Especialistas na área de segurança pública têm debatido como conter a violência crescente no país. As ideias são muitas, mas de nada têm adiantado, porque a discussão fica limitada aos estudiosos. Faltam políticas públicas e ações coordenadas para reverter o quadro de descontrole que assusta, não só os brasileiros, como os estrangeiros que chegam ao país. Para o sociólogo Luís Flávio Sapori (foto), sem um plano nacional de controle da violência e uma legislação adequada, os crimes vão continuar crescendo. Os municípios têm buscado alternativas, como com a criação das guardas municipais, mas as medidas não são suficientes.
O Brasil perdeu o controle da violência?
O Brasil já não tem o controle da violência há muito tempo. Eu diria que nas últimas duas ou três décadas a situação se deteriorou num ritmo tal que o poder público, tanto os governos estaduais, quanto o federal, não conseguiram dar uma resposta satisfatória para o problema. No governo Dilma Rousseff a omissão é ainda maior. Eu diria que a presidente da República ainda não se convenceu de que a violência é um problema gravíssimo no Brasil. Ela não conseguiu até o momento se convencer de que o governo dela precisa elaborar e implementar um plano nacional de controle da violência.
A sensação de insegurança é cada vez maior e os municípios estão assumindo parte dessa responsabilidade com as guardas municipais. Essa é uma tendência, a do município assumir, suprindo ausência dos outros níveis de Poder?
É um fenômeno nacional. As Guardas Municipais, desde 2014, com a Lei 13022, que é o Estatuto das Guardas Municipais, passaram a ter atribuições de controle, de prevenção da violência, de patrulhamento ostensivo nas cidades. Elas, por lei, podem fazer isto. Elas não cuidam apenas do patrimônio municipal, dos prédios e praças. Elas podem fazer policiamento ostensivo. É uma mudança recente, que está fortalecendo, inclusive, o crescente uso da arma de fogo pelas guardas municipais, e essa também é uma tendência nacional. Elas passarão, com o tempo, a se constituir em força, de alguma maneira, complementar das Policias Militares. Esse é um upgrade importante e necessário, mas por si só não será capaz de conter a violência, porque os nossos desafios são mais complexos. Envolvem um alto grau de impunidade na segurança pública.
A lei penal é um entrave?
A sociedade como um todo, padece por uma legislação penal relativamente branda para os crimes violentos. O processo penal é muito moroso e, de alguma maneira, dificulta a agilidade das instâncias judiciais processarem e julgarem os crimes com rapidez. De outro lado temos um sistema policial muito ineficiente, com polícias civil e militar brigando ente si o tempo inteiro. Mais brigando por interesses corporativos do que colaborando na contenção do crime. Para agravar, temos um sistema prisional superlotado, e com uma incapacidade de atendimento mínimo do cumprimento da lei de execução penal. Esse conjunto de fatores, infelizmente, acaba conformando um elevado grau de impunidade no Brasil e isto explica porque os homicídios, os roubos e os assaltos estão se disseminando país afora.
A população sofre também com o desemprego, que está aumentando. O desemprego pode causar o aumento da violência?
Não tanto como se imagina. A situação está piorando mesmo quando o desemprego está em baixa. Nos últimos 10 anos a situação econômica do Brasil foi das melhores, principalmente até 2013. O desemprego atingiu os patamares mais baixos da história recente do Brasil e ainda assim, os homicídios e os roubos continuaram crescendo. Em Minas Gerais, por exemplo, foi um período de descontrole total dessa violência, principalmente a partir de 2010. O desemprego pode afetar ao longo do tempo. O indivíduo que está desempregado não vai pegar uma arma e sair pela rua para matar. O desemprego afeta ao longo do tempo, a medida em que ele se consolida em algumas regiões da cidade, ao mesmo tempo em que se cria a sensação de falta de oportunidade para os jovens, isso facilitaria a entrada desses adolescentes no tráfico de drogas. O desemprego ao longo do tempo, acaba sendo um fator criminógeno, mas não é de curto prazo.
Qual seria a alternativa para resolver esse problema, ou não tem solução?
É claramente possível. Alguns estados brasileiros estão fazendo o dever de casa relativamente bem. São Paulo hoje atingiu um patamar de homicídios que é referencial no Brasil. Apesar de não ter conseguido o mesmo em relação aos roubos. O governo do Ceará começa a ter um plano consistente de ação. O que precisa acontecer, em um primeiro momento, de curto prazo, é os governos estaduais e o governo federal elaborarem suas políticas, seus planos de segurança pública, com investimento, com planejamento, com ações técnicas, com ações de curto e médio prazo, envolvendo as integrações das polícias, a melhoria no sistema prisional, a maior capacidade de investigação de homicídios e de roubos, aumentar o aprisionamento desse tipo de criminoso contumaz a curto prazo, para reduzir essa violência. Você tem que reduzir essa impunidade e quem tem que capitanear isso é o governo federal. É fundamental que o governo Dilma elabore, divulgue e implemente um plano nacional de controle da violência. O governo federal é que pode induzir uma articulação dos estados e até dos municípios. Se não houver essa coordenação, essa proatividade do governo federal, com ações concretas, objetivas e com recursos, nada vai mudar. É aí que você tem que tomar as iniciativas, é aí onde tudo começa. Por enquanto, infelizmente, o governo Dilma continua absolutamente omisso nessa questão.