Wagner Gomes
“Cada geração deve descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la, em relativa opacidade.” Frantz Fanon
O planeta ferve, a democracia range, o dinheiro encurta, a cabeça pesa. Ainda assim, há fila no cinema e festa no fim de semana. Há quem chame isso de “paradoxo civilizatório”. Outros, mais ousados, preferem “modo avião existencial”. Não se trata de ignorância, mas talvez de fadiga. A sucessão de alertas nos anestesia. Desastre climático? Está aí. Desinformação? Virou moeda de troca. Saúde mental? Já foi luxo, agora é urgência. Mas entre as dívidas/dúvidas pessoais e o noticiário, preferimos suspender a gravidade dos fatos e seguir navegando em automático. É mais suportável do que encarar o tamanho do desafio. O mais preocupante talvez não seja a crise em si, mas a acomodação ao seu ruído constante. Quando a exceção vira regra, corremos o risco de tratar o insólito como inevitável. Democracia não resiste à indiferença: quando o anormal se torna hábito, o Estado de Direito se fragiliza e a esfera pública perde sua vitalidade. Aceitar a exceção como regra é renunciar ao próprio sentido de cidadania. E, nesse processo, perdemos algo essencial: a imaginação de futuros possíveis. A sociedade que não ousa pensar diferente acaba aceitando qualquer realidade, por mais disfuncional que seja. A criatividade cede espaço à repetição. A utopia é rebaixada a meme. Sonhar virou artigo suspeito. Cada geração é chamada a reconhecer os dilemas do seu tempo e, diante deles, buscar um caminho que faça sentido. Cabe a ela decidir se quer contribuir para transformações ou seguir em silêncio. A “relativa opacidade” lembra que esse processo é feito sem garantias, em meio ainseguranças, mas também com espaço para escolhas conscientes. Mas nem tudo está perdido. Se há um papel para esta geração, talvez seja o de reaprender a imaginar. Imaginar não como fuga, mas como ensaio de reconstrução. Retomar o gesto político mais simples e mais poderoso: perguntar “e se?”. E se a economia priorizasse o bem-estar coletivo? E se a política fosse mais que um embate de vaidades? E se o futuro voltasse a ser uma construção partilhada? Em vez de fingir normalidade, talvez seja hora de redescobrir o desconforto como motor. Não para cair no desespero, mas para lembrar que ainda há escolha e há caminhos. Pensar diferente ainda é permitido. E, com sorte, pode ser o que nos salve. (Foto/reprodução internet)
Wagner Gomes – Articulista.