vida eu vou te amar”. E, além das letras das músicas soarem como poesia – e são –, ainda acontecia o próprio poema: “De tudo, ao meu amor serei atento. Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto. Que mesmo em face do maior encanto. Dele se encante mais meu pensamento.”
Meu pensamento encantado lembrou-se também de João Gilberto, o mestre da batida do violão, e essa tríade criativa nos deixou a música, a melodia, a poesia, e a literatura mais uma vez abrindo as portas para essas várias artes que nos cercam. E essa nova sonoridade, transformada em um fenômeno, saiu do apartamento do Rio de Janeiro e conquistou o mundo. Teve seu ápice de reconhecimento com o álbum Getz/Gilberto, de 1964, onde a colaboração de Tom com o saxofonista americano Stan Getz levou a Bossa Nova ao mainstream internacional.
Fui passeando assim pelas crônicas de Ruy Castro, deliciando-me nos vários Tons que encontrei em suas músicas, nos discos de vinil, nos LPs, e em letras e canções que fazem parte da minha história e de tantos outros. Ainda me recordo da sala de visita de pedra de ardósia onde eu passava a noite gravando do disco de vinil para fita cassete para que a música me acompanhasse até Bertioga. Chega de Saudade, Estrada do Sol. Como eram lindas as letras, quanta poesia existia. “É de manhã, vem o sol, mas os pingos da chuva que ontem caiu ainda estão a brilhar e a dançar, ao vento alegre que me traz essa canção.”
E quem pôde desfrutar de tanto encantamento, e os que não tiveram a chance de conhecer a história e o marco que foi Tom Jobim, não deixem de ser um bom ouvidor de todo um legado deixado. Sou grata por fazer parte, também como Ouvidora, de tanta riqueza deixada, de tanto conhecimento adquirido, e por pensar que eu não era nascida quando ele e Frank Sinatra gravaram juntos o álbum Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim em 1967. Foi daí que tivemos a eterna música Garota de Ipanema gravada em inglês, e em 1994, eu, nessa época com vinte anos, pude também acompanhar o sucesso. Aproveitem a oportunidade de tanta riqueza.
Renata Araujo – Psicanalista, escritora e cantora.











