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Basta de “meias polícias”

Paulo César de Oliveira
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No Brasil, onde a violência assume proporções assustadoras, ainda se perde tempo, dinheiro e inteligência, com a burocracia centralizadora que emperra o trabalho policial. Temos um modelo que os especialistas chamam de “meias polícias”, onde cada uma tem funções limitadas, o que resulta em baixíssimos índices de apurações de crime, assegurando assim a impunidade dos que vivem à margem da lei. Este artigo, o deputado federal Subtenente Gonzaga (foto), que atuou na Polícia Militar de Minas e foi um dos principais líderes dos militares, defende não a unificação das polícias, modelo que vem sendo discutido desde os anos 90, quando surgiram os movimentos reivindicatórios, com greves inclusive, de policiais. O que ele defende, e que já está em debate no Congresso, embora num ritmo muito lento, é a ampliação das competências das polícias, substituindo as “meias polícias” de hoje, pelas “polícias de ciclo completo”, com ganhos para a sociedade.

 

Nova arquitetura para a segurança pública no Brasil

Discutir com eficiência a segurança pública no Brasil exige grande predisposição para analisar a transversalidade e multidisciplinariedade das causas da violência e criminalidade, bem como das ações de prevenção e repressão. Não houve convergência até hoje sequer entre os estudiosos e profissionais da segurança pública, quiçá desde escriba.

No entanto, do ponto de vista da estrutura organizacional da segurança pública no Brasil, são muito óbvio as razões dos entraves à eficiência e eficácia do sistema de segurança pública.

O princípio federativo da organização do Brasil, que é cláusula pétrea em nossa Constituição, tem servido de forma equivocada para que a União se exima de sua responsabilidade na segurança pública. Olha que contradição: o Ministério da Justiça, órgão responsável pelas políticas de segurança pública no governo federal, age somente por meio da Polícia Federal e Rodoviária Federal que, constitucionalmente, têm poder reduzido. A primeira, em razão de atuar em crimes específicos e a segunda, por estar apenas nas rodovias federais.

Em relação aos estados, a quem a constituição reservou a maior responsabilidade pela segurança pública, o Ministério da Justiça sequer pode emitir uma orientação. Não há nenhuma relação formal, tendo que dialogar com os estados através de entidades de classe. Um absurdo.

Soma-se a essa anomalia, outra bem pior: a limitação constitucional que impede que todas as polícias possam investigar, conhecido como “modelo de meias polícias”. Essa limitação é, sem dúvida, a mãe da ineficácia das elucidações de crimes no Brasil:a estatística aponta para o inaceitável índice de 8% nos crimes de homicídios e menos de 3% nos demais.

Por razões de espaço, deixo de fazer qualquer comentário sobre as influências do Poder Judiciário, Ministério Público e Sistema Prisional na ineficiência do sistema de segurança pública e de ressocialização dos presidiários. Mas devo dizer que do ponto de vista de suas competências, em comparação com as Polícias, não há o que propor de alteração constitucional. Apenas é necessário dar-lhes eficácia através da melhoria da gestão e ampliação da capacidade de responder às demandas.

Em relação às Polícias, sim, exige alteração constitucional. O conhecido modelo “Polícia de Ciclo Completo”, adotado na maioria absoluta dos países (na América Latina apenas o Brasil não o adota), ou seja, competência de todas as Polícias para exercerem todos os atos da persecução criminal, que consiste no exercício da polícia ostensiva e preventiva, investigativa, judiciária e de inteligência policial.

No modelo atual de atuação das Polícias no Brasil, as ações das Polícias Militar e Rodoviária Federal, se limitam a deter alguém e conduzi-la à Policia Civil ou Federal. Ainda que aquelas tenham todos os elementos e informações de materialidade e autoria de um crime que possam sustentar a atuação do Ministério Público e Poder Judiciário, tais informações são descartadas pelo fato de ser a investigação e o inquérito prerrogativa da Polícia Civil e Federal. Mesmo que o flagrante esteja devidamente caracterizado, todo o trabalho será refeito pelas chamadas polícias judiciárias. Isso é um absurdo do ponto de vista da eficiência e eficácia e uma grande contribuição para perpetuar a impunidade.

O modelo de polícia de ciclo completo responde a dois graves problemas por demais sentidos pela população: o baixo índice de elucidação de crimes e excessivo tempo perdido em deslocamentos e nas delegacias pelos policiais Militares e Rodoviários*.

O modelo “Polícia de Ciclo Completo” está sendo amplamente discutido na Câmara dos Deputados e no Senado. No entanto, se por um lado há quase que um consenso em torno de sua necessidade, há um discente no modelo a ser adotado que basicamente se resume a dois: através da unificação das polícias militares e civis, e, do empoderamento constitucional da competência do ciclo completo a todas as Polícias.

A unificação das polícias civis e militares, na minha modesta opinião, trás consigo um grave problema. Não inclui a Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal e ignora solenemente as demais agências do sistema de segurança pública como as Guardas Municipais, Agentes de Trânsito, Agentes Penitenciários e Corpos de Bombeiros. Portanto, não ataca um dos principais problemas que é o retrabalho de uma polícia em relação à de outra.

A proposta de empoderamento da competência do ciclo completo a todas as polícias atende muito melhor a premissa da eficiência e eficácia, na medida em que não mais serão jogadas na lata de lixo as apurações de crimes realizadas no dia a dia, especialmente pela Polícia Militar e Rodoviária Federal, maximizando os recursos humanos já disponíveis.

Tendo Minas Gerais como referência, onde a Polícia Militar está presente nos 853 municípios e em mais de 300 distritos, e a Polícia Civil em apenas 350 e, em regime de plantão, em 59, é óbvio que seria aumentado significativamente os processos disponíveis para julgamento pela Justiça. Em um país em que a média de tempo para julgamento de um homicídio é de nove anos, com índice de elucidação de apenas 8%, seria naturalmente algo extremamente relevante, sem contar a maximização dos recursos humanos na prevenção, uma vez que os deslocamentos e o tempo de espera nas delegacias seriam extremamente reduzidos.

Em síntese, sou daqueles que entende que com todas as polícias com a competência do ciclo completo, poderá haver a divisão de atuação por território e por estado de flagrância. Sempre que houver uma atuação em que o flagrante estiver caracterizado, aquela que o atender deverá se reportar diretamente ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. Sempre que não for flagrante, o registro deverá ser encaminhado à Polícia Civil ou Federal, conforme o caso para devida investigação.

E no território em que existir a presença de apenas uma polícia, essa fará o ciclo completo, independente do estado de flagrância. Isso dará efetividade à Polícia Civil e Federal, que não mais precisará de serviço cartorial e de balcão para receber demandas geradas por outras polícias, tornando-a uma agência de excelência em investigação, bem como dará também efetividade as Polícias Militares e Rodoviárias, que poderão investigar e aumentar as prisões em flagrante e, ainda, não ter que jogar fora informações relevantes colhidas no dia a dia, que auxiliam na elucidação de crimes e ainda aumentam seu potencial de prevenção, caracterizado pela presença ostensiva em seu território de atuação.

*Em Minas Gerais o tempo médio de espera nas delegacias em 2015 foi de 470 minutos.

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