Se tem um assunto difícil para os políticos brasileiros, além dos abordados pela operação Lava Jato, esse assunto é a reforma política. Entra ano, sai ano, o tema sempre está na pauta. Mas os interesses políticos de um e de outro acabam prevalecendo sobre os interesses da população e das necessidades do país. Com isso, o brasileiro continua a conviver com um sistema que favorece grupos e corporações, que elegem sempre os mesmos. O que acontece hoje, já acontecia a 20, 30 anos e ao que tudo indica, não será agora que vai mudar, segundo o ex-deputado Oscar Dias Correa Júnior (foto).
Por que é tão difícil para os congressistas votar a reforma política?
Sou filho de político, pai de político e fui político. Desde que me entendo por gente, se fala em reforma política e nunca há reforma política. Isso porque reforma política envolve o interesse de alguém e os interesses da classe política que está lá. Se a mudança prejudica o grupo A, evidentemente o grupo B tem interesse, mas o A não. É como o que aconteceu agora, quando se discutiu o distrital, o distrital misto, distritão, majoritário. Tinha uns 200 tipos de mudança política propostos e nada se resolveu. Falaram em acabar com as coligações em 2018 e chegaram a conclusão que não deve ser em 2018, só em 2020. O mais interessante nessas reformas políticas, e nós já temos uma experiência constitucional em relação a isso, é que já houve uma Emenda Constitucional que aprovou o voto distrital no Brasil. Essa emenda constitucional previa que o voto distrital iria, por exemplo, ser implementado em 2010 ou 2012. Ela foi feita com 4 anos de antecedência e quando foi em 2008, o Congresso reuniu de novo, fez uma nova PEC e mudou a Emenda Constitucional, que ele mesmo tinha feito no passado. É assim que funciona a reforma política.
Tudo depende do interesse da classe política?
No Brasil ela sempre surge quando há um descontentamento do povo com a classe política, como se isso é que pudesse melhorar a sua imagem, ou seja, a panaceia dos males da política seria a reforma. É claro que tem que ser feito alguma coisa. O que está demonstrado é que isto que está aí é um sistema caduco, velho, ultrapassado, corroído. O que deve ser? Não me pergunta por que não sei. Tem muita gente que fala em uma Constituinte exclusiva, outros falam que tem que fazer plebiscito ou referendo. O povo não sabe o que é reforma política. O assunto é muito técnico e é de natureza política. Não adianta submeter o assunto ao povo. Da mesma forma quando implantaram o parlamentarismo no país, aí veio o plebiscito, que era a pergunta se era a favor ou contra o parlamentarismo. O povo vota na linha do que pensam aqueles líderes com quem ele se identifica. Para o povo em geral, o assunto é de pouca relevância. E a decisão acaba atendendo ao interesse de poucos. São eles que vão ter uma projeção maior, terão espaço na televisão para defender isso, com propaganda eleitoral. Vai ter sempre uma meia dúzia que lucra com isto. Na hora que se fala em ouvir o povo, isso é uma grande balela. O povo sabe que tem que votar senão é multado e como tem que apresentar a comprovação da votação, senão é punido civilmente, ele fica com medo de não votar. Os próprios políticos é que terão que ter o discernimento de que a vida que eles estão levando não é uma vida boa e que o sistema político está completamente falido, ou se enxergar a realidade de que os políticos é que estão falidos. Não é o sistema, são os homens e isso é muito triste.
Nas eleições do ano que vem corremos o risco de eleger novamente os mesmos políticos?
Sempre foi assim. Não vamos ser românticos não. Quem concorre são sempre os mesmos. A renovação não alcança números elevados. A manutenção dessas pessoas acaba sendo uma realidade na política. Muda-se a cara da Assembleia Legislativa quando tem um número grande de deputados estaduais se elege deputado federal. Os outros são reeleitos. Quem é deputado federal e está desiludido e não quer mais ser candidato, ou disputa o Senado ou o governo do Estado. As caras não mudam. É claro que surgem caras novas representativas da igreja, por exemplo, que muda o seu representante na disputa. O mesmo com o sindicato das professoras e entidades empresariais. Acho que há também o desinteresse e o caso das mulheres é um exemplo. Os partidos têm que ter um percentual de mulheres na chapa. O que os TREs e o TSE identificaram na última eleição de vereadores? Todas elas eram candidatas fictícias e estavam ali para que a chapa pudesse ser registrada. Esse desinteresse na política, que é resultado no desencanto com a política, é que faz com que os mesmos continuem. Quem é que vota? Quem escolhe? É o eleitor. Se ele não muda os nomes, o que quer dizer isso?
