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Sem regras claras advogados sentem dificuldades para defender clientes da Lava Jato

Paulo César de Oliveira
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A insegurança jurídica nos casos envolvendo os denunciados na Lava Jato tem sido uma dor de cabeça a mais para os advogados que atuam na defesa de acusados na operação. A advogada criminalista Virgínia Afonso(foto), que também é professora de Direito Penal e de Processo Penal na Faculdade Milton Campos, espera que o Supremo Tribunal Federal decida como devem ser as delações premiadas, de quem é a responsabilidade de negociar e assinar a delação, se a Polícia Federal ou o Ministério Público Federal, e até que ponto podem chegar os benefícios, para evitar que os acordos sejam desfeitos, como no caso dos irmãos Wesley e Joesley Batista. Para Virgínia Afonso, as regras estão mudando durante o processo e é preciso que a Constituição seja cumprida. Ninguém quer a impunidade, segundo ela, mas é necessário o respeito às leis.

 

Como é o olhar feminino em um ambiente tão masculinizado e brutalizado?

Quando eu fiz o Direito Penal, o ambiente era muito masculino, tanto que, até hoje, alguns escritórios não contratam mulheres nem para trabalhar como estagiárias. Mas, felizmente nós vamos superando as barreiras. Eu tive a influência direta do meu pai, que foi delegado federal, foi Procurador da República e Juiz Federal, sempre na área criminal. Querendo ou não, quando fiz faculdade as minhas maiores notas eram na área penal, no processo penal e me enveredei por esse caminho. Depois que me formei, fiz estágio em vários locais para ter certeza de que era aquilo que eu queria e deixei para fazer no último período, com meu pai, que já tinha aposentado como Juiz Federal e montou um escritório de advocacia na área criminal. Minha inspiração veio daí e comecei a advogar na área criminal.

 

Esse conhecimento de seu pais na Polícia e no Ministério Público Federal, justamente em um momento das investigações da Lava Jato, ajuda na defesa dos investigados?

Sim, logo que formei, fui aprovada em seis concursos públicos, que eu fiz até para me testar. Na minha família as pessoas fazem Medicina ou Direito e sempre com a realização de concurso público. Mas logo vi que a minha vocação era para ser advogada e como advogada na área criminal eu sempre estive voltada para matérias ligadas à Justiça Federal. Os clientes foram aparecendo, fui ganhando causas e acabei me especializando no chamado crime do colarinho branco. O cliente para mim é único, seja um grande empresário, um doleiro ou uma pessoa mais humilde. Só tenho cuidado porque tenho alguns clientes “famosos” e que despertam o interesse da opinião pública. Com isso, tento ter um pouco mais de reserva em relação a eles.

 

Muitos advogados têm criticado o trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e algumas decisões da Justiça e acabaram criando até um movimento que dizem de combate ao abuso de autoridade. Como é advogar para investigados em um momento tão conturbado?

Em um primeiro momento, a sociedade acha que nós, advogados criminalistas, estamos querendo bloquear as investigações ou não estamos querendo que a corrupção seja descoberta no país. Não é nada disto. É claro que as investigações têm que ser realizadas, precisam ser feitas, mas tudo seguindo a Constituição e o devido processo legal. O que vem acontecendo no país é a mudança da regra do jogo no curso do jogo e isso não é permitido. Nós temos que ter uma garantia constitucional. Nós temos que saber o que está acontecendo com certa antecedência, até para fazer a defesa do meu cliente. O que não pode, por exemplo, é ter uma flexibilização de uma prisão preventiva como estão acontecendo no Brasil, quando se prende para o sujeito delatar. O artigo 312 do Código de Processo Penal, que é um dos requisitos da prisão preventiva, está sendo violado. A delação premiada, que é o instituto que deveria estar sendo aplicado, é útil, claro que é. Mas está sendo banalizado. Nós não somos contrários a descoberta da corrupção, ao desmantelamento de organizações criminosas. Muito pelo contrário, mas deve ser seguido o devido processo legal.

 

Tem ocorrido excessos?

Sim. Tem decretação de prisão preventiva sem o menor fundamento para forçar uma delação premiada. Alguns delatores também se colocam como única prova existente de um processo. A delação daquele sujeito é a única prova. Isso está errado. Nós precisamos ter um conjunto probatório. A delação tem que ser efetiva. Não basta o sujeito simplesmente delatar, sem querer comprovar. É um instituto útil? Sim, super útil, senão, não teríamos descoberto o que aconteceu no país. Mas tenho que garantir a norma constitucional.

 

Os ministros do Supremo Tribunal Federal também têm divergido em relação a vários pontos da Lava Jato. Essa diferença de interpretação interfere nos processos?

Felizmente existe essa divergência na Suprema Corte. Já imaginou se tudo fosse unânime? Nós temos divergência de posicionamento, até mesmo em relação a formação desse ministro. Tem ministro que tem uma formação anglo-saxônica, outros com formação mais germânica e o debate está ali para ser instalado. É salutar que o debate exista, porque senão, se tivéssemos uma unanimidade na Suprema Corte e que todo mundo pensasse da mesma forma, isso não seria interessante.

 

Muda alguma coisa nesse processo com o Ministério Público Federal sendo conduzido pela Procuradora-Geral Raquel Dodge?

Primeiro, em relação ao trabalho dela, que é extremamente preparada e com uma linha de pensamento diferente em relação ao procurador anterior. Não que um seja melhor do que o outro. São linhas de trabalho diferentes.

 

Alguns têm criticado a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, de ter perdido o controle em relação as desavenças entre os ministros do Supremo. Isso está acontecendo?

Acho que ela tem agido de forma coerente e como presidente, não pode interferir no voto de um colega. Mas se os colegas estão divergindo, ou debatendo de uma forma exagerada algumas vezes, ela não pode ser responsabilizada por isso.

 

Está difícil ser advogado hoje no Brasil?

Extremamente difícil, mesmo porque nós não temos mais segurança jurídica no país. Hoje eu oriento meu cliente com um aspecto X e, no outro dia, nós temos uma mudança jurisprudencial completamente diferente do que eu orientei. Então, está muito difícil advogar. Depois você vai ser cobrada pelo seu cliente: “olha, eu te procurei, você me orientou e a situação está completamente diferente”. Nós vivemos hoje uma instabilidade jurídica.

 

Essa situação muda de governo para governo ou não tem interferência?

Posições firmadas pelo Supremo, querendo ou não, tem indicação política. As nomeações no Supremo, são indicações políticas. Não que isso interfira diretamente, mas quando não se tem uma estabilidade jurídica, fica extremamente difícil advogar.

 

Como é o processo da delação premiada?

Ela acontece em segredo de Justiça. O grande embate que nós temos hoje é de quem teria a legitimidade para propor essa delação premiada. Se isso ficaria a cargo da magistratura, do juiz ou o ministro, que teriam que homologar a delação, a dúvida é se a Polícia Civil ou Federal poderiam propor essa delação ou se ficaria a cargo do Ministério Público. Quem pode conceder os benefícios da delação? O Ministério Público ou a Polícia? Tudo tem que ter a homologação do poder Judiciário. Tem até uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no Supremo Tribunal Federal para decidir quem teria a atribuição para oferecer. O que ocorre muitas vezes é que o acordo de delação pode ser feita pela polícia, o Ministério Público não concorda e o delator acaba fechando com a polícia e não com o MP. Essa divergência, possivelmente deve ser sanada pelo Supremo. A partir do momento que a delação é homologada, o delator está contando com um benefício, que é uma redução de pena ou um perdão judicial. O que foi muito criticado é até onde pode ser flexibilizado esses benefícios? Eu posso conceder tudo para um delator ou tem um limite? Até por uma questão de proporcionalidade, se que o que foi delatado foi efetivo, contribuiu para a investigação, então ele poderia ter aquele benefício. Agora, chegar ao ponto de perdoar, sem nenhum tipo de sanção, gera um sentimento para a população de impunidade. Eu faço tudo, cometo todos os ilícitos e depois não tenho nenhum tipo de sanção?. Isso gera revolta na população. Por isso algumas renuncias da delação estão sendo desconstituídas, se se verificar que ela não foi efetivamente substancial e não contribuiu para aquele processo. Determinados casos podem gerar uma sensação popular de impunidade. Aqui no Brasil temos um caso famoso, que foi desconstituído. Na maioria das delações, os delatores tiveram que cumprir de dois a três anos, mas prisão domiciliar.

 

Houve um tratamento diferenciado para os irmãos Wesley e Joesley Batista?

Por isso é que estão questionando quem pode aceitar e fazer a delação e qual seria esse limite. Quais sanções poderiam ser aplicadas. Eu poderia, por exemplo, ter uma indisponibilidade total da ação penal com uma simples delação? São questões que a população está amadurecendo, como também o Judiciário. Quando ocorreu a revogação dessa delação, muitas pessoas acreditaram que não existira mais o instituto da delação, porque as pessoas não teriam mais coragem para delatar por receio delas serem desconstituídas lá na frente. Isso nos alerta para o fato de que, a delação deve ser aplicada? Deve, mas quando efetivamente ocorrer dela contribuir para descobertas nas investigações.

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