Logo
Blog do PCO

O outro lado da terceirização

A aprovação do projeto que trata da terceirização na Câmara Federal despertou o interesse de empresários e trabalhadores e vem estimulando o debate em todo o país. O fato é que empresas e governos vêm utilizando dessa forma de contratação, que é estimulada desde o regime militar, segundo a professora de Direito do Trabalho da UFMG, Daniela Muradas (foto). A terceirização começou na administração pública pelas mãos do ex-presidente Collor e a Petrobras, por exemplo, já chegou a ter 80% da sua mão de obra terceirizada. Com as alterações aprovadas na Câmara, o assunto ganha novos contornos.

 

Pela proposta aprovada na Câmara Federal o que muda para o trabalhador?

A mudança que foi gerada alargou o prazo de contratação, as hipóteses de contratação e a forma que se permite contratar no mercado de trabalho. O perigo que se vê é a substituição do vínculo de emprego tradicional por um vínculo formalmente estabelecido com outra empresa ou com a pessoa jurídica, que passa a figurar como prestadora de serviços.

 

Seria a pejotização?
Exatamente. Isso é um tiro no pé. As pesquisas internacionais, inclusive o relatório da Organização Internacional do Trabalho de 2008, apontam que esse tipo de medida, que nós chamamos de produção flexível, ou mercado de trabalho com reestruturação produtiva, concorre para a substituição de empregos formais robustos, por trabalhos precários, situações de informalidade. Trabalhadores que sob o PJ, ou com a roupagem de PJ, figuram como formalmente contratantes, sendo que o que se tem em vista é o trabalho humano por traz daquela pessoa jurídica. Isso pode gerar desde contratações em massa de trabalhadores por grandes empresas, que são simples intermediadoras de mão de obra, como pode gerar a contratação absolutamente precária, deixando o trabalhador vulnerável. Ele vira PJ para ser inserido na empresa tomadora de serviço. Esse é um problema maior e mais complexo do que o superficial e equivocado debate que eu assisti nos dois dias de rápido processamento desse projeto de lei, que foi aprovado numa disputa política. Não houve nem tentativa de diálogo social.

 

O que se alega é que vários órgãos, inclusive os governos estaduais e o governo federal, já contratam trabalhadores terceirizados. A terceirização já não é uma prática comum?

É uma prática comum e que permite muita corrupção. A terceirização no setor público é a porta de entrada da corrupção, porque os valores são vultosos, são contratos expressivos e são chamativos para a prática da corrupção. Quando se tem um vínculo direto, ele se dá pelo concurso público, as pessoas entram por mérito e o Estado não tem intermediários, ninguém para lucrar ou surrupiar o direito de ninguém. Desde 1967, desde o regime militar, que se estimula a terceirização no setor público. Na verdade, o primeiro contrato de terceirização no país foi no setor público, no final dos anos de 1980 e início de 1990, no governo Collor. No contexto histórico, depois que se terceiriza o contrato de trabalho, se tem uma redução do número de trabalhadores com as empresas e são criados empregos precários. No setor público, essa terceirização que existe, dá um tratamento diferenciado para trabalhadores que executam, às vezes, atividades muito semelhantes. Além disso, a terceirização propicia o nepotismo. E ao contrário do que se diz, impacta negativamente o número de empregos formais. Nós teremos mais empregos precários e a massa salarial vai cair. Nós estamos diante de uma situação clara de crise real e com uma tendência de maior informalidade. É um cenário assustador.

 

Os sindicatos serão afetados?

Segundo a OIT, no relatório de 2008, esse tipo de reestruturação produtiva, que estimula a formação de PJs e essa forma de contratação de prestação de serviços, impacta no direito do trabalhador se filiar a um sindicato. Se ele é um PJ o trabalhador deixa de ser empregado e passa a ser um trabalhador autônomo, quando não é tratado como empregador. Esse capitalismo fragmentado em cadeias produtivas tem capacidade de manipular as posições na topografia social. O sujeito não sabe se é trabalhador ou se é empregador. Há casos de terceirizados contratarem, inclusive crianças no processo de produção, todos ganhando uma miséria, como no caso da empresária contratada para colar brinquedos, que para dar conta da produção subcontrata até crianças e adolescentes. A terceirização estimula a fraude na contratação da pessoa jurídica.

 

A terceirização pode atingir também a Previdência?

A terceirização é um assalto ao erário público. Ela tem índices setoriais de acidentalidade alarmantes. Os setores mais terceirizados são os de risco e não é por acaso. A terceirização é uma forma de transferência de responsabilidade e por isso as atividades de risco tendem a ser transferidas, seguradas para o exercício da atividade econômica. Isso acontece no setor eletricitário, petrolífero, construção civil, por exemplo. O índice de terceirização nesses setores é alarmante. A Petrobras já chegou a ter 80% da sua mão de obra terceirizada. Foi a partir de um parecer do TCU que a empresa começou a primarizar parte das atividades essenciais. Esses 80% foram contratados sem concurso público, por indicação dos partidos políticos, negociando cargo a cargo, posição por posição. A terceirização é um assalto ao espírito republicano. Além disso, os trabalhadores se acidentam demais, principalmente no setor petrolífero, 550% maior se comparar os concursados e os terceirizados. O terceirizado é descartável, a rotatividade no trabalho é grande. E como ele é descartável, não há treinamento adequado sobre acidente no trabalho. As normas de proteção, saúde e segurança se aplicam a ele de forma superficial. Esse trabalhador acaba se acidentando mais, inclusive com morte. Esses trabalhadores pressionam o Sistema Único de Saúde, pressiona o orçamento da Previdência com auxílio doença, pensão por morte e aposentadoria por invalidez. Como a rotatividade é grande, esses trabalhadores pressionam também o Seguro Desemprego. Embora vinculado ao Ministério do Trabalho, as receitas são vinculadas a Previdência Social. É uma contradição. Nós estamos só agravando a situação na Previdência Social.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *