Os brasileiros passaram a conviver, no último ano, com informações que normalmente não tem muito destaque na mídia, como é o caso do relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a prestação de contas da presidente Dilma, do exercício de 2014. Todos os anos o TCU analisa os gastos do governo. Mas desta vez o assunto ganhou destaque devido ao montante usado pelo governo, sem autorização do Congresso Nacional. Foram 106 bilhões de reais do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, usados em programas sociais do governo federal em 2014, um ano eleitoral. A prática foi chamada de pedalada fiscal e se tornou uma arma da oposição para pedir o impeachment da presidente Dilma. O ex-presidente do TCU, hoje aposentado, Humberto Souto (foto), acompanhou de perto a sessão que reprovou as contas da presidente Dilma e comenta, nesta entrevista, fala quais os reflexos dessa decisão, que para ele, são imprevisíveis.
O sr já tinha ouvido falar de uma situação como esta?
Nós tivemos dois casos. Um foi na época do Getúlio Vargas e o outro há pelo menos 80 anos. Naquela época o relator do processo foi aposentado pelo Getúlio Vargas. Estávamos, então, na ditadura varguista. Esse foi um fato histórico. Mas eu acho que o Tribunal não tem a função de rejeitar as contas. Ele tem a função de dar um parecer técnico elaborado para orientar os deputados e senadores. A análise é feita por uma equipe de 30 funcionários altamente qualificado, especializados, com independência, concursados. O Tribunal de Contas tem uma característica diferente dos outros tribunais. Lá os auditores assinam e se responsabilizam pelo parecer. É um trabalho muito técnico, muito fundamentado. Mas o Congresso Nacional não é obrigado a seguir a orientação.
É uma análise técnica para informar os parlamentares?
Com direito de defesa, com tudo. Cabe agora ao Congresso Nacional decidir se aceita ou não. Mas esse é um sinalizador político muito grave para a nação, e ganhou uma repercussão muito grande. Essa decisão do Tribunal passa a ser uma decisão de contas mesmo, dada a repercussão que ganhou. O problema é gravíssimo.
O governo tentou mostrar que as pedaladas fiscais eram corriqueiras, que todos os governos faziam isso?
Não é normal. As pedaladas fiscais foram gastos sem autorização orçamentária ou seja, sem constar no orçamento. Como é que ela fez isso? Mandou a Caixa, o BNDES e o Banco do Brasil pagar despesas do governo e programas sociais, que tem repercussão política. É uma transgressão, uma agressão à Lei de Responsabilidade Fiscal, que traz responsabilidade política para a presidente Dilma.
Daqui para frente, o que o sr acha que pode acontecer?
As consequências políticas serão graves. O impeachment é um ato político. Se a maioria dos deputados entender que ela não pode mais ser presidente, ela pode ser tirada, independentemente de qualquer coisa. Se você tem uma razão para isso, cria-se uma fermentação política no povo. Ela vai ter mais dificuldade para comandar. Aliás, já está tendo dificuldades. As consequências serão imprevisíveis.