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Roberto Brant: Os desafios do novo governo

As expectativas em relação ao novo governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva são grandes. Metade do eleitorado está atenta às propostas que passam a valer a partir do dia primeiro de janeiro e a outra metade não pretende aceitar erros. O país está dividido e a primeira tarefa de Lula será justamente a de pacificar os ânimos, segundo o ex-ministro no governo FHC, Roberto Brant (foto). Mas esse não é o único problema. O empobrecimento da população, potencializado pela pandemia da Covid e a guerra entre Rússia e Ucrânia é outro desafio.

Os bolsonaristas têm dificuldades em aceitar o resultado das urnas. Isso é um problema?

Isso é antidemocrático porque em o que consiste a democracia? Na provisoriedade dos mandatos. Eles são efêmeros, só duram quatro anos, quer dizer, você perde agora e ganha lá na frente. Em 2018 ganhou o Bolsonaro. Agora ganhou o Lula. Em 2026 será outro. As pessoas não podem considerar que uma eleição é uma questão de vida ou morte senão, não é uma democracia. Essas pessoas, no fundo, aspiram um regime de exceção, onde os governos se estendem indefinidamente. A insatisfação é pela própria natureza da democracia, que é alternância de poder. Ela é essencial. Se não há alternância de poder, não é democracia. Em Cuba, na Venezuela, na Rússia não há democracia. Os governantes se eternizam, mesmo que hoje tenha o expediente do voto. Mas é tudo uma fraude. Aqui não. Aqui é uma eleição efetiva. Em 2014 ganhou a Dilma, em 2018 Bolsonaro, em 2022 ganhou Lula, em 2026 será outro. As pessoas têm que se acostumar com essa realidade. É triste dizer, mas tem gente que não gosta da democracia. A eleição acontece desde a redemocratização do país. Não é novidade. Na primeira eleição da democratização ganhou Collor, contra todo mundo. Estavam lá o Lula, Brizola, Ulysses Guimarães, estavam o Aureliano Chaves, o Mário Covas. Todas as correntes políticas do país se apresentaram para eleição e todas perderam para um antipolítico. Deu no que deu. Depois disso, Fernando Henrique Cardoso ganhou duas eleições, Lula ganhou duas, a Dilma ganhou duas. É a vida.

O que tem de concreto é que a economia do país passou por problemas muito sérios com a pandemia, com a guerra e com isto 2023 será um ano difícil?

Não será fácil, independente de quem seja o presidente. Quem exercer o mandato a partir de janeiro, terá que enfrentar uma economia mais problemática. Mas a nossa economia vem sendo problemática há muito tempo. Há muito tempo que nosso crescimento é muito pequeno, muito inconsistente. A renda per capita do Brasil esse ano, de 2022, é menor do que a de 2013. Enquanto todos os países do mundo, de uma maneira ou de outra, estão conseguindo fazer crescer a renda por habitante, nós estamos perdendo. Essa é uma coisa que já vem de antes, inclusive, desde 1980 que o Brasil cresce mediocremente. Mas de 2013 para cá foi uma tragédia. Esse ano foi um ano eleitoral, quando sempre há muito mais gasto público. Foram criados vários auxílios de emergência, que mantiveram a economia mais ou menos flutuando, boiando na superfície. Mas na hora da verdade, isso se agrava. Iria agravar para Bolsonaro, vai agravar para o Lula. Será um ano difícil. O governo vai ter grande parte da população inconformada com a sua vitória e vai ter uma economia pouco dinâmica.

O processo de desindustrialização, do enfraquecimento da indústria nacional foi um erro?

Não é que foi um erro. Foi um fato da vida. O PT esteve no poder por 13 anos. O Fernando Henrique esteve por oito. Foi um processo. O Brasil foi perdendo competitividade. O resto do mundo cresceu mais que o Brasil. O Brasil é uma economia atrasada sob certos pontos. O Lula tem uma proposta de industrialização que é uma coisa singela de se fazer. A velha indústria não vai renascer nem aqui nem em nenhum lugar do mundo. A perda de importância da indústria existe no mundo inteiro, não é só no Brasil. A indústria agora é baseada na inovação, na invenção, na alta tecnologia e nós ficamos para trás. Até a própria guerra está criando oportunidades novas para países como o Brasil, porque nos últimos 20 anos, por razões de custos de produção mais baratos, a grande indústria dos Estados Unidos e da Europa se valiam muito da produção de componentes das economias asiáticas e da China, porque o custo era muito baixo. O iPhone, por exemplo, é quase todo construído na Ásia, em Taiwan, na China. Só a inteligência dele é que é feita nos Estados Unidos.

Isso tende a mudar?

Agora, com a guerra da Ucrânia e também com os conflitos dos Estados Unidos com a China, o pessoal está revendo essa noção de cadeias muito internacionais de produção e vai querer que essas cadeias se voltem para ambientes econômicos e políticos menos hostis e mais previsíveis. O Brasil entra nisso com a troca da produção chinesa pela brasileira, ou pela argentina, ou colombiana, que são países que estão mais próximos e que têm riscos geopolíticos muito menores. Para isso, o Brasil vai ter que se adaptar, de investir mais em infraestrutura enfim, é preciso a presença do Estado para liderar esse processo. O governo do Bolsonaro, na parte econômica, é comandado por um liberal extremado, que é o Paulo Guedes. A ideia dele é diminuir cada vez mais a presença do Estado e neste estágio de transição de um tipo de indústria para outra, a presença do Estado é importante não como um empresário, mas como incentivador, como um apoiador, como alguém que põe um objetivo na frente e chama os empreendedores privados para prosseguir ali, naquele caminho que vai ter proteção. Para isso é preciso ter uma vontade clara e uma política clara. Com Bolsonaro nós não teríamos isso, porque ia prevalecer o estatuto liberal, de se ter cada vez menos Estado. No mundo inteiro está mudando o regime para mais Estado. Na Europa, Estados Unidos, estão gastando o mundo para manter a economia crescendo e nós ficamos repetindo as velhas teorias econômicas desses países, mas com atraso. Eles abandonaram essas ideais há muito tempo e nós só agora estamos chegando nelas. Nesse ponto, a chegada do Lula vai dar um ânimo diferente, mais positivo.

Qual será o principal desafio do governo Lula?

O principal desafio do governo Lula é construir, é pacificar o país. Ninguém governa metade do país, com metade do apoio. Os perdedores nunca tiveram muita força depois que os governos vencedores tomaram posse. Ele pode pacificar com palavras e pode pacificar com gestos, principalmente se ele tiver êxito em construir fundamentos para uma verdade de fazer recuperação econômica, porque aí o sucesso vai falar mais alto. O primeiro desafio é esse, o de desarmar os espíritos e pacificar o país. É preciso ter muita grandeza, muita humildade para fazer isso. (foto/reprodução internet)

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