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Aborto continua sendo crime. STF apenas reabriu a discussão sobre o assunto e abriu uma briga com o Congresso

Paulo César de Oliveira
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Dos muitos atropelos entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, uma decisão em relação ao aborto trouxe à discussão o polêmico tema e também as funções de cada Poder. A reação no Congresso foi imediata e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia avisou que vai exercer o poder da presidência sempre que a Casa entender que o Supremo legisla no lugar da Câmara. Certo ou errado, os congressistas vinham evitando o assunto, que só voltou a pauta após o ministro Luiz Roberto Barroso argumentar que trata-se de um direito fundamental à liberdade, que é uma parte da Constituição que não pode ser alterada. Com a polêmica instalada, juristas, religiosos, políticos e toda sociedade passou a discutir o assunto, o que, para a especialista em direito do médico e da saúde, a advogada Luciana Dadalto (foto), foi o primeiro efeito e até aqui único prático da decisão.

 

Quais são os impactos dessa decisão do STF?

A princípio esta decisão é pontual, uma decisão para aquele caso concreto. Nós não podemos dizer que a partir da decisão do STF para aquele fato concreto, está legalizado o aborto até o terceiro mês de gravidez no Brasil. O impacto que ela tem é o de causar esse rebuliço que está causando, como está acontecendo na mídia, com os juristas e os políticos. Estão todos discutindo a questão. Mas efetivamente não mudou nada. Essa decisão abre uma via argumentativa interessante.

 

Continua sendo um crime a prática do aborto?

Sim é crime tipificado no código penal. Não mudou nada.

 

Mas essa decisão abriu um precedente para outras ações sobre esse tema?

Ela pode ser usada como um precedente, sim. Mas nós não podemos afirmar que será. Porque essa decisão também pode ser ignorada pelo Judiciário. É temerário dizer que essa decisão vai impactar. Está muito cedo ainda para termos a dimensão desse impacto. Por hora, o que nós temos em relação a decisão do ministro Barroso, que foi seguida pelos ministros Fachin e Rosa Weber, é a discussão social sobre o tema. Mas é uma decisão que tem repercussões importantes, porque há algum tempo o Conselho Federal de Medicina tem um posicionamento parecido com o do ministro Barroso, entendendo que o aborto deveria ser descriminalizado até o terceiro mês. Nós temos pessoas que defendem essa posição de forma consistente.

 

Qual a dificuldade do Congresso Nacional em debater esse assunto?

Considero que nós estamos vivendo um momento político muito delicado, onde existem muitos interesses. Não é que existe uma dificuldade, é que dos temas polêmicos o nosso Congresso tende a se esquivar. Hoje nós temos bancadas com interesses muito diversos no Congresso Nacional. Existe um Projeto de Lei, que tem que ir para a pauta e tem que ser votado. Mas os interesses precisam convergir para isto e acho que nós temos outros interesses políticos.

 

Com o Congresso fechando os olhos para essa questão, o Supremo pode acabar fazendo o papel dos parlamentares?

Essa é a crítica que se faz à decisão do STF. Na realidade, o Supremo está tomando uma posição que nós chamamos de ativismo judicial, em que diante da omissão do legislador, o Judiciário acaba tomando o papel do legislador. Por outro lado, não dá para dizer que o Congresso não está fazendo nada, porque depois dessa decisão do STF, o presidente da Câmara criou uma comissão para debater o assunto e criar um projeto de emenda constitucional, deixando claro que o aborto é proibido em qualquer momento e acredito que de alguma forma esse tema vai andar no Congresso Nacional. Mas estamos em uma situação jurídica delicada, porque o Supremo acabou por usurpar de uma competência que é do poder Legislativo. Alguns juristas defendem esse ativismo judicial, mas até no meio jurídico esse é um tema controverso.

 

A descriminalização do aborto é um assunto difícil de ser tratado?

Muito. Não estou nem tocando em discussões religiosas e morais. Estou falando de discussão técnica e jurídica. Porque basicamente a discussão do aborto permeia a discussão de quando começa a vida humana que o direito protege. Temos juristas e técnicos que entendem que a vida começa na concepção e, portanto, o aborto não poderia ser descriminalizado e outros que entendem que a vida começa com a formação do tronco cerebral, que se dá a partir do terceiro mês. Essa é uma discussão técnica, mesmo sabendo que os interesses vão para além da técnica.

 

Em um país onde a religião é muito forte, a descriminalização tem chance de passar?

Nós temos pesquisas que indicam que 70% da população brasileira é contra o aborto. Esse é um tema que precisa, antes de ser aprovada uma lei, antes de ser decidido no Supremo, passar por um amplo debate social, porque a ideia do direito é o reflexo da sociedade. Se nós vivemos em uma sociedade que é contra o aborto, em tese a lei deveria estar junto com essa sociedade. Uma outra discussão que se faz, é sobre a autonomia. O Brasil não é um país autonomista. Se formos comparar o Brasil com os Estados Unidos, por exemplo, lá eles primam muito mais pelas liberdades individuais do que nós brasileiros. São discussões que precisam vir à pauta e, mais do que isto, é uma ideia que tem circulado inclusive nas redes sociais. Dizer que alguém é a favor do aborto não quer dizer que toda pessoa que estiver grávida será obrigada a abortar. Nós estamos falando do direito à liberdade, da escolha, de querer ou não o aborto naquela situação específica, com critérios específicos, que é, inclusive, a principal crítica a decisão do Supremo. Porque tudo bem até naquele caso especifico em que foram julgados os profissionais que trabalhavam em uma clínica clandestina que fazia aborto. Ao fazer o julgamento, a discussão era se concedia ou não habeas corpus para libertar essas pessoas, ou impedir que elas sejam presas. O que o Supremo fez foi ir além. Além de mandar soltar, disse que inclusive o aborto tem que ser permitido até o terceiro mês de gravidez. E essa é a principal discussão sobre o Supremo ter legislado, porque não cabe ao STF dizer qual é o limite ou não para que determinada conduta seja lícita ou ilícita em um ordenamento jurídico.

 

Está ocorrendo um choque de poderes?

Nós estamos vivendo um choque de poderes em várias situações. Essa questão do aborto foi só mais uma. Mas essa é uma tendência mundial. Isso não é bônus ou ônus só do Brasil. Nós percebemos o mesmo acontecendo em países com um sistema parecido com o nosso. Nós temos que ver para onde nós vamos caminhar. Acho que essa foi uma decisão errada, mesmo eu sendo a favor do aborto, em um habeas corpus de uma situação específica descriminalizar o aborto no Brasil.

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