O governo federal ainda conta com a possibilidade de votar a Reforma da Previdência em meio ao turbilhão político, com o argumento de que em pouco tempo não terá como pagar as aposentadorias. Pelas contas do governo, em 2016, a despesa previdenciária correspondeu a 13,8% do PIB. Com as regras atuais, em poucos anos, o gasto previdenciário brasileiro terá algo entre 18% e 20% do PIB. O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, Rogério Costanzi, que colaborou na elaboração do projeto, hoje ajuda na sua divulgação, explicando os pontos mais polêmicos e reclama dos que “distorcem” os dados da Previdência.
A reforma da Previdência teve muitas distorções e corre o risco de não ser aprovada no Congresso Nacional. O que pode acontecer se ela não for aprovada?
A Reforma é necessária e urgente e quanto mais nós postergarmos a sua realização , significa que, logo-logo, mais a frente teremos que tomar medidas mais bruscas. Hoje, é possível fazer uma reforma que respeite os direitos adquiridos, e isso me parece fundamental, mas se você olhar para países que tiveram crises muito graves como a Grécia e Portugal, a crise foi tão séria, a ponto de desrespeitar direitos adquiridos. Então, o que tento falar é que nós podemos fazer uma reforma agora, respeitando todos os direitos adquiridos, ou teremos que fazer uma reforma mais brusca no futuro.
Do jeito que a situação política está agora, é possível recompor a base para apoiar a reforma?
O Congresso tem que entender que é uma necessidade imperativa fazer a reforma da Previdência. O interesse do pais tem que ficar acima das instabilidades políticas.
O senhor comentou que alguns pontos da reforma já vêm sendo aplicados desde 1960. Por que essas questões não estão claras para os brasileiros?
Na realidade, a idade mínima de 65 anos para homens e de 60 anos para a mulher é uma regra que existe desde a regra orgânica de Previdência Social de 1960. O problema todo é que essa idade mínima de 65 e 60 anos, que já existe desde 1960, não se aplica a todos os trabalhadores, mas apenas àqueles que conseguem completar 35 ou 30 anos de contribuição e se aposentam com 50 anos. O que eu tenho colocado é a idade mínima, que já existe para os trabalhadores mais pobres, também seja aplicada para aqueles de maior renda. Os servidores públicos, passaram a ter uma idade mínima mais baixa de 60 e 55, mas eu entendo que também nestes casos seja necessário que essa idade suba para 65 anos.
Foram feitas várias reformas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, passando pelos governos de Lula e Dilma. Porque essas mudanças não foram suficientes?
Primeiro a reforma de 1998 até que foi bastante ampla, a de 2003 foi muito mais focada nos servidores públicos e a de 2012 e 2013 tem um longo período de transição. É claro que foram reformas importantes, o Brasil estaria em uma situação pior se não fossem feitas, mas não eram tão amplas como a proposta pelo governo atual. Além do mais, ao longo desse caminho, ocorreram algumas contra-reformas também, que é o caso da regra 85/95, que significa, na verdade, que uma pessoa postergando em um ano a sua aposentadoria terá um benefício de 50%. Isto claramente piora muito a situação previdenciária e piora a distribuição de renda. Esse é outro ponto, e infelizmente, tivemos algumas contra-reformas ao longo desse processo.
Muitas categorias têm privilégios, com aposentadorias muito acima do que os trabalhadores da iniciativa privada. É impossível acabar com esses privilégios?
A reforma atual daria um prazo de dois anos para que todos os regimes de Previdência dos servidores públicos implementassem a Previdência complementar, de forma que os novos servidores pudessem ter o mesmo teto do INSS. Essa é uma reforma extremamente importante e promoveria a equidade entre os trabalhadores do setor público e o privado, melhoraria a distribuição de renda e ainda melhoraria a situação fiscal da Previdência. É importante atacar esse ponto. Para dar um exemplo, o governo federal implementou em 2012 e 2013, mas só para os novos servidores, mas tem-se uma situação de que a aposentadoria média no Judiciário, Legislativo e Governo Federal era de 28 mil reais, enquanto as pessoas no INSS ganham em média pouco mais de mil reais. Isso precisa ser atacado e está sendo atacado pela proposta em discussão no Congresso.
Qual o peso desses privilégios na Previdência?
Tem um estudo, a Pesquisa de Amostra de Domicílio do IBGE, mostra que os 3% de aposentadorias que estão acima do teto do INSS respondem por 20% da renda total de aposentadoria no país. É uma concentração de renda muito grande e isso explica porque a gente gasta 3% da Previdência e não melhora a distribuição de renda no país. Atacando essa questão de ter o mesmo teto para o servidor público e INSS, nós controlamos a despesa e melhoramos a distribuição de renda.
Muita gente diz que o governo passa dados equivocados e que não existe esse rombo na Previdência. Quem está com a razão?
Normalmente quem faz essas acusações é que passa os dados distorcidos. Só para dar um exemplo, existe uma instituição e alguns professores universitários dizendo que não existe déficit e sim superávit na Seguridade Social. Uma das distorções, são várias, tiram da conta o regime de previdência dos servidores públicos, por isso que dá o resultado de superávit. Não só a Previdência tem déficit, como a seguridade social, que é previdência, assistência e saúde, já vem com déficit desde 2008.
O senhor ajudou na formulação do projeto de Reforma da Previdência. Que pontos o senhor considera que não deveriam ter sido cortados?
Eu tenho mais ajudado na divulgação do projeto, o mérito todo é do Ministério da Fazenda, da Secretaria de Previdência. Há uma guerra de informação muito dura.
O governo comunica mal essa reforma?
Na verdade eu diria que tem muitos grupos que soltam mentiras, distorções e mitos e infelizmente, existem mitos que estão aí há muito tempo, como o superávit da Seguridade Social, e não é fácil desmontar esses mitos e mostrar que são mentiras.
Quem paga essa conta, é o trabalhador mais pobre?
Esse é um ponto importante. Quanto maior o déficit, eu tenho que tirar receitas da seguridade social de outras contribuições e tem dois efeitos perversos. Eu reduzo os recursos disponíveis para a saúde e educação. O segundo ponto é que eu passo a fazer o financiamento da Previdência com caráter geral, que serão pagas de forma proporcional mais pesada para os mais pobres. O financiamento fica cada vez mais agressivo. Esses dois efeitos em conjunto realmente funcionam como um Robin Hood às avessas.
Por que os militares ficaram de fora da Reforma da Previdência?
Só os militares ficaram de fora. Até os próprios políticos passariam a ser regidos pela mesma regra do INSS, depois de um período de transição. No caso dos militares, o governo se comprometeu a fazer outra reforma, que não precisa ser feita por emenda constitucional. Ela pode ser feita de forma infraconstitucional por lei. Nesse primeiro momento o que foi atacado foram as mudanças que precisavam ser feitas pela Constituição.