Economia e política estão sempre entrelaçadas. O desempenho da economia afeta a avaliação do governo e influi na escolha dos candidatos nas eleições. Raros são os exemplos de derrota do candidato da situação, quando a economia vai indo muito bem. Por outro lado, a política afeta a economia por diferentes vias. Um canal direto é o das decisões de políticas econômicas. As escolhas que são feitas pelos governantes impactam diretamente a economia. Os exemplos são muitos. Os mais eloquentes são a implantação do Plano Real no governo Itamar que elegeu FHC e as escolhas feitas pelo governo Dilma com a chamada nova matriz econômica que levaram a economia à recessão e estavam na raiz de seu impeachment. Outro canal é o do ambiente de negócios. Um governo que cumpre os contratos, mantém suas contas em dia e a inflação controlada, estabelece um clima de previsibilidade e segurança afetando positivamente a confiança e as decisões dos investidores e dos consumidores. Ao contrário, governo que gasta desordenadamente, descumpre as leis, pratica corrupção e demonstra fraqueza política, gera insegurança e perde a confiança dos investidores e dos consumidores, desestimulando o crescimento.
Pois bem, 2017 pode ser marcado como o ano da superação da mais extensa recessão da economia brasileira, ainda que em ambiente político adverso. Acreditava-se na impossibilidade de crescimento, mesmo que modesto, em meio à severa crise política, com o presidente Temer na mira do MPF e recebendo os mais elevados índices de rejeição das últimas décadas. Não obstante, as evidências da recuperação econômica confirmam a possibilidade de a economia crescer a despeito da crise política. Como decifrar esse enigma?
No período de julho a agosto do ano passado, na comparação com o trimestre anterior, o PIB apresentou sua terceira taxa de crescimento positivo, conforme as estimativas do IBGE. Depois de dois anos de recessão, a economia voltou a crescer. Na comparação com o trimestre anterior, o PIB cresceu 1, 3% no primeiro, 0,7% no segundo, e 0,1% no terceiro trimestre do ano. Espera-se crescimento em torno de 1% no final do ano e acima da 2,5% em 2018.
Do lado da oferta, o setor agropecuário é o principal responsável para a volta do crescimento, em razão da supersafra 2016-2017 que atingiu mais de 240 milhões de toneladas de grãos. A indústria, que vinha tendo quedas consecutivas nos anos anteriores, recuperou seu crescimento no terceiro trimestre (0,8%) e acumulou expansão de 1,9% ao longo do ano. No setor serviços merece destaque o crescimento do comércio que de 0,2% no primeiro trimestre pulou para 2,2% e 1,6% nos trimestres seguintes, sendo o principal setor do lado da oferta a garantir o aumento do PIB em 2017.
Do lado da demanda, o maior responsável pelo crescimento é o aumento do consumo das famílias, principalmente da classe média-baixa, impulsionado pela forte queda da inflação. Se o IPCA acumulado em 12 meses, que mede a inflação de famílias com rendimentos compreendidos entre 1 e 40 salários mínimos, caiu de 7,87%, em outubro de 2016, para 2,7%, em outubro passado, no mesmo período, o INPC, que mede a inflação de famílias com rendimentos compreendidos entre 1 e 6 salários mínimos, despencou ainda mais (de 8,5% para 1,8%). Alimentos apresentaram as reduções mais expressivas. A queda da inflação tem efeito semelhante ao aumento real do salário, principalmente para famílias de renda mais baixa, cuja participação relativa dos alimentos no total dos gastos é bem maior.
A trajetória de baixa da inflação ajudou também o Banco Central a reduzir a taxa de juros. A Selic chegou ao seu nível mais baixo (7%), semelhante à antiga taxa TJLP utilizada pelo BNDES nos seus empréstimos de longo prazo.
Todavia, queda da inflação e dos juros, aumento do consumo das famílias, redução do desemprego e crescimento da economia não foram suficientes para melhorar a avaliação do governo Temer, que continua a mais baixa desde a redemocratização. São os mistérios da política.
Será que neste ano, os bons resultados da economia poderão ser um trunfo para Temer ter influência positiva nas eleições de outubro? Esse é o real enigma a ser decifrado.
Paulo Paiva
Professor associado da Fundação Dom Cabral
Foi ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo FHC