Renata Araújo
Tive a oportunidade nessa última sexta feira, de assistir ao filme “Filho de mil homens”, de Valter Hugo Mãe, nome artístico do escritor português. Além de escritor, é editor, artista plástico, apresentador de televisão e cantor. Confesso que tenho livros dele que cheguei a comprar e ficaram assim de espreita esperando para serem escolhidos. A máquina de fazer espanhóis tenho certeza que está lá, não recordo-me agora quais os outros mas confesso que depois do filme fui tocada pela escrita de Walter e carregarei no colo e nos meus olhos cada um deles. Uma curiosidade abriu meus pensamentos: se o nome Valter Hugo Mãe é artístico, por que o Mãe? E não deixei em branco a lacuna que tinha criado em mim e fui pesquisar.
Ele adotou “Mãe”, por ser a figura com mais capacidade de amar, por sua própria reflexão sobre o amor. Ele escreve quase a totalidade de seus livros sem utilizar letras maiúsculas (exceto em casos muito específicos, como em algumas capas ou títulos, democratizando as palavras dando importância a tudo que é dito. A poesia percorre suas prosas, tendo um cuidado com a linguagem rítmica e de grande densidade lírica.
“O livro que recordo em minha prateleira, ‘A Máquina de Fazer Espanhóis’, é um romance que aborda a velhice, a memória e a vida em um lar de idosos, sendo aclamado pela crítica. Após o que senti ao assistir ao filme, mal posso esperar para abrir as portas de minha biblioteca e mergulhar no mundo de ‘Mãe’.”
“Assisti a uma entrevista de Rodrigo Santoro sobre o filme, na qual ele fala sobre a sensibilidade e a entrega dos personagens, além da maneira como o enredo foi apresentado e do afeto que permeia as cenas com os diversos atores. A primeira cena do filme traz uma citação que diz: ‘Na pequena vila perto do mar, há um ditado muito antigo que afirma: quem tanto pede o que lhe pertence, assim o mundo convence.'”
E pela citação e pela fotografia fui tocada e me dispus logo a assisti-lo. Na primeira cena pude ver a casa de pedra que foi construída sob a pedra, na vitrola o disco arranhado repetia: a pessoa que eu sonhava iria aparecer, a pessoa que um dia eu sonhava iria aparecer. Tudo muito figurativo e intencional, não é um filme para assistir uma única vez, perderemos pelo nosso olhar vagueante, detalhes riquíssimos, valorosos, que foram pensados com certeza exaustivamente pelo escritor.
A conexão do nome artístico com a figura materna torna-se cada vez mais evidente, simbolizando o amor. O olhar sensível do escritor revela relatos de diversas histórias, que abordam questões únicas de cada indivíduo, ao mesmo tempo em que se fazem universais. Temas de perda, luto, entrega e o desejo intenso de que algo se concretize permeiam a narrativa. Essas histórias exploram tanto o amor quanto aquilo que não se define como amor.
A trama evolui com uma leveza notável, impulsionada pela fotografia e pela maneira como cada elemento é apresentado. De repente, o espectador se vê inserido no enredo, tocado pelas experiências dos outros, capaz de abraçar a dor alheia. As reflexões sobre nossas posturas e escolhas emergem, mesmo diante de realidades densas e difíceis que clamam por acolhimento. Sugiro que vocês se permitam a eliminar a pedra pela qual vocês construíram suas “moradias” e se entreguem ao filme, ao livo, pois depois do filme quero muito ler o livro.
E trazendo a pedra novamente para a cena, essa casa de pedra, essa dureza das pessoas como pedras,o quão é difícil como pedra nos dividirmos, nos perguntarmos, acolher o outro em sua diferença, com suas dores. E como eles foram se reunindo, sendo acolhidos e no final do filme você não enxerga mais a cada, a morada como dureza e sim como colo. Tenho um poema autoral que escrevi chamado Pedra, deixo-o aqui como reflexão.
Convidei a pedra para conversar
Bati com insistência à sua porta
Coloquei meus lábios sobre sua
pele fria
Talvez pudesse
sentir minha temperatura
mais quente
Mesmo assim ela resistia
duramente a qualquer
movimento
Ainda insisti prontamente
Com um ato e a acarinhei
passando minha mão por
Sua superfície
Senti sua aspereza
Ela nem se mexeu
Quanta resistência!
Resolvi abraçá-la
Talvez, quem sabe, se permitiria
moldar de forma diferente
entre o intervalo de meus braços?
Ainda em vão
Fiquei me perguntando quantos de
nós somos pedras?
Renata Araújo – Psicanalista, escritora e cantora.













