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Sergio Leonardo: País não precisa de juiz justiceiro e falso herói

A violência virou um assunto recorrente no país. São ataques às escolas, violência contra a mulher, assaltos e a sensação de impunidade e de que nada vai mudar. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, Sergio Leonardo (foto/reprodução internet), que é criminalista, entende que o país não precisa de um juiz justiceiro ou falsos heróis para resolver as coisas. O que é preciso, segundo ele, é o cumprimento da lei. 

A população tem a sensação de que a violência aumentou em todos os níveis, inclusive quando se fala em corrupção? 

Não tenho essa mesma sensação. Continuo acreditando nas instituições, acho que para diminuir a criminalidade, tem que acabar com a impunidade. Não precisa de lei mais severa, não precisa de juiz justiceiro e falso herói. Precisa aplicar a lei. Quem praticou o crime tem que ser investigado, processado com todas as garantias legais, com devido processo legal, com o contraditório e ampla defesa. No final, punido, tem que cumprir a pena. É disso que a gente precisa. Faço um paralelo interessante disso com a Lei Seca. Nós fomos conscientizados, através de campanhas, de que não pode beber e dirigir e isso foi sendo feito através de muitas campanhas educativas, de matérias, algumas com cenas fortes, para que as pessoas se chocassem. Mas essa mudança cultural leva uma geração para se consolidar. Quando veio a lei seca ela deu um impulsionamento nisso, através da certeza da punição. Então teve uma época em que todo mundo sabia que se tivesse saído para beber e dirigir ia ser pego pela blitz. As pessoas pararam de sair e beber, em parte pela consciência de que não deviam fazer isso, mas em parte pela certeza da punição. Então, é atacar a impunidade. Depois, quando as blitzes refrearam, o que aconteceu? Toda semana tem notícia de um acidente com algum motorista embriagado. Outro dia foi um ciclista que morreu perto do Alphaville. Depois na avenida Portugal. No Rio, as blitzes pegavam artista, pegavam gente famosa todo dia. Era aquela operação gigantesca, ninguém tinha coragem de beber e dirigir e aí, começamos usar os aplicativos, a contratar outro sistema de transporte, a combinar que um dos amigos não vai beber. Mas tem que ter punição, acabar com a impunidade. Essa sensação de que a lei vai ser aplicada é que demove a pessoa de praticar um crime.  

O que acontece com frequência é que prende-se hoje e amanhã o infrator já está solto. A legislação é falha nesse aspecto?  

Vou insistir que não. O presidente da OAB de Minas hoje, circunstancialmente, é um advogado criminalista e eu vou insistir na defesa de que não precisa de lei mais severa, não precisa restringir garantias processuais. Precisa é aplicar a lei que já existe. Então, a pessoa foi presa em flagrante, um juiz em uma audiência de custódia, vai examinar se, de acordo com a lei, aquela pessoa tem que continuar presa. Se sim, ela vai continuar presa. Se de acordo com a lei ela deve aguardar em liberdade, vai aguardar em liberdade. Nós precisamos de operadores do direito preparados, de processos bem instruídos para que as decisões sejam as mais corretas.  Você vai me dizer: mas o sujeito já foi pego 3, 4 vezes praticando crimes e está solto de novo. Tem algo errado. Será que a polícia trabalhou direito? Investigou e comprovou que ele fez? Será que a Justiça foi atenta? Tem várias outras medidas além da prisão que servem para poder inibir que a pessoa volte a praticar crimes. A prisão é medida muito extrema. Nós temos que focar em acabar com a impunidade. Essa frase de que o Brasil é o país da impunidade é totalmente incompatível com o fato de termos, salvo engano, a segunda maior população carcerária do mundo. Tem muita gente presa no Brasil. Tem muita gente presa no Brasil sem ser julgada, antes do fim do processo. Preso provisório e nós temos que repensar isso. Nós queremos virar um país com o modelo dos Estados Unidos, que tem a maior população carcerária do mundo? É isso que a gente quer? Prender resolve? Entendo, sinceramente, que prisão devia ser reservada para a criminalidade violenta. Quem tem que ser preso é quem, depois de investigado, processado, for condenado com decisão transitada em julgado, que praticou homicídio, estupro, assalto, sequestro. Esses precisam ser presos para receber o castigo da pena e porque não tem condição de conviver com a gente. Mas depois de cumprida a pena, que eles voltem e é por isso que a pena é cumprida no caráter no meio progressivo, depois muda para o semiaberto para o aberto e livramento condicional para tentar ir voltando, porque acredita-se que as pessoas são recuperáveis.  

 As prisões estão cheias. De quem é a culpa? 

Acho que o Judiciário tem grande parcela de culpa no fato dessas prisões estarem superlotadas. Mas isso é um problema social. Um país com desigualdades sociais tão elevadas, com um nível de educação tão baixo, propicia que a gente tenha, lamentavelmente, um alto índice de criminalidade. Acho que é muito mais questão de governo, trabalho de governo, de focar em educação, saúde e segurança, de criar oportunidades de empregos. É isso que faz com que, em paralelo, nós acabemos com a impunidade. Diminuindo a criminalidade diminui a população carcerária. Um fato interessante é que falam que tem que prender, mas ninguém quer construir presídio. O preso tem direito de cumprir a pena o mais próximo possível da sua família, para manter os laços familiares. Ele está perto do advogado dele que vai lá fazer uma reunião com ele para explicar como é que está caminhando o processo, como é que está a execução daquela pena para poder progredir de regime. Mas ninguém quer construir cadeia perto de casa. Mas tudo é crime e tem que ser preso. É um negócio dificílimo. Nós temos um modelo muito interessante em Minas Gerais, que é as Apacs- Associação de proteção e Amparo ao Condenado que tem um de seus modelos em Nova Lima. O nível de ressocialização, que você consegue medir com a baixa de reincidência gigante. Quem cumpre a pena dignamente tem muito mais chance de voltar para a sociedade, sem voltar a praticar crimes, sem reincidir na prática de crime. O índice reincidência dos egressos de Apac é muito mais baixo.   

O exame da OAB continua sendo questionado. O exame deve ser mantido?  

A democratização do acesso ao ensino superior de Direito seria muito bem-vinda, entretanto, ela foi feita sem critério. Antigamente para abrir um curso de Direito no país, a Ordem dos Advogados do Brasil, no plano nacional tinha que dar um parecer, atestando a viabilidade daquele curso do ponto de vista técnico, da estrutura, da capacidade do corpo docente para poder ser um curso de qualidade. Se o parecer da OAB fosse contrário, não se poderia abrir o curso. Ao longo do tempo, esse parecer se tornou facultativo, virou quase peça decorativa e os cursos foram sendo autorizados a partir do relacionamento do meio empresarial da área de ensino superior, com os governos. O resultado, hoje, é que temos um excesso de faculdades de Direito. Nós temos hoje no Brasil mais advogados do que os outros países. Tem mais advogado no Brasil do que todos outros advogados do mundo. Tem mais faculdade de Direito no Brasil do que todas as outras faculdades de Direito do mundo. Isso não pode estar certo. Qual é a única forma que existe hoje de se fazer um filtro em favor da sociedade? É o Exame de Ordem para aferir minimamente se aquela pessoa tem condição de representar outra em juízo, porque, nós advogados, somos a voz do cidadão perante o sistema de justiça e essa voz tem que estar preparada para poder ser dita, seja por escrito ou oralmente. O Exame de Ordem é um filtro possível, necessário, indispensável para aferir se a pessoa está minimamente habilitada para exercer a advocacia. Todo mundo é contra o Exame de Ordem até passar por ele. Depois de passar, passam a defendê-lo e a sociedade em geral, tenho certeza de que é a favor, inclusive para que seja aplicada em outras carreiras.   

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