Como os deputados não tem interesse em fazer essa reforma, caberá à Justiça Eleitoral faz o papel que é do Congresso Nacional?
Eu tenho ouvido falar nisso, mas não sei se ela pode inovar também. Na verdade, o que a Justiça Eleitoral faz e já escrevi artigos sobre isso, é substituir o legislador ordinário. Em verdade, ela muda tanto que está criando uma lei, que deveria ter sido feita pela classe política. Como a classe política não faz, ela é substituída por alguém. O Judiciário tem feito isso, não só em matéria de reforma política, mas em tudo. O Supremo Tribunal Federal se defrontou neste ano em vários assuntos típicos e característicos de legislação ordinária infraconstitucional. O Congresso não quis legislar, ou teve medo porque é polêmico e tudo que é polêmico é bola dividida e por isso não chega a conclusão nenhuma. O Judiciário acaba vindo a substituir o Legislativo. Mas não acho que nessa matéria ela vai mudar de forma significativa. A única coisa que pode acontecer é sobre as coligações e o Judiciário já sinalizou que a coligação não seria o melhor instrumento político para se fazer campanha eleitoral. Pode ser que o TSE venha a se manifestar, mas só em relação a isso, sob pena de substituir o Congresso, o que gera um desequilíbrio nessa balança dos Poderes.
A mudança no Ministério Público Federal, com a saída de Rodrigo Janot e a entrada de Raquel Dodge, vai alterar alguma coisa?
Durante a Constituinte, a comissão temática que tratava da organização dos poderes e sistema de governo, da qual eu era presidente, tinha sob a tutela dela, o Ministério Público, que acabou sendo o quarto Poder que ele é hoje na República, muito em função da Constituinte. Como presidente da comissão, sinto-me meio responsável por isso. Criou-se uma instituição que nada mais é do que uma instituição encarregada de proteger os interesses e os deveres do povo brasileiro, do cidadão comum, em tudo aquilo que dizer sobre um direito constitucional que ele tem, como direitos humanos, minorias, tudo o que se imaginar, essa é a função básica do Ministério Público. Com o tempo elas passaram a fazer mais parte do Ministério Público do que as funções originárias dele. O fato da procuradora-geral da República, Raquel Dodge ter assumido e Janot ter saído, não muda. O ministro Marco Aurélio e um procurador acabaram falando sobre isso, dizendo que muda os estilos da pessoa. O procurador Antônio Fernando, que veio antes do Janot, é que fez o mensalão e ele tinha um perfil diferente do Janot. Ele fez o mensalão e ninguém se lembra dele hoje. A única condenação de grupo político que houve no Brasil até hoje foi, de alguma forma, promovida pelo Antônio Fernando.
O Ministério Público Federal sempre teve uma atuação discreta?
O Cláudio Fonteles, tinha um perfil de procurador, o Geraldo Brindeiro outro, o Gurgel, todos tem um perfil próprio. O fato de ser Rodrigo Janot ou Raquel Dodge não muda nada, eles merecem nosso respeito. O estilo Rodrigo Janot era mais espalhafatoso, o estilo de Raquel Dodge é mais cauteloso é mais recatado e o mais engraçado é que Janot é mineiro e a Raquel goiana, com um perfil mais parecido com o dos mineiros. A Lava Jato vai continuar da mesma maneira. Pode ser que se tenham menos notícias espetaculares da Lava Jato, mas que ela vai continuar vai. Aliás, nunca vi tanta filial de lavanderia na minha vida. O que tem de franquia de lavanderia, em investigações da Lava Jato, eu nunca vi.