Desde que o presidente interino Michel Temer resolveu extinguir o Ministério da Cultura, que dias depois foi recriado, o assunto passou a ganhar destaque em todos os espaços de discussão. Os questionamentos vão desde ao financiamento milionário de artistas consagrados à própria função do Ministério. O secretário de Cultura, Ângelo Oswaldo (foto), sai em defesa da Lei Rouanet, criada no governo Collor e afirma que existem muitos equívocos em relação a ela, mas entende que é preciso aprimorá-la.
A cultura está no foco da discussão desde que o presidente interino, Michel Temer, extinguiu e recriou o Ministério da Cultura. Algumas questões acabaram surgindo. Esse é o momento de fazer as alterações em projetos desenvolvidos nesta área pelo governo federal?
Cultura é um campo sempre efervescente, e agora mais ainda com essas perspectivas variadas que trazem inquietação na busca dos caminhos para o projeto cultural do país. Ninguém vive sem cultura. A cultura é que identifica o cidadão, que qualifica a vida social e baliza caminhos para o desenvolvimento. Sem cultura nós não podemos falar em crescimento econômico, seria um crescimento entre aspas. Sem cultura nós não podemos falar em cidadania. Por isso as políticas públicas de cultura são tão essenciais em um país como o nosso, em um estado gigantesco como Minas Gerais, com 853 municípios, com uma riqueza muito grande, uma diversidade enorme e é através da cultura que nós vamos compreender e saber quem somos nós. Como nós podemos nos organizar para o desenvolvimento objetivo e efetivo do cidadão, da sociedade e da vida econômica do estado. A cultura é uma luz, uma baliza para isto. Nós tínhamos que fazer um plano para a cultura mineira, porque há hoje uma previsão de sistema, pela Constituição Federal, existe o sistema nacional de cultura no país, quase todos os estados, praticamente, já fizeram o seu plano decenal de cultura e estão inseridos na sistemática dessa iniciativa nacional. Muitos municípios também já tem um plano de cultura e Minas Gerais ainda não havia se adequado a essa realidade e é o que estamos fazendo através de um plano estadual de cultura, que será o instrumento de organização da gestão pública de cultura, da participação da sociedade, do cidadão e do poder público, o papel do município do estado, da União, de fundo a fundo. Do fundo nacional para o fundo estadual e os fundos municipais para ampliarmos os recursos destinados à cultura.
Essa é uma questão estadual?
São uma série de questões que só um Fundo e um plano, que estará sujeito a aperfeiçoamentos. É uma plataforma para o nosso desempenho no campo da cultura. Isso tinha que ser feito e passará pela votação na Assembleia Legislativa. Fizemos um belíssimo trabalho de discussão no âmbito do Conselho Estadual de Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura e Assembleia Legislativa. Foi realizado um Fórum Técnico, que percorreu todas as regiões do estado, abriu consulta na Internet, houve uma mobilização enorme na internet em torno desse plano. Nesse momento de controvérsias, reforça a importância do papel da cultura e de políticas de instituições culturais sólidas para que os governos estadual, federal e municipal possam dar respostas às demandas e reivindicações da sociedade e do cidadão.
A Lei Rouanet é alvo de muitas críticas em relação aos que são beneficiados com ela. O senhor concorda com essas críticas?
A Lei Rouanet é muito criticada por quem não sabe o que é a Lei. As pessoas falam que fulano ganhou três milhões de reais. Não é ganhou. Ele habilitou-se, por meio de um projeto aprovado para captar esse recurso. Ninguém sai jogando dinheiro pela janela. Os projetos são aprovados e vejo sempre que as pessoas que criticam não sabem do que elas estão falando. Elas acham que as pessoas saem com os bolsos cheios de dinheiro e começam a fazer críticas a Lei Rouanet. Fizeram isto com a Lei Sarney. Com isso, o presidente Collor extinguiu, com uma só canetada, e toda área cultural do país se levantou reivindicando um novo mecanismo. Então, o embaixador Sérgio Rouanet, que foi secretário de Cultura naquele gabinete final de salvação do governo Collor, em fase terminal, propôs ao Congresso a chamada Lei Rouanet. Foi um novo mecanismo de captação de recursos, com incentivo tributário para a área da cultura. Hoje, nós devemos aprimorar a Lei Rouanet e não extinguir um mecanismo que é fundamental para a mecânica de financiamento cultural, para a dinâmica de financiamento da cultura. É o que estamos fazendo no governo do Estado. A Lei Estadual de Incentivo à Cultura é de 1998. Ela trouxe relevantes serviços à cultura. Foram aplicados 700 milhões de reais ao longo desses anos graças a essa lei. Mas é um mecanismo que mostra-se, hoje, esgotado. Muitos desses recursos ficaram na região metropolitana de Belo Horizonte e 80% desses recursos foram disponibilizados por patrocinadores que chegam a 20 empresas, que pagam ICMS que cuidaram de 80% desse recurso. Nós temos que ampliar isso. Temos que abrir para o interior, para as diversas regiões do estado, para os pequenos produtores e não deixar isso concentrado entre grandes proponentes e grandes empresários. Nós estamos buscando caminhos e o governador Fernando Pimentel deve encaminhar à Assembleia Legislativa um projeto de uma nova Lei de fomento e incentivo à cultura, que vai privilegiar o Fundo Estadual de Cultura, porque aí, captando recursos para o Fundo, nós podemos fazer editais que tenham capacidade de chegar a todas as regiões do estado e atender aos mais diversos grupos.
Muitas queixas à Lei Rouanet são justamente porque ela privilegia os artistas já consagrados, os desconhecidos raramente têm acesso. Mesmo com essas mudanças não vai permanecer o mesmo critério para escolha dos projetos?
Exatamente. Essa demanda é para democratizar republicanamente o acesso aos recursos disponibilizados pela Receita Estadual para o incentivo e o fomento à cultura. Para isto é que precisamos de uma nova lei e aprimorar a lei atualmente existente. Na Lei Rouanet já existe um projeto, que foi encaminhado há muito tempo ao Congresso, o projeto Cultura Viva, propondo mudanças. O Congresso é que não votou até hoje essa nova legislação, que aprimora a Lei Rouanet. Eu sempre a defendo com veemência até porque muitas pessoas praticam equívocos. Eu ouvi em rádios em Belo Horizonte pessoas não só dando depoimentos, como comentaristas falando que a lei é um absurdo, que deu quatro milhões de reais para não sei quem, cinco milhões para outro, mas se fizermos um levantamento, o acesso não é tão fácil assim. As pessoas às vezes se habilitam a captar, mas não conseguem fazer a captação. Nós temos que pensar também em outros benefícios que outros projetos já trouxeram. No cômputo geral, ambas as leis, a estadual e a federal são importantes instrumentos para o desenvolvimento da Cultura.
O senhor acha que o presidente Michel Temer se atrapalhou nessa questão cultural e isso pode prejudicar o andamento de alguns projetos nessa área?
Eu penso que o presidente pensou em reduzir a máquina e pensou em eliminar 10 ministérios. Ele ficou seduzido pela conta redonda e com isso decepou o ministério da Cultura, que é fundamental. Tanto que o presidente percebeu que isso não ia acabar bem e em poucos dias reestabeleceu o Ministério da Cultura, porém criando uma secretaria especial de patrimônio histórico e artístico. Oras, se o governo antes cogitava de economizar recursos e enxugar a máquina, porque criar uma secretaria se nós já temos um Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, se uma autarquia é uma forma mais propícia para as tarefas do patrimônio histórico e artístico nacional, porque uma autarquia pode intervir na propriedade privada para tombamento, pode embargar obras, pelo Instituto do Tombamento e tem mais agilidade para atuar do que uma Secretaria. Por que então dessa bicefalia? Por que uma duplicidade de órgãos. O Ministério voltou polêmico, voltou entre controvérsias e indagações que precisam ser resolvidas adequadamente. O presidente, que é um constitucionalista, deve saber que a cultura está prevista numa emenda constitucional e é a própria Carta Magna que fala em um sistema nacional de cultura, em sistemas estaduais e municipais de cultura e nós precisamos desse recurso do Fundo e do Sistema Nacional de Cultura.