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Sem o uso da inteligência combate ao crime organizado vai fracassar

A onda de violência que tomou conta do país, em especial em Minas Gerais, nos últimos dias, acendeu o sinal de alerta em relação a atuação de facções para aterrorizar e intimidar a população e os governantes. Bem armados, estruturados e com recursos milionários, esses grupos agem de dentro dos presídios, mostrando que o encarceramento não está sendo suficiente para conter a ação dos bandidos. O especialista em segurança pública e professor da PUC, Flávio Sapori (foto), entende que é preciso isolar os chefes das facções e colocar bloqueadores de celulares nos presídios. Ele cobra da OAB uma atuação mais dura, menos corporativa para vigiar e punir advogados que estão envolvidos com esse tipo de criminalidade organizada. 

 

O que levou a essa explosão de violência em Minas Gerais e em vários estados do país?

Na verdade, o evento de Minas Gerais é mais uma expressão da nacionalização do crime organizado no Brasil, de facções criminosas. O que está acontecendo em Minas é que o PCC está mostrando o seu cartão de visitas. O PCC está se apresentando às autoridades mineiras. 

 

É a indústria milionária do crime ampliando a sua ação nos estados?

Em boa parte dos estados. Há evidências de que essa facção criminosa está presente em praticamente todo território nacional. Nos últimos cinco, seis anos, o PCC se consolidou muito nos estados do Norte e Nordeste, porque investiu mais ativamente no tráfico internacional de drogas nas rotas que estão vindo da Bolívia e do Peru pelo Amazonas, no rio Solimões. Eles compram a cocaína da Bolívia e do Peru, fazem esse transporte pelos estados do Norte e Nordeste até os portos para distribuir para a Europa e África. O PCC não cuida só da venda das drogas nas cidades. O grupo está no tráfico internacional.

 

Com o tráfico, esses criminosos faturam até R$ 400 milhões. Como conter esse avanço dos traficantes?

Esse valor é do próprio Ministério Público de São Paulo, que tem grupos especializados em investigação do crime organizado. O Ministério Público de São Paulo estima que o tráfico internacional de drogas só pela Amazônia, só pela rota do Rio Solimões, envolve R$ 400 milhões /ano. Existe uma outra rota que eles dominaram há alguns anos, que é pelo Paraguai e que usa muito os portos do Sudeste e Sul do Brasil. 

 

Esses criminosos estão se aproveitando da fragilidade política do Brasil para ganhar mais espaço?

Não há dúvida. Eles se estruturaram, eles têm uma capacidade de recrutamento de criminosos muito intensa, tem uma estrutura de gestão muito eficiente, flexível, maleável. É difícil identificar só uma liderança da organização, que funciona mais em rede, que se distribui pelos estados. É como se tivesse um grupo criminoso do PCC em cada estado onde ele está presente, com lideranças diversas, com capacidade de rotatividade das lideranças muito grande e a facção está usando o espaço do tráfico internacional, porque o tráfico no Brasil não tinha uma organização específica, ela não estava cartelizada como na Colômbia e no México, por exemplo. O que o PCC está fazendo é iniciar um processo de monopolização do tráfico internacional de drogas, que passa pelo Brasil. Ele tende a se tornar um cartel do tráfico de drogas, como os cartéis colombiano e mexicano.

 

Como combater um grupo organizado como este?

A única maneira de lidar com o crime organizado é através da organização do próprio aparato estatal. Utilizando a inteligência, o manuseio de informações, fazendo uma repressão qualificada, tentando identificar e reprimir a organização através das suas lideranças e tentando enfraquecê-las pelo dinheiro arrecadado e pelos mecanismos de lavagem de dinheiro. Para isso, é preciso articular os esforços das polícias estaduais com a Polícia Federal, do Sistema Prisional e do Ministério Público. O ideal é que cada estado brasileiro tivesse a sua força tarefa integrada funcionando e tivesse uma coordenação nacional neste sentido, porque como o PCC extrapola os limites dos estados, é fundamental que a União, através do Ministério da Segurança Pública, coordene um esforço nacional de repressão às organizações criminosas e isto, até hoje, não aconteceu. O caminho é este: a articulação de esforços, com intenso trabalho de inteligência e repressão qualificada, focando, principalmente, nos procedimentos de lavagem do dinheiro que eles utilizam. 

 

Com essa quantidade de dinheiro, esses criminosos podem ter influência no processo eleitoral?

Acho que em São Paulo, no âmbito municipal sim. No âmbito federal é pouco, ainda. Eles ainda não têm a força política como tiveram os cartéis colombianos e que tem os mexicanos. Não há indícios de que o PCC, por enquanto, esteja se preocupando com essa articulação com representantes políticos. Mas essa possibilidade de isso vir a acontecer daqui para frente é muito grande. 

 

Essa facilidade de comunicação que esses criminosos têm nos presídios, também mostra a fragilidade do sistema prisional brasileiro?

Na verdade, o principal canal dos presos são os telefones celulares. Essa é uma das razões da proliferação e do fortalecimento dessas facções. Elas têm a comunicação do preso com o crime fora da prisão e isto é muito fácil. É preciso ter um investimento maciço em bloqueador de celular. Não é segredo não. 

 

Por que a maioria dos presídios brasileiros não tem os bloqueadores de celular? É uma falha?

Porque não há linha de financiamento para isto. Por incrível que pareça, não há recursos exclusivamente destinados para isto. E isso cria um vácuo, um vazio institucional, que favorece demais a atuação do crime organizado a partir das prisões. De imediato, seria necessária a instalação dos bloqueadores, fortalecer o regime Regime Disciplinar Diferenciado. É um mecanismo previsto na Lei de Execução Penal, que é um regime mais duro de aprisionamento para os líderes do crime organizado. É preciso aplicar o RDB mais intensivamente nas lideranças em âmbito estadual, como São Paulo faz, já há algum tempo e, de alguma maneira, monitorar os advogados que estão atuando como cúmplices do crime organizado. Isso acontece e a OAB tem que ter uma atuação mais dura, menos corporativa para vigiar e punir advogados que estão envolvidos com esse tipo de criminalidade organizada. 

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