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Para Mailson o mais urgente é a reforma tributária

A economia brasileira já dá sinais de recuperação, mas ainda precisa de muitas mudanças para conseguir retomar o seu rumo. Para o ex-ministro Maílson da Nóbrega (foto), que comandou a economia no governo José Sarney, no período da hiperinflação, é preciso fazer uma reforma tributária urgente, mas ele não acredita que o presidente Michel Temer consiga fazê-la. O país ainda vive momentos de instabilidade política que pode até mesmo jogar por terra todos os esforços para sair da crise. Mas uma coisa é certa: é preciso acabar com a bagunça que virou o sistema tributário brasileiro e o ideal, segundo Maílson, seria jogar o Simples fora, porque ele é o caminho para a mediocridade.

 

O governo Temer tem condições de fazer a reforma tributária?

Não. Uma reforma digna desse nome não tem a menor chance de acontecer nesse período de governo, que é de transição. O presidente tem uma grande capacidade de articulação, mas tem um baixo capital político. Os estados estão em crise e não é possível se fazer uma reforma tributária sem uma reformulação ampla da tributação do consumo no Brasil. O ideal seria jogar fora toda essa tributação criada em 1965, o ICMS, o ISS, acabar com o IPI, acabar com o Simples, e voltar a um sistema tributário racional, sempre compatível com a realidade do sistema produtivo mundial, que implica negociações difíceis com deputados, governadores e até prefeitos, com o desaparecimento do ISS. O Brasil é o único país do mundo em que a tributação se dá nas três esferas de poder, com tributos disfuncionais, um deles em cascata, que é o ISS. Na medida em que a economia avança, é cada vez maior o conflito entre os estados e os municípios. Porque existe uma zona cinzenta entre ICMS e ISS. O ICMS virou uma bagunça. Não existe empresa que opere em mais de um estado, que não tenha problema com autuações, advogados, perícias, sendo que em alguns casos os fiscais denunciam ao Ministério Público os dirigentes das empresas, por possíveis crimes tributários. É um caos isso.

 

Alguns empresários estão evitando ir para outros estados devido as diferenças fiscais. Corre-se o risco de se formar pequenas ilhas de desenvolvimento no país?

Aí seria pior. Está provado que o melhor método de tributação do mundo em relação ao consumo, é esse do método do ICMS e do IPI sobre o valor agregado, que permite a desoneração total nas exportações e evita os efeitos em cascata que distorcem a eficiência, não permitem ganhos de produtividade e daí por diante. As dificuldades são tão gigantescas, que a tendência das pessoas é procurar uma solução local, simples. O Super Simples é uma saída porque o caos é tão grande, que uma pequena empresa não consegue cumprir com suas obrigações fiscais. Mas nós não podemos ter o Simples como o modelo do próximo sistema tributário brasileiro, como alguns estão querendo, porque as pessoas estão confundindo simplicidade com eficiência. Não é a mesma coisa. Costumo dizer que um Boing 747 tem 40 milhões de peças. Um barco deve ter umas cem. Eu acho que ninguém renuncia ao Boing para atravessar o oceano de barco. Os sistemas tributários são cada vez mais complexos, mas a complexidade tem uma compensação na eficiência. A tributação sobre o valor agregado é mais eficiente para aumentar a competitividade, permitindo a exoneração das exportações. O grande objetivo do país será, de um lado, encontrar uma saída para conviver com o caos. O Simples é uma opção para conviver com o caos, mas não para permanecer. O Simples tem vários defeitos, inclusive o efeito Popeye, que é querer ser pequenininha, porque se crescer vai pagar imposto como as outras. Nós temos na experiência mundial, que se a economia é formada só de pequenas empresas, ela é de baixa produtividade. É preciso a convivência dos dois lados: ser grande, ter capacidade de investir e ganhar eficiência e produtividade e a pequena, que às vezes, é o início de um processo de inovação. O Simples é a caminhada para a mediocridade. Temos que caminhar para um sistema que seja tão bom, que possamos dispensar o Simples.

 

Qual seria o modelo ideal?

O ideal seria jogar fora o sistema tributário brasileiro e acabar com o Simples. Nós precisamos de um sistema tributário decente, compatível com a nova realidade mundial, que é a das cadeias globais de valor, em que as economias são cada vez mais integradas. Para isto é preciso um sistema tributário que não prejudique a competitividade, permita a desoneração total nas exportações e reduza os custos de transação que estão associadas a essa maluquice tributária, o manicômio que o Brasil tem hoje. Se isso vai sair? É muito difícil dizer, porque tem muitas forças contrárias a esse ideal, a começar pelos estados. Um sistema ideal tem que acabar com o ICMS. O Brasil e a China eram os únicos casos do mundo de países que adotam o sistema de tributação do consumo pelo valor agregado, em que a arrecadação básica é nos estados. A Índia está saindo disso e aprovou uma reforma tributária muito complexa e ingressa no mundo racional do IVA nacional, distribuído automática e compulsoriamente entre os entes federados. O Brasil vai ficar sozinho no mundo como o único país que tem 20 legislações diferentes de um tributo importante como é o sobre o consumo. Um levantamento recente mostrou que o ICMS muda, semanalmente, 70 vezes no país. Isso é impossível gerenciar. O custo que o ICMS traz para a economia é o fato de ser a principal fonte de ineficiência do Brasil. Se o Brasil quer se integrar a essa nova realidade trazida pela evolução dos transportes, a revolução digital, das comunicações, o Brasil tem que se integrar rapidamente, porque senão, não vai crescer. O Brasil tem que se livrar do atraso que é o sistema tributário brasileiro. Outra coisa obsoleta é a legislação trabalhista, que é única no mundo.

 

As medidas tomadas no governo Temer para corrigir os rumos da economia estão no caminho certo?

Nós estamos saindo da recessão, mas não há nenhuma poção mágica para que faça renascer rapidamente a atividade econômica como nós gostaríamos. Mas o rumo está certo, o governo escolheu a prioridade correta, que é a de atacar a questão fiscal para nos livrar da pior herança deixada pela administração passada, que é o risco de insolvência fiscal. O risco do país se ver engolfado numa crise fiscal sem precedentes, que levaria um a gigantesco calote pelo Tesouro em relação aos seus credores, tanto os nacionais (bancos, pessoas físicas e jurídicas) e parte do endividamento público já está nas mãos de estrangeiros. Os sinais dessa retomada são cada vez mais favoráveis: a inflação está caindo mais rapidamente do que se imaginava e essa é uma consequência direta da maior retração da atividade econômica e do desemprego. Em segundo lugar, a taxa de juros, porque a desinflação sendo mais forte permite ao Banco Central muita tranquilidade continuar com a redução da taxa Selic. Se o Banco Central quisesse ser ousado, poderia baixar até 1% na próxima reunião. Eu não acho que o BC vá fazer isso, a tendência é a de continuar com quedas de mais 3 ou 4% tendo 0,75% como base, sinalizando que por volta de outubro e novembro, a Selic estará em 9 ou 9,5%. Isso terá implicações muito positivas, não só porque anima o ambiente, como permite a retomada do crédito por parte dos bancos e provavelmente os consumidores vão voltar a tomar crédito. A taxa de juros mais baixa favorece a renegociação de dívidas. Tem muitas empresas fortemente endividadas e com dificuldades para pagar suas dívidas e em terceiro lugar, vem a safra agrícola. O Brasil deve ter a maior safra da sua história. A safra agrícola movimenta muitas coisas como a parte de beneficiamento, industrialização, transporte, comercialização. O agronegócio representa ¼ da economia nacional. Tudo isto vai ajudar o Brasil a sair de uma queda em 2016, na ordem de 3,5%, para um crescimento de 0,5 a 0,7%, saindo de uma recessão muito severa para algum tipo de crescimento. Se as reformas continuarem, como tudo indica que vá acontecer, volta gradualmente a economia a se recuperar. No terceiro trimestre teremos a volta do emprego. Até lá ainda teremos notícias negativas, podendo chegar a 13 milhões ou mais de desempregados. Esta é a face mais negativa deste processo, mas também vamos começar a sair dela.

 

Politicamente há um ambiente saudável?

Não mencionei aqui os riscos que podem minar essa expectativa positiva. Tem o risco internacional evidente, que é a nova administração americana. O mundo está assistindo perplexo a um presidente imprevisível, narcisista, protecionista, nacionalista, típico do que se imaginava apenas na América Latina e isso gera um risco mundial muito grande, também para o Brasil. Se ele levar adiante a guerra que promete contra a China, isso vai criar uma situação muito grave. A expectativa é a de que ele seja contido nesse ímpeto de fazer estragos na economia americana e na economia mundial. Obviamente o Brasil seria afetado. No front doméstico, nós temos riscos muito importantes a levar em conta. Primeiro, é o risco da Lava Jato. A Constituição não permite a investigação e o indiciamento de um presidente por atos praticados antes do cargo, mas isso pode enfraquecer o presidente Temer, na medida em que as denúncias da Lava Jato atingirem seu círculo mais íntimo de auxiliares, dificultando o andamento das reformas. Mesmo assim, eu acho que a reforma da Previdência tem todas as condições de passar. Não da forma em que ela está, mas acredito que pelo menos a idade mínima de 65 anos tende a passar. Uma das características desse governo é a sua capacidade de articulação e de mobilização de uma base parlamentar ampla. E le já demonstrou isso em várias situações, como na aprovação das mudanças no ensino médio. A reforma trabalhista deve andar, o governo promete uma reforma tributária e provavelmente não vai ter condições de fazê-la e vai procurar remendos, uma simplificação, mas não uma reforma tributária. E tem a crise nos estados, que é um risco para a economia nacional. É uma crise muito grave, provavelmente uma das piores é a do estado do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Em Minas com menor gravidade, mas a situação também é muito séria. Eu temo que o agravamento dessa crise possa exigir um aporte de recursos do Tesouro Nacional, o que vai dificultar o cumprimento da meta fiscal ou compensar o gasto adicional com uma queda dos investimentos. Isso pode dificultar a recuperação da economia e influenciar negativamente a expectativa. Espero que o pior não aconteça, mas certamente, o quadro de recuperação está sujeito a não materialização por causa desses riscos.

 

Os empresários vão investir nesse ambiente?

Não. Aliás, em nenhuma recessão a saída dela se dá por investimentos privados, menos ainda em uma recessão dessa magnitude. Essa é a pior recessão em mais de cem anos no Brasil. Como alguém diria, nunca antes na história desse país tivemos uma recessão dessa magnitude. Em uma situação como esta, os empresários tendem a ocupar a sua capacidade ociosa. Se ele tem como produzir sem investimentos, ele vai usar da sua capacidade ociosa e vai usar mais hora extra e o emprego temporário. O investimento só vem quando duas condições são preenchidas: com a ocupação da capacidade ociosa e a existência de um resíduo de demanda e na confiança, na convicção que a recuperação não é um episódio, que ela vai permanecer. E isso dificilmente vai acontecer antes de 2018, 2019. Um nível de recuperação com investimentos vai depender das eleições de 2018 e de quem vamos eleger.

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