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Uma guerra perdida

Paulo César de Oliveira
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O Brasil está perdendo a guerra para a violência. De ponta a ponta do país os números são assustadores. Grupos fortemente armados invadem cidades do interior, explodem bancos e desaparecem diante de uma polícia impotente e capenga. O medo e a insegurança tomam conta da população e nada vai mudar se não houver uma estratégia ampla de atuação continuada em várias frentes, segundo o especialista em segurança pública e professor da PUC Minas, Luís Flávio Sapori (foto).

 

O que está levando ao aumento da violência em todo o país?

Chegamos ao final de 2017 com os maiores patamares, os maiores níveis de violência da história recente do Brasil. No ano de 2016, nós já tivemos mais de 61 mil mortes violentas e, certamente, em 2017 vamos superar esse patamar pelos números já disponíveis. São mais de dois milhões de assaltos, mais de 50 mil estupros, nós temos um fenômeno que se espalhou interior à fora, que são as quadrilhas, muito bem armadas que estão assaltando os bancos com a explosão de cofres e caixas eletrônicos. Temos um fenômeno que está se consolidando que são as facções criminosas dentro dos presídios, no norte e nordeste do Brasil principalmente. Em resumo, nós chegamos ao final de 2017 com um agravamento da insegurança pública no Brasil. Nós continuamos 30 anos depois da Constituição de 1988, 30 anos de democracia, atingindo os maiores patamares da violência urbana da história recente do Brasil.

 

O Brasil está perdendo essa guerra para a violência?

Não há dúvida que sim. Não há duvida de que o Brasil está perdendo a guerra não só para grupos organizados, como as quadrilhas de roubo à banco, tráfico de drogas, as facções criminosas. Mas o Brasil está perdendo a guerra para a violência cotidiana, porque o medo, a sensação de insegurança aumentou muito nesse período. O brasileiro hoje, nas cidades pequenas e médias e, até nas áreas rurais, todos compartilham o mesmo sentimento de medo de ser vítima de um estupro, de um homicídio, de um latrocínio. O sentimento de medo é a expressão máxima de que o Brasil está perdendo essa guerra. A partir do momento em que o medo e a insegurança tomam conta da população, a sociedade vive recolhida, vive desconfiada, muda hábitos, ela paga um preço muito alto por isso. A qualidade de vida da população cai muito, principalmente a qualidade de vida dos mais pobres, porque essa violência atinge, principalmente, o setor mais empobrecido da população. A violência hoje no Brasil se transformou em um fator de exclusão social, é um fator de perpetuação da desigualdade social, dos guetos sociais onde esta violência está mais concentrada.

 

Como reverter essa situação com esses grupos armados?

Nós temos que ter uma estratégia bem ampla de ação. A primeira coisa que nós temos que ter clareza e os brasileiros tem que ter consciência disto, é que nós não vamos resolver o problema da violência no Brasil, com uma única medida, com duas ou três medidas. Não se resolve a violência apenas colocando polícia na rua, mudando a lei aumentando a pena, como muitos acreditam, não será matando bandido. Você vai resolver o problema da violência investindo no social, na saúde, na educação, etc. É preciso ter clareza que o fenômeno é difícil, é complicado e nós vamos resolver isso ao longo de um tempo, com um plano de ações muito abrangente, que vai envolver medidas de curto, médio e longo prazo. “Eu diria que, no mínimo, com ações de 10 anos de implementação. Será em uma década de sucessivos governos que nós vamos conseguir, se fizermos direito o dever de casa. Para isso, o Brasil precisa que os políticos se convençam da necessidade de uma política nacional de segurança pública, nos mesmos moldes que fez na saúde, na educação e na assistência social. Nós precisamos implantar uma política através de um Sistema Único de Segurança Pública, que tem que ser chancelada pelo Congresso Nacional. Isso não pode ser uma política do governo A ou do governo B. Você tem, de imediato, que melhorar a capacidade das polícias de investigar homicídios, roubos, capacidade para lidar com as quadrilhas de assalto a bancos. E isso se faz de duas maneiras: montar forças tarefas, com grupos de inteligência e operacionais com policiais e com promotores para reprimir essas quadrilhas. Esse é um trabalho de investigação e inteligência. Em segundo, nós precisamos implantar o que chamamos de ciclo completo de polícia no Brasil. A mesma polícia que faz o policiamento ostensivo tem que fazer o investigativo. Não dá mