As reformas que o presidente Michel Temer tenta fazer, enfrentaram resistência nos últimos governos. O ex-ministro do Trabalho no governo FHC, Paulo Paiva, viu a reforma trabalhista, proposta à época, ser derrotada por apenas um voto. As mudanças na Previdência também vêm acontecendo aos poucos, ao longo dos governos Lula e Dilma, mas a situação é grave e precisa ser enfrentada. A forma apresentada pelo governo, no entanto, pode não sair do Congresso Nacional, segundo Paulo Paiva (foto), que prevê dificuldades para a tramitação das mudanças propostas.
A reforma que o presidente Michel Temer enviou para o Congresso Nacional é suficiente para tirar o país da crise?
Na questão da Previdência Social, há necessidade de ajustar o sistema às mudanças demográficas que estão em curso no Brasil. O resultado disso não é para ter efeitos positivos no governo Temer. Se aprovadas, elas terão efeito do ponto de vista fiscal mais a longo prazo Dependendo das regras de transição que serão aprovadas, elas poderão começar a ter efeito no final de 2018, mas, efetivamente, só daqui a 10, 15 anos é que elas terão efeito sobre as contas públicas. Mas ela é necessária e se tivéssemos feito antes, já teríamos impacto agora. A reforma da Previdência é um processo muito complexo. Se você olhar para trás na história recente do Brasil, as primeiras reformas foram do lado da receita, para aumentar a receita pública. Criou-se a Cofins, a contribuição sobre lucros, teve um período em que se criou a CPMF e, a partir do governo FHC, é que se tentou tomar medidas do lado da despesa, que são mais difíceis de serem tomadas.
O que se tentou aprovar?
No governo FHC foram feitas mudanças principalmente no lado público, que se seguiu no governo Lula e no governo Dilma. Foi estabelecido o limite de idade para o setor público, isso foi feito primeiro no governo FHC. Depois ele teve dificuldade para fazer a mudança na idade para o regime geral, perdendo por um voto. Aí foi criado o Fator Previdenciário para substituir a ausência da idade mínima. Também foi feita a mudança do tempo de serviço para o tempo de contribuição e, no governo Lula, essas restrições da idade mínima para aposentadoria. No governo Dilma criou-se a possibilidade da previdência complementar e eliminou-se algumas regras que tinham mais benefícios de pensão, colocando um limite para o tempo de casamento para se obter a pensão. Acontecia, por exemplo, de um homem de 70 anos casar-se com uma moça de 15. Ele morria e ela ficava com a pensão para o resto da vida. Essas questões foram ajustadas. O que eu temo é que com a próxima eleição, que será mais política, esse projeto, da forma em que ele está e do jeito em que ele foi encaminhado, dificilmente será aprovado.
Por que?
Eu vou te dar alguns exemplos. Estabelecer a mesma idade de aposentadoria para homens e mulheres eu acho muito difícil de ser aprovado no Congresso Nacional. Não estou fazendo nenhum juízo de valor, se é certo ou errado. As medidas de transição também são muito difíceis, talvez o governo tenha que flexibilizar alguma coisa. Além do mais, foi feito um modelo muito amplo. Eu negociei o projeto que foi encaminhado ao Congresso, no governo FHC, com congressistas experientes, como era o presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães. Quando fui enviar o projeto de reforma trabalhista, ele me falou com toda a clareza “ministro, se você quiser passar alguma coisa na Câmara, venha com uma medida de cada vez. Se forem várias medidas, você junta todos os setores que são contra e aparece um exército enorme contra as suas medidas”. Eu tenho a impressão que o governo teria mais sucesso se a reforma da Previdência fosse fatiada, porque ele fez para o regime geral da previdência e para os servidores civis, uma ampla reforma. Isso fora os militares e isso vai estimular a rejeição.
Por que é tão difícil mexer com a aposentadoria dos militares? O senhor teve esse problema também?
Claro, é muito difícil. Por isso eu acho que a estratégia de mandar um projeto completo é bonita, é elegante, mas é difícil de aprovar. Não se iluda: a maioria que apoia o teto dos gastos não se reproduz na Previdência. A reforma da Previdência, como a trabalhista, são reformas que tocam na vida do cidadão. Quando você discute a reforma da Previdência com qualquer pessoa, de qualquer nível educacional, com qualquer compromisso, maior ou menor, que tenha com o país, a pessoa vê pelo ponto de vista dela, como a reforma afeta a vida dela. A questão fiscal está mais distante do dia a dia das pessoas.
Essa questão tem que ser enfrentada de qualquer jeito, não é?
Tem que ser enfrentada, mas é difícil. A não ser que o presidente Temer aceite fazer essas mudanças. É um espírito público que deve ser louvável e registrado. Só que é difícil. Eu posso até estar enganado, mas acho difícil aprovar do jeito que está. E acho difícil aprovar até o princípio do segundo semestre de 2017.
Os governadores também se comprometeram a ajudar, porque eles também precisam ajustar as previdências nos estados. A pressão que vão fazer nas bancadas não vai ajudar?
Mas nessa altura do campeonato, os governadores têm menos influência sobre os deputados. A maioria dos governadores não será reeleita, porque a popularidade deles é baixa. Os mecanismos que eles usavam para apoiar hoje não estão disponíveis. A sobrevivência dos deputados depende do voto e o deputado será cobrado pelos seus eleitores.
A proposta apresentada pelo governo é razoável?
A direção está clara. Pode-se até discutir detalhes. Talvez o governo devesse explicitar que não vai mais pagar a aposentadoria integral, porque o sistema é esse. A possibilidade de uma pessoa ter aposentadoria integral é ela ter uma contribuição de 49 anos e essa forma de apresentar, qualquer pessoa da área de marketing vai falar que essa forma de apresentar é uma loucura. Pode-se fazer essa apresentação de duas formas: aumentar a contribuição de cada um, mantendo a mesma regra, com a possibilidade de chegar a 100%, isso tem o mesmo efeito, ou aumenta uma outra contribuição, um outro imposto, como se fazia no passado. A terceira forma é que se nada for feito, vem um tsunami chamado inflação, que vem e acaba com tudo. Nesse caso, vamos ter uma insolvência fiscal, que leva a hiperinflação. É necessário fazê-la. Mas tem detalhes complicados e que serão objeto de resistência. Da forma que a reforma foi encaminhada para o Congresso, ela não sai do Congresso.
O governo também fala em liberar o FGTS para o trabalhador pagar suas contas. Essa medida vai ter impacto no mercado?
É uma forma de diminuir a inadimplência nos bancos. Essa medida vai ajudar os bancos. No governo Dilma também se tentou fazer isso. Essa medida tem um efeito parecido com o empréstimo consignado, que tem custo zero para os bancos. Sou muito crítico desta forma. A a medida é para ajudar os bancos, que estão com nível alto de inadimplência.
O governo está com dificuldade para sair da crise. Onde o governo está errando?
Esse é um nó muito grande. O governo precisa construir alguma tranquilidade para fazer essa transição, porque solução para o Brasil nós só teremos depois de um governo legitimamente eleito pela população. Não que o governo Temer seja ilegítimo. É um governo legal, mas não tem a legitimidade popular. O grau de popularidade do Temer é semelhante ao da Dilma. Ele tem uma incapacidade de se comunicar com a população para que o povo tenha confiança nas medidas que estão sendo tomados, além do descrédito com os políticos. O Temer não tem facilidade de se comunicar com a sociedade. Se comparar com Itamar Franco, com todas as dificuldades que ele tinha, ele sabia se comunicar com a população. O Temer não passa essa confiança para as pessoas.
Com esse alto nível de desemprego no país, até quando se sustenta uma situação como esta?
É difícil. Nós temos mais de 12 milhões de desempregados. Você sabe quantos estados tem a população acima de 12 milhões? Só quatro: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. Qualquer outro estado no Brasil tem a população menor do que o número de desempregados do país. Esse é o tamanho da gravidade do problema. É uma situação bastante delicada, temos uma ponte para atravessar e essa ponte está balançando. Só a queda da taxa de juros pelo Banco Central vai estimular a economia e começar um processo de recuperação mais rápido. Nós corremos o risco de deflação com baixo crescimento, que é o pior dos mundos.