Por Rudá Ricci
O Senado Brasileiro se movimenta paquidermicamente para fazer sua reforma política. Este tema já esteve em pauta nessa casa parlamentar a décadas. Não saiu, literalmente, do papel. Nossa “Câmara Alta” já produziu, em outras legislaturas algumas propostas interessantes, como a “federação de partidos” ou a candidatura avulsa. Ficaram no papel.
Algo parece levar a crer que se trata de um movimento defensivo, reação ao susto que emergiu com os protestos de 2013. A sugestão da Presidente Dilma Rousseff em entregar como resposta aos manifestantes a reforma política foi inicialmente refutada pelos partidos e parlamentares justamente porque eles desejavam arbitrar e se apresentarem como autores desta iniciativa, salvando dedos e anéis.
Os movimentos recentes do Senado vão nesta direção de defesa e prevenção. Começou com a interdição de fusão de partidos, diminuindo o aumento de cacife de alguns que levaria à alteração do condomínio que governa o Brasil e que leva o pomposo nome de coalizão presidencialista. Em seguida, aprovou a emenda constitucional 40 que acaba com as coligações para eleições proporcionais, limitando-as às eleições majoritárias. Sabe-se que nos últimos anos, as coligações geraram uma “ação entre amigos” em que o partido que lançava candidato majoritário alimentava a campanha dos partidos coligados, numa trama contábil das mais complexas em que até a liberação do abastecimento do combustível dos carros de candidatos se transformava em controle dos partidos hegemônicos, liberando ou cerceando a mobilidade dos candidatos devido às provas de fidelidade que demonstravam ao longo das campanhas.
Teoricamente, a iniciativa do Senado coíbe a barganha dos partidos menores em troca de tempo de TV e rádio nas campanhas eleitorais ou mesmo que um partido ou personalidades puxem a eleição de candidatos de partidos coligados que não interessavam ao eleitor.
O financiamento de campanha é outro tema perseguido pelo Senado.
Tudo muito bom, tudo muito interessante, mas, realmente, não toca no essencial do poder sobrenatural que hoje os profissionais da política tupiniquim possuem. Justamente porque uma reforma política que altere efetivamente o pêndulo do poder – do profissional da política para o cidadão que lhe confere representatividade – diminuiria o poder dos já eleitos. E foi isto que os assustou em 2013 e que os levaram a se movimentar.
O que poderia alterar o pêndulo do poder seria o impedimento de mais de uma reeleição de qualquer cargo eletivo. Ou o impedimento de dois parentes em primeiro grau se candidatarem na mesma eleição, evitando a consolidação de dinastias parlamentares.
Poderíamos, ainda, com uma reforma política exclusiva e independente do poder dos atuais mandatários do poder político, institucionalizar o veto popular a votações que não sejam do agrado e intenção do eleitor, ou ainda a revogação de mandato eletivo – o recall – para casos em que o mandatário fugir do desejado pelo eleitor.
Poderíamos ir até mais longe e exigir que todo candidato à cargo eletivo, no ato de inscrição de seu pleito, autorizasse a quebra de sigilo bancário e que um comitê de fiscalização eleitoral (composto pela Receita Federal do Brasil, Polícia Federal e Ministério Público, à título de ilustração) possa monitorar movimentações bancárias durante o decurso da campanha.
Mas, qual parlamentar da atualidade aceitaria uma agenda que diminuísse tanto sua liberdade de ação e aumentasse o poder do cidadão? Talvez, um parlamentar em desespero, como ocorreu com o senador Cristovam Buarque que, em meio às três semanas que abalaram o Brasil em junho de 2013, sugeriu a renúncia de todos eleitos e convocação de eleições gerais em nosso país.
Desespero à parte, a verdadeira reforma política não virá do Congresso Nacional. Porque de lá, só virão movimentos reativos que dão vida à fala do personagem principal de “O Leopardo” que sugeria ser necessário mudar para que tudo fique como está.
A reforma política só tem sentido se reformar o Estado e os partidos, se alterar a relação de poder entre eleito e eleitor, se transformar o Estado em estrutura porosa às demandas e percepções dos cidadãos. Uma reforma política exclusiva, que conte com a possibilidade de candidaturas avulsas e exclusivas para este fim (não podendo o eleito à constituinte se candidatar a outro cargo eletivo em pleito subsequente).
Algo que se aproxime da Revolução das Panelas na Islândia, em 2008, onde uma comissão independente de 25 cidadãos foi nomeada pelo governo central para recolher propostas, ao redor de 15 mil sugestões produzidas por cidadãos, grande parte enviada pelas redes sociais.
É melhor termos um Senado que reaja à vontade popular que um parlamento inerte. Mas é muito melhor um parlamento que tenha no seu DNA a convicção que sua existência está diretamente vinculada ao desejo de quem delegou seu poder nato para representa-lo por um curto período de tempo. Afinal, o poder político, segundo o primeiro artigo de nossa Constituição Federal, é do povo, que se faz efetivo através de seus representantes eleitos e diretamente. Diretamente.