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A saúde e a crise. O profissional mal formado e o custo da saúde

Paulo César de Oliveira
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A formação acadêmica dos médicos brasileiros tem sido motivo de muita discussão. A decisão do governo de congelar por cinco anos a abertura de novas Escolas de Medicina causou polêmica, mas por outro lado, ganhou o apoio das entidades médicas de todo o país e de profissionais da saúde que buscam uma medicina de qualidade. O cardiologista Marcos Andrade (foto), um dos mais conceituados do país, defende não só a formação adequada dos nossos profissionais, mas também mais tempo nas consultas para que “ele ouça, enxergue e cheire o paciente” para conseguir o diagnóstico mais preciso, com menos exames. O cardiologista adverte para a influência da crise na saúde da população.

 

Tem coração que aguente essa crise política e econômica?

Nós estamos vivendo em uma época extremamente ruim do ponto de vista de prevenção de doenças, não só do coração. Todas as nossas doenças, que às vezes só têm aparência de ser física, têm o componente emocional. O que varia é o componente emocional. Tem doenças em que há o predomínio de distúrbio emocional e outras que tem predomínio de doença física. O emocional e o físico estão presentes em todas as doenças. Não há ninguém que tenha uma doença física que não fique preocupado com ela e, por isso, tem um problema emocional e vice versa. O sistema cardiocirculatório é extremamente sensível a situações externas. O que acontece no meio ambiente em que estamos, como o clima, a temperatura e o ambiente social principalmente, atua sobre o nosso sistema nervoso, leva à liberação de uma série de substâncias chamadas catecolaminas, adrenalina, noradrenalina e dopaminas, que são substancias circulatórias, que agem sempre de uma maneira muito ruim, aumentando a frequência cardíaca, a pressão arterial e essas duas coisas aumentam o trabalho do coração e acabam levando as doenças de angina, infarto e acidente vascular cerebral. É muito ruim para a parte circulatória. ]

 

O fato da maior parte da população ativa não ter um plano de saúde é um agravante?

Na verdade, esse é um dos grandes problemas que nós estamos tendo hoje na saúde. São dois pontos: o problema da aposentadoria, já que estamos vivendo muitos anos mais do que vivíamos antes e hoje nós estamos aposentando aí com 75 anos e nós estamos vivendo 95 anos. São mais 20 anos sem que se tenha nenhuma produção financeira nova, justamente nos 20 anos em que a pessoa mais vai gastar. Isso está levando a uma população envelhecida, justamente na fase em que ela tem menos capacidade de reagir ao empobrecimento, do ponto de vista do idoso. As pessoas que estão sem plano de saúde, nós observamos isso claramente, são as pessoas que financiavam a própria saúde, que tinham todos os tratamentos na área privada e passaram a adquirir os planos de saúde mais caros. As que tinham os planos de saúde mais caros estão passando para os planos de saúde mais baratos e quem tinha plano de saúde mais barato, está ficando sem plano de saúde. Mesmo porque, os planos de saúde mais baratos eram bancados pelas empresas. Com o desemprego muito grande, você tem, junto com a perda do emprego, a perda da assistência médica. Temos um contingente enorme de pessoas que estão em tratamento médico e não tratar na época adequada quer dizer péssimo resultado a posteriori, porque a pessoa vai se tratar com um custo financeiro muito maior e com um custo para a saúde muito maior, porque vai se tratar a doença em uma fase mais avançada e, portanto, ela será muito mais cara.

 

O SUS não está aguentando atender a esse aumento da demanda?

O fluxo aumentou muito. O particular passou para o caro, o caro passou para o barato e o barato passou para o SUS, que está tendo uma sobrecarga enorme no atendimento.

 

Como o senhor analisa essa proposta do governo de moratória na abertura de escolas de medicina. As escolas estão formando maus médicos?

Nós temos dois problemas. Acho que antes de abrir as escolas novas, nós precisamos qualificar as escolas existentes. Não adianta formar mais pessoas desqualificadas. É óbvio que temos uma demanda reprimida de profissionais, mas você tem ao mesmo tempo uma demanda muito grande de profissionais de qualidade. O profissional mal formado custa muito caro para toda a estrutura de saúde. Profissionais que se dedicando mais, mais bem informados, pedem menos exames, receitam menos remédios e funcionam mais rápido. São duas frentes de trabalho que nós temos que enfrentar. Precisamos primeiro qualificar as escolas que existem e aí ver qual a demanda que existe. São duas coisas que terão que ocorrer nessa sequência.

 

Esse boom de laboratórios é consequência dessa má formação?

Você tem uma demanda grande. Na verdade, se formos fazer uma avaliação muito estrita da relação entre exames necessários e exames solicitados, há uma certa gordura para ser enxugada. Isso é consequência do excesso de demanda. Os médicos tem pouco tempo para se dedicar à consulta e tentam suprir essa má qualidade do uso dos sentidos, que é enxergar o paciente, escutar o paciente, cheirar o paciente, o médico faz vários diagnósticos usando os seus sentidos. Esse é um conceito que está vindo muito agora, que começou com os italianos, que está se chamando “Slow Medicine”, que veio do “Slow Food”, que é uma tentativa de fazer com que os médicos tenham mais tempo para escutar o paciente e, com isso, fazer uma medicina melhor, pedindo menos exames e receitando melhor.

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