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A solução da crise é da responsabilidade de todos

Paulo César de Oliveira
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A pandemia do coronavirus provocou um embate entre governadores e prefeitos em relação a posições tomadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso (foto), esclareceu que a competência de cada um nesse processo, como está na Constituição, estabelece que à União compete expedir diretrizes, os Estados cuidam das peculiaridades locais. Cabe ao Município a competência comum para cuidar da saúde da população local. Nesse ambiente sombrio, no entanto, a Justiça tem sido muito provocada, o que para ele, mostra que a população está acreditando na instituição e isso é muito importante para o país. O certo é que, depois de passado o perigo da contaminação com o coronavirus, o mundo nunca mais será o mesmo.

 

Na condução das medidas para superar a crise da covid-19 e seus reflexos econômicos há um embate entre o presidente, governadores e prefeitos quanto à flexibilização da política de isolamento. O presidente fala em flexibilizar. Prefeitos e governadores endurecem o jogo Afinal de quem é a competência?

 Estamos no campo da saúde, da proteção da saúde, envolvidos numa pandemia. Nesse campo, a Constituição Federal começa por estabelecer uma competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23, inciso II). É dizer, compete às quatro entidades federativas cuidar da saúde e assistência pública. E como isso pode ocorrer? É na Constituição, basicamente, que buscamos a resposta. No art. 24, a Lei Maior estabelece a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar para proteção e defesa da saúde. E como isso se desenvolve, na prática? No âmbito da legislação concorrente, a competência da União é para estabelecer normas gerais, isto é, diretrizes. Aos Estados e ao Distrito Federal cabe competência suplementar, isto é, cabe aos Estados e ao Distrito Federal legislar para atender a suas peculiaridades. Inexistindo lei federal de normas gerais, os Estados investem-se de competência legislativa plena. Sobrevindo a lei federal sobre normas gerais, suspende-se a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrária. Em síntese, à União compete expedir diretrizes, os Estados cuidam das peculiaridades locais. E os Municípios? Cabe ao Município, já falamos, a competência comum para cuidar da saúde da população local (CF, art. 23, inc. II). E a Constituição dispõe, mais, que os assuntos de interesse local, é dizer, de interesse dos Municípios, é da competência dos Municípios (CF, art. 30, inc. I). Ademais, aos Municípios compete suplementar a legislação federal e a estadual naquilo que disser respeito ao interesse local (art. 30, inc. II). Em suma: à União compete expedir normas gerais, diretrizes, como, por exemplo, porque estamos numa pandemia, as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), os Estados cuidam de suas peculiaridades e os Municípios daquilo que é de interesse local. Esclareça-se que tudo há de ser praticado visando o bem comum, o bem estar geral. Qualquer extrapolação que atente contra o bem comum, o Judiciário deve se invocado.

 

Nessa disputa de que forma o Judiciário, tão acusado de legislar, pode agir? Em situações de emergência, havendo o vácuo legal, o Judiciário pode agir ou precisa ser motivado?

 O Judiciário existe justamente para agir numa situação em que se afirma estar o direito sendo lesionado. O Judiciário não age de ofício, precisa ser provocado pela pessoa. física ou jurídica, que se diz prejudicada. O juiz deve decidir, sempre, motivadamente. O que legitima a atuação judicial é a motivação séria da sentença, que não precisa ser extensa, mas que deve ser convincente. Estamos numa situação de crise, isto é, numa situação anormal. Em excelente artigo, o ministro Luiz Fux, Vice-Presidente do Supremo Tribunal, lembra lição da professora Andréa Magalhães, a dizer que “a pandemia do coronavírus neste momento de escassez faz do Judiciário uma tábua de salvação para assegurar a restituição do “status quo” ou a redução dos malefícios da crise.” Os juízes devem, pois, “ser responsivos e mensurar consequências de suas decisões.”

 

 O senhor não se preocupa com o ambiente de radicalização política vivida pelo país? Há uma clara campanha para desmoralizar o Judiciário e o Legislativo. Isto pode dificultar o trabalho da Justiça?

 Sim, há essa campanha, dirigida por um núcleo pequeno da sociedade, já identificado. E a sociedade, na sua maioria, já percebeu que esse núcleo atrasado presta mais malefícios do que benefícios. Grande parte da sociedade brasileira sabe que ruim com o Legislativo, pior sem ele. E que sem um Judiciário independente, forte, imparcial, as pessoas ficam desprotegidas e que não haveria segurança jurídica indispensável ao desenvolvimento econômico. E o Brasil não é uma república de bananas.

 

A crise está causando transtornos ao Judiciário. Há uma enxurrada de ações chegando ao Supremo questionando as medidas adotadas pelos governos. É hora de redefinir as funções dos tribunais?

 É hora de agir. É claro que o Judiciário brasileiro carece de reformas que o façam mais célere. Não me preocupo com a “enxurrada de ações chegando ao Supremo questionando as medidas” governamentais. É a sociedade acreditando nos juízes, acreditando no Judiciário. Isso é bom para a democracia.

 

Muitos acreditam que após a Covid-19 o mundo não será mais o mesmo. Essas mudanças podem refletir nas questões jurídicas entre os poderes?

Estamos passando por uma crise mundial de saúde. Vivemos uma tragédia mundial. Quantos vão morrer? Quantas economias vão soçobrar? A crise da saúde gera a crise econômica no mundo todo. Tudo há de passar, porque não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe. Mas o mundo não será o mesmo. Será melhor ou pior? Sou otimista. Acho que os homens serão melhores. Estou me referindo ao homem no sentido de ser humano. E como o mundo existe em razão dos seres humanos, o mundo será melhor.

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