*Blog do PCO entrevista Leon Myssior
Defensor de uma arquitetura inteligente e mais “saudável”, o arquiteto e urbanista Leon Myssior (foto), vice-presidente do Sindicato Nacional da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco) – que foi o coordenador do grupo de trabalho de arquitetos que cuidaram das arenas brasileiras para a Copa-, é um defensor do chamado “Novo Urbanismo”. Se por um lado caminhamos em direção a um mundo cada vez mais high-tech, por outro sentimos, principalmente nas grandes cidades, a necessidade da volta de um certo clima de interior, onde praças, parques, ruas arborizadas e prédios menores trazem um gostinho aconchegante e mais seguro aos seus moradores. É isso que Myssior pensa a todo momento nos projetos que realiza, tendo um tripé com base na “Vitalidade, Escala Humana e Resiliência. Para ele, as cidades brasileiras não se desenvolvem, elas crescem. E o poder público está sempre apenas correndo atrás dos problemas, em vez de se preparar. Mais do que na hora de repensar certos conceitos visto ainda que é sempre melhor, para qualquer cidade, se orientar pela revitalização de uma área degradada, com foco na sustentabilidade.
Utilizar recursos da natureza sem agredir o meio ambiente é o que existe de mais moderno na arquitetura atual. Como vem caminhando Belo Horizonte neste sentido?
O foco aqui não são os produtos “naturais”, mas os inteligentes. A modernidade pede processos de fabricação que economizem material e energia, a partir de insumos e matérias-primas exploradas de forma responsável e sustentável. Mais do que isto, são materiais e acabamentos focados no conforto ambiental e no desempenho técnico, além da facilidade de instalação e manutenção. No mundo ideal, poderão ser reaproveitados e transformados após a sua vida útil, diminuindo o volume global de rejeito e lixo.
Pode citar obras já concluídas e outras em fase de prospecção que seguem esse conceito?
Toda e qualquer obra que utilize estruturas metálicas, painéis modernos de fechamento e vedação, e divisórias internas em gesso (sistema dry-wall) está no caminho certo, mas isto apenas não basta. Mais do que os materiais propriamente ditos, o maior diferencial virá de um projeto de arquitetura e urbanismo que module a insolação correta, observe os ventos dominantes, crie uma implantação inteligente, preserve a permeabilidade dos terrenos e utilize telhados verdes, praças, parques e integre a natureza e seus elementos no projeto. Podemos citar, dentre os de nossa autoria, a nova sede da Localiza Rent A Car, implantada generosamente num terreno de 30 mil m2, preservando um bosque que ocupa quase um terço do terreno, e implantando sobre o prédio de estacionamentos uma grande praça plantada.
Há tempos Belo Horizonte deixou de ser uma capital tranquila e vem se tornando uma cidade cheia de conflitos, principalmente em se tratando de trânsito. O que se vê, por parte de alguns cidadãos, é uma tentativa de trazer de volta o clima interiorano de antes com ocupação dos espaços públicos. Como a arquitetura pode contribuir com isso?
A Arquitetura e seu irmão gêmeo, o Urbanismo, são um universo de possibilidades infinitas, com uma capacidade transformadora. Esta tão falada “volta do clima interiorano” nada mais é do que a saudade das praças, dos parques, dos locais de lazer, das alamedas arborizadas e sombreadas, dos prédios bonitos, das casas de muros baixos por onde se podia ver jardins bem cuidados e os vizinhos. É uma saudade da vizinhança, da sensação de proteção que o pertencimento a uma comunidade propiciava, quando as pessoas se viam nas ruas, nas padarias, nos bares. É a saudade do prazer de caminhar por uma paisagem agradável, numa composição de lojas, casas e prédios baixos. Os três termos mais em voga no mundo hoje, quando falamos da requalificação urbana, são: Vitalidade, Escala Humana e Resiliência. A ideia geral é que a vitalidade vem das pessoas “nas ruas”, estimulando o comércio e serviço local, e abrindo espaço para que os valores e a cultura local não desapareçam. Mais pessoas nas ruas, mais negócios, mais segurança, mais iluminação, mais empregos, mais renda e mais impostos. Quanto mais interessante o caminhar, menor a velocidade e mais atenção às vitrines e ao comércio como um todo, e aí à vitalidade soma-se a resiliência, que é a capacidade deste lugar de se manter sadio e se adaptar às mudanças futuras sem se degradar. Em oposição, galerias, centros comerciais, prédios altos (com muros altos) e lojas grandes demais, tiram as pessoas das ruas e diminuem a segurança. Prédios muito altos tiram o sol da rua e, na medida em que negam a escala humana, acabam “empurrando” as pessoas para os carros, com enorme desconforto visual. Fachadas cegas e muros altos fazem com que as pessoas, instintivamente, aumentem a velocidade do andar, gerando desconforto e ampliando a sensação de insegurança.
Uma cidade é projetada para os carros ou para as pessoas? Ela cresce para cima, como Nova Iorque, ou se espalha horizontalmente, como Denver? E Belo Horizonte?
Poucas cidades são realmente projetadas, mas quando o são, são pensadas como um grande mecanismo onde todas as partes estejam interconectadas de forma permanente, mas funcional. Elas não são projetadas, portanto, nem para as pessoas e nem para os carros, mas antes como um lugar onde as pessoas possam viver, trabalhar e ter lazer de forma integrada, harmônica e com qualidade de vida. A questão é a escala, e os modais de transporte preferenciais mais adequados a cada porte. Cidades de pequeno porte podem, perfeitamente, prescindir de sistemas de transporte público muito estruturado, pois as distâncias são pequenas, a demanda por grandes vias muito pequena ou desnecessária. Já as cidades de grande porte (como BH) não podem – obrigatoriamente – depender de carros e ônibus nas ruas, por uma simples razão: nunca haverá asfalto (nem estacionamento) suficiente! Adensar é necessário (e desejável), desde que conjugando-se adequadamente a altimetria das edificações com a largura das vias e a velocidade local, sem comprometer a escala humana, a visada das edificações e a qualidade ambiental local. E, tudo isto devidamente apoiado sobre um sistema de metrô subterrâneo, o único modal capaz de fazer funcionar uma engrenagem com quase três milhões de habitantes.
Poderia explicar a atuação do “Congress for the New Urbanism”?
O CNU – Congress for the New Urbanism é uma entidade que congrega Urbanistas, Desenvolvedores e Estudiosos, em torno dos mecanismos, diretrizes e orientações de projetos que visam requalificar, ou criar locais (ou comunidades, ou bairros, ou cidades), que tenham vitalidade e que sejam resilientes. E para que? Para que as cidades sejam, antes de tudo, locais prazerosos e funcionais para se viver, trabalhar e ter lazer.
Na prática, qual a influência desse “Novo Urbanismo”?
O Novo Urbanismo vem como resposta ao fato de que as cidades, hoje, se tornaram ambientes desagradáveis, opressivos e indutores de doenças físicas e psicossomáticas, potencializando a insegurança pública e os problemas sociais.
O que é preciso para que uma cidade seja mais ecologicamente correta?
São várias as possibilidades, desde a consideração do máximo de praças e parques em seu masterplan, passando por um sistema de transporte público de massas adequados e eficiente, reuso de águas de chuva e energia solar de forma ampla (pública e privada), finalizando com um sistema de coleta e processamento e transformação eficiente do lixo.
Mas e as chamadas ecocidades que oferecem visões utópicas sobre o assunto como as tão faladas cidades de Masdar, em Abu Dhabi, e Dongtan, na China?
Utopia é um termo que descreve aquilo que – dificilmente – se realizará, e até mesmo as melhores e mais modernas tecnologias tem o tempo correto para implantação com sucesso. O senso de realidade e o tempo correto são fundamentais para que iniciativas ambiciosas em excesso não sejam frustradas.
*Por estes dias vamos descansar. O blog, nestes dias de Carnaval, trará entrevistas sobre assuntos bem atuais.Logo retomaremos as atividades normais. Bom Carnaval para todos.