Wagner Gomes
A imprensa brasileira há muito abandonou a pretensão de narrar o país com neutralidade. Em seu lugar, firmou-se um ecossistema onde a linha editorial é menos bússola e mais barricada — uma trincheira disfarçada de vitrine. O jornalismo, que deveria expor os fatos, frequentemente os enquadra com um verniz ideológico que agrada patrocinadores, acionistas ou conveniências temporárias. A mídia já foi chamada de quarto poder, mas hoje opera como corretora de versões: seleciona o que importa, o que choca, o que distrai — e sobretudo o que omite. Não é preciso mentir: basta destacar uns e silenciar outros, repetir certos termos até que se tornem verdade por exaustão. Escândalos são escalados conforme a conveniência do ciclo político. Há indignações programadas, silêncios bem pagos e manchetes que já nascem enviesadas e com forte cheiro de mofo. Os conglomerados de comunicação tornaram-se corporações híbridas: negócios com fins lucrativos, mas com poderes simbólicos que ultrapassam o mercado. Em ano eleitoral, vestem-se de paladinos; em tempos de bonança, preferem a passividade lucrativa. Tudo depende do clima — e do contrato publicitário da vez. No subsolo do jornalismo ainda há ilhas de lucidez, colunistas que resistem à pasteurização, repórteres que escavam o real com coragem. Mas são exceções num oceano de análises recicladas, editoriais preguiçosos e telejornais que gritam manchetes como se o volume compensasse a superficialidade. O controle da narrativa, no Brasil, é um ativo político. E quem o domina pode transformar sabotagens em reformas, cortes em responsabilidade, aliados em estadistas e adversários em caricaturas. A mídia não apenas informa: ela molda o que o país acredita ser verdade, no viés de confirmação de cada um — e o que prefere esquecer.
Wagner Gomes - Articulista
