A tragédia em Brumadinho leva o mar de lama para todo o processo da cadeia produtiva e para cima das autoridades, que nunca trataram o assunto com a seriedade necessária. As centenas de mortes e os danos irreversíveis ao meio ambiente, são parte de um processo, que começou errado na sua origem. O dinheiro que deveria ser enviado para a Agência Nacional de Mineração, criada com a extinção do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), vai para o caixa único do Estado. Minas Gerais, onde existe a maior parte das mineradoras, conta com apenas três fiscais para realizar todo o trabalho. O prédio onde funciona a Agência está caindo aos pedaços e até os fiscais correm risco devido a precariedade das instalações. Faltam os recursos que vão para outras despesas. Esse é o quadro que o Brasil tem que encarar, segundo o presidente da Associação Mineira dos Municípios Mineradores e prefeito de Nova Lima, Vítor Penido (foto), que tem pela frente uma outra batalha: a de evitar que os municípios mineradores percam os recursos das atividades minerárias.
A tragédia causada pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho e a decisão da empresa de suspender as atividades para se adequar a um modelo mais seguro de barragem, tem deixado os prefeitos de cidades mineradoras apreensivos. Qual é a situação?
Nós vamos à Brasília na terça-feira para uma reunião com o diretor da Agência de Mineração e estamos tentando um encontro com o ministro de Minas e Energia. Além do problema que aconteceu em Brumadinho, que provocou um dano irreparável, a perda de vidas humanas que não têm preço, temos um problema financeiro, que acaba trazendo sérios problemas não só para Brumadinho, como para vários municípios como Nova Lima, Itabirito, Congonhas Não são somente três ou quatro municípios. São sete ou oito que devem ser prejudicados com valores que podem desestruturar todos os serviços feitos por essas cidades. Em primeiro lugar é tentar, junto a essas companhias, providências para que não aconteça mais isto. Talvez uma fiscalização, um monitoramento ou outra medida até que se corrija esse problema. A fiscalização depende muito do Estado e da União. Os municípios não têm esse poder de fiscalização. Quem fiscaliza é o DNPM e o Estado. A Assembleia também retorna seus nesta semana e nós vamos ver se contamos com o apoio dos parlamentares para poder resolver essa situação.
O senhor tem um valor estimado de perdas?
Além dos recursos do Estado, que deve ser mais de R$ 12 bilhões, em Nova Lima nós podemos chegar a uma perda de R$ 120 milhões neste ano. Esse valor praticamente inviabiliza o trabalho que estamos desenvolvendo na cidade.
Há uma pressão da sociedade para aumentar a fiscalização nas mineradoras. Os deputados são pressionados pelos lobbies das empresas e até do governo. Com toda essa pressão há clima para se fazer essas mudanças na Assembleia?
Sem dúvida o momento exige que haja um compromisso de todas as mineradoras para que se construa um outro modelo, um outro projeto diferente desse. Em um pequeno espaço de tempo de três anos, com certeza a Assembleia deve mudar essa legislação, mas não impedindo que as empresas explorem o nosso solo, porque se fizerem isso, vão quebrar ainda mais o nosso estado e acaba com muitas mineradoras. O principal nisso tudo é a vida humana. Tem que ser um projeto que obrigue a essas mineradoras a ter barragens que não tenham risco nenhum para a população.
O atual governo tem sido muito criticado por manter o secretário de Meio Ambiente do governo do PT. O senhor concorda com as críticas a ele?
Conheço o secretário, que é uma pessoa muito preparada, com conhecimento. Jamais ouvi qualquer coisa que o desabonasse. Ele é uma pessoa séria e o estão responsabilizando por uma licença que nada tem a ver com Brumadinho. Essas acusações não têm fundamento. A Secretaria de Meio Ambiente divulgou uma nota mostrando o que foi discutido nessa reunião. Tem um ambientalista falando que foi voto contra no que foi pautado nessa reunião. Mas nada do que ela está falando tem relação com o que aconteceu. Ele e uma pessoa de bem, competente, é uma pessoa que entende e conhece a parte ambiental. É uma pessoa muito séria. Das poucas vezes que o encontrei, ele passou muita transparência. Ele é funcionário de carreira e tem um cargo, que ele sabe que não pode brincar, porque senão será afastado. Está todo mundo atrás de um bode expiatório. A competência dele é indiscutível. Tanto que ele trabalhou com Anastasia, no governo anterior. Esse erro não é de agora, isso vem de muitos anos. As próprias barragens em Brumadinho, são mais antigas. Não foi construída nesse governo, nem no governo passado.
O senhor tem criticado as indicações políticas nos órgãos de fiscalização, isso tem prejudicado o trabalho junto as empresas?
É um problema que existia. O governo Bolsonaro venceu sem o apoio de prefeitos, não tinha apoio da maioria dos deputados, sem apoio de partidos e hoje está totalmente à vontade para não aceitar pressão de siglas partidárias na indicação. É claro que tem pessoas filiadas a partidos que são altamente capacitadas, mas não da forma como que era feito antes. É um jogo, uma troca de favores que dava oportunidade para o que aconteceu no país. As Lava Jatos da vida. Com esse momento em que nós estamos vivendo a partir de agora, em que não tem mais indicação política, com certeza vão indicar técnicos, que têm compromisso e que vão contar até 10 antes de fazer algo que fira a legislação.
Esses órgãos de fiscalização também enfrentam problemas com falta de pessoal e de material para realizar o trabalho. É possível trabalhar com essa estrutura, fazer uma fiscalização adequada?
Esse é um problema que vem desde a criação dos royalties, em 1989, quando fundamos a Associação dos Municípios Mineradores. A parte que era para ser usada pelo DNPM sempre foi transferida para o caixa único do governo e com isso, o órgão ficou totalmente desaparelhado, faltando até funcionário. Para se ter uma ideia, Minas Gerais tem só três fiscais para cobrir todo o seu território. Isso é impossível, além de faltar equipamentos para poder trabalhar. O problema no Brasil é esse. Todo mundo fala que não tem dinheiro, mas é preciso fazer uma reforma pesada, cortar muita coisa que não pode acontecer para dar condições ao Estado de fazer investimentos.
Ou não desviar os recursos da sua finalidade?
No ano passado a Agência teria que ter recebido mais de R$ 200 milhões para investimentos em todo o Brasil. O próprio prédio da Agência, em Brasília, está condenado. Os funcionários estão lá em uma situação delicada. Eles também estão correndo risco. É o Brasil, infelizmente. Vamos torcer para que as coisas mudem, porque ninguém suporta mais essa situação.