Renata Araujo
Ela calou-se frente ao papel em branco. Ficou ali a olhá-lo por tempos a fio. Longos fios. O branco dizimava o tempo da espera.
Sua filha cresceu, tornou-se mulher. Fastuoso momento de honrarias. Por detrás da máquina de fotografar, o olho buscava o ângulo, o ângulo, o ângulo, onde pudesse captar uma cena de si, em si.
Foi o tempo, foi o ângulo, foi a cena. Cada bater da foto afugentava seu olhar para um canto da tela. Sentiu-se devastada com o teatro da vida. Mesmo assim insistiu minuciosamente. Podia segurar, achava que podia segurar o prelúdio, o que precede, o que anuncia. Não, não mais. Seu olhar lúgubre deu mais uma piscadela. Precisava se retirar. O inefável tomou conta. Sentiu um fastio.
A ribalta sempre a esperava com suas luzes a brilhar, ela brilhou. Como todos aqueles em que a cortina abre a vida. Agora no canto da tela, atrás do palco, ela sabe da malícia. Deixa o corpo cair, como se saísse da cena.
Escorrega seu corpo para dentro da folha de papel. Quase se torna folha, plasma. Permanece assim durante um tempo. O silêncio da folha em branco parecia acolhê-la. Ficou um tempo recolhida dentro do papel, da folha, do teatro, da vida. Um tempo mais… Uma espera…
Injetou ar em seus alvéolos, renasceu. Extática, agora irrompe a folha de papel como se nadasse em mar. Seu corpo tornou escrita. Letra de escrita. Abriram novamente as cortinas. A ribalta a esperava, agora em corpo de letras.
Faz mais de dez anos que escrevi essa prosa poética, e ela retorna sempre quando é necessário refazer-me, dar conta de um tempo que descobri: o luto, a reinvenção —, não só para eu que escrevo, mas para cada um de vocês que estão lendo-o nesse momento. Que possa pensar nos momentos vividos, o que cabe a cada um de vocês dentro de suas histórias: o silêncio da folha em branco, o tempo de espera, o tempo da criação para depois ressurgir, abrir as cortinas do palco da vida e se reinventar. Bem-vindo à vida.
Renata Araújo – Psicanalista, escritora e cantora.