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A Dança da Solitude: Um Reencontro no Deserto Interior

Paulo César de Oliveira
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 Renata Araújo 

Talvez eu não imaginasse que pudesse chegar tão próximo do campo da solidão. E foi difícil a travessia, dar conta da desilusão por acreditar que aquele objeto, aquele amor, pudesse me cobrir por toda a plantação. Dar conta de minha própria falha estrutural, por ter, no campo do Outro pelo qual somos constituídos, a falta de um significante: a falta estrutural.

Como me agarrei a saídas fantasiosas para sustentar a tentativa de muitos: a completude. E hoje, depois de tantos anos, reconheço a vista do oceano. Após a colheita, pude me jogar nas correntezas da solitude, abraçando-a sem medo, aproveitando o silêncio, o intervalo. Deixo-me banhar e dançar na dança da solitude, um lugar aqui dentro diferente da solidão.

Há um compasso, há o descompasso e, assim, na mudança de ritmo, vamos nos adaptando. E as palavras ressoam tão mais límpidas, mais serenas do que em outros tempos, permitindo tocar a música com mais lucidez. Pois há uma diferença grande entre a solidão e a solitude. A palavra solidão tem sua origem no latim solitudo, que significa ‘estado de estar só’. E quem não é? E como aprendemos a lidar com esse sentimento? O que seria a solitude? Qual a diferença? A solitude é uma marca que carregamos dentro, que por onde caminhamos a teremos aqui como algo que nos sustenta, que nos segura e em que podemos banhar em águas calmas.

Folheando cadernos escritos, rabiscos de euforia, traços de reminiscências, embalos de vivências de tantos – Maria, José, Carlos, Joana, Helena e tantos outros –, encontrei esse texto salpicado de dores e contrapontos, indagações e a perpetuação das várias tentativas de fazer diferente. A escrita permitiu-me e permite-me criar os personagens que eu queria e que quero, as situações que quisessem me atravessar e que ouso me tornar.

Já não consigo mais olhar em seus olhos. Caso eles me encontrem, poderão ler em mim toda uma história que nos pertenceu e que, nesse instante, caminha por um deserto árido, quente, onde nenhuma gota de água serviria mais para atravessar qualquer passagem. Nem a gota do suor que agora escorre por sua tez, na pele oleosa. Nem essa gota, talvez de um último gracejo, poderia ajudar a passar por esse deserto que nos engole em tempestades de areia.

Nesse momento, é exatamente o deserto e a solidão do deserto que quero para mim. Como se soubesse me governar pelos movimentos dos grãos lançados pelo chão, seguiria meu caminho em silêncio ou esbravejando as canções que se dizem em mim. Algum apelo por essa andarilha, eu e meus pés! Permitiria-me novamente estar despedaçada, sentindo cada parte de meu corpo. E poder viver a solidão de cada órgão meu: meu rim, meu fígado, meu baço, meu braço, meu balanço no ritmo que imponho para minha vida. Estou pronta para escutar minha melodia.

Preciso desse deserto mais do que em qualquer outro momento, pois já não suportarei tamanho desencontro. Não me iludo mais por grandes encontros. Talvez por isso prefiro sentir meus órgãos um a um, mas entendo a necessidade de ligar as veias, os líquidos, as seivas, tudo aquilo que faz com que meu corpo retorne à possibilidade de pequenos júbilos. Entendo… entendo… Mas ainda precisarei ficar por aqui, neste silêncio que me faz refletir.

Renata Araújo – Psicanalista, escritora e cantora.

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