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O labirinto antifacção

Paulo César de Oliveira
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Wagner Gomes

O Senado decidiu não apenas virar a página, mas reescrever o capítulo: aprovou por 64 votos unânimes o novo Marco Legal de Combate ao Crime Organizado, uma versão profundamente diferente daquela que saiu da Câmara. A Casa derrubou o projeto voluntarista dos deputados e acolheu o substitutivo do relator Alessandro Vieira ( foto: Geraldo Magela/Agência Senado), que devolveu o tema ao seu eixo técnico: nada de criar “leis paralelas”, nada de tipificações mal-ajambradas. Facções e milícias voltam ao guarda-chuva da Lei de Organizações Criminosas, com definição clara de estrutura, hierarquia e finalidade — justamente o que faltava no texto anterior.

O Senado também alterou o coração punitivo da proposta. As penas seguem pesadas — até 60 anos para chefes de quadrilhas — mas agora obedecem a uma lógica jurídica reconhecível, com progressões mais lentas e cumprimento obrigatório, pelas lideranças, em presídios federais de segurança máxima. Sai o improviso, entra a engenharia penal. E o plenário ainda deixou pelo caminho as extravagâncias da Câmara, como a tentativa de associar facções a terrorismo ou restringir direitos constitucionais sem emenda constitucional. O Senado chamou isso de “insegurança jurídica”. Na prática, jogou no lixo o populismo legislativo.

Vieira também costurou uma mudança estrutural no financiamento da política de segurança — a Cide-Bets, tributo sobre apostas eletrônicas que alimentará permanentemente o Fundo Nacional de Segurança Pública. Aqui, o Senado fez o que o Executivo não fez: encontrou fonte de receita para uma guerra cara. Medida ousada, pragmática e, sobretudo, funcional.

O governo reagiu como quem foi atropelado pela própria pauta: acusou “caos jurídico”, “risco de nulidade”, “benefícios indevidos”. Há algum fundamento — o Direito Penal não perdoa imprecisão —, mas o tom foi de quem perdeu o leme político. Ironia das ironias: a versão técnica que o Planalto defendia só apareceu quando Vieira a resgatou. Mas o Governo perdeu o roteiro quando o Senado reescreveu a lei.

A verdade desconfortável permanece: o Brasil não é inseguro por falta de lei, e sim por falta de Estado. Endurecer pena sem inteligência, sem coordenação e sem dinheiro é trocar a lâmpada do poste enquanto os fios continuam sendo roubados. O Senado fez um ajuste importante — mais técnico, mais operacional, menos teatral — mas a eficácia virá do trabalho de campo, não do Diário Oficial.

A Câmara agora receberá de volta o projeto que achava que liderava. Vai descobrir que, neste labirinto antifacção, quem desenhou a nova planta foi o Senado. Se os deputados vão aceitar, é outra história. Enquanto isso, o crime organizado segue com sua arma mais letal: paciência. Qual Minotauro em seu labirinto, espera que Teseu se perca nos descaminhos burocráticos e não chegue a ele.

Wagner Gomes – Articulista

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