Wagner Gomes
Acendi um médium como quem acende um charuto cubano: por mero capricho. Queria testemunhar como nossos políticos — tão empoados de si mesmos — se comportariam no além, privados da instituição que mais cultuam com fé teimosa: o STF. A resposta veio numa lufada. Estavam apavorados ao saber que, no céu, no inferno e muito menos no purgatório, não existe trânsito em julgado para empurrar com a barriga.
A eternidade, para seu desespero, não admite embargos. Nem de declaração, nem infringentes, nem procrastinação de toga. As almas ilustradas — aquelas que passaram a vida papagueando o pensamento europeu com meio século de atraso — continuavam discursando como se o limbo fosse uma extensão da Sorbonne. Tentavam instruir anjos sobre nosso arcabouço institucional: um engenhoso arranjo para blindar criminosos bem relacionados. Falavam com a empáfia de quem acha que Kant mora no Leblon e que a Constituição é um romance inacabado.
Os guardiões celestes, educados, ouviam. Não entendiam, nem queriam entender. Sempre viveram muito bem sem saber o que é foro privilegiado — e seguirão assim, leves como quem nunca pisou num cartório. O médium revelou que alguns ex-ministros do STF caminhavam cabisbaixos, como cortesãos de uma França em ruínas, acreditando que a toga ainda lhes emprestava majestade.
Esperam, dizem, por uma nova leva de togados com hermenêuticas delirantes e trejeitos de duque. Mal sabem que, na eternidade, não há gabinete, não há lobby, não há irregularidade processual a ser descoberta em cima da hora. Não há sequer incompetência territorial para salvar a pele do homem mais honesto do mundo. Há apenas o veredito nu, cru e irrevogável — esse fantasma que nunca tiveram coragem de encarar.
Os juízes que lá residiam há mais tempo, num riso nervoso, previam que os próximos ex-ministros desfilarão como decadentes de Versailles, falando sandices para tentar manter vivo, mesmo no além, o iceberg brasileiro da impunidade, que nem o fogo do inferno consegue derreter. Convicção não lhes faltará: até no fogo eterno acreditam que toga confere imunidade ontológica.
Deputados e senadores, por sua vez, mantinham o ecumenismo oportunista de sempre. Esquerda e direita — que por décadas se odiaram com fervor de torcida organizada — tornaram-se sócios na eternidade, dividindo prejuízos como jogadores ruins de pôquer. E o Centrão, claro, já estava instalado antes de todos, negociando favores, tentando “ajeitar” o juízo final como quem ajeita licitação.
Quando perceberam que truque algum funcionava, lançaram mão de um novo grito de guerra: “defuntos unidos jamais serão vencidos”. A metáfora caiu morta no chão. Bem de camarote, os mineiros Milton Campos, Tancredo e Juscelino, observavam a distância e calados, todo aquele lufa-lufa. No máximo um deles cochichou para os outros dois, segundo o médium, que a burrice moral, essa sim, sobrevive ao corpo.
Diante do desespero geral, ecoaram lembranças melancólicas: Bandeira tinha razão — a glória é inútil, a poesia não consola, e o horizonte é apenas um beco sujo quando tudo se desfaz. E Antero de Quental selou a lápide metafísica: silêncio, treva, nada. Eis o inventário final do Brasil oficial. A grande surpresa deles?
O Divino não negocia com oportunistas — nem mesmo quando já estão digitalmente falecidos. E então surge a figura mais curiosa da nova paisagem: o Papa Francisco, agora oficialmente morador do andar de cima. Observava tudo com o humor resignado de quem sabe do ser humano até o osso. Seu velho gracejo, antes tomado como piada, virou profecia autocumprida: “Vocês, brasileiros, não têm salvação. Muita cachaça e pouca oração.” Ele fala com conhecimento de causa; afinal, tem hoje a visão panorâmica da nossa política, esse espetáculo tropical que nem Deus, coitado, parece dar conta de organizar. (foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Wagner Gomes é articulista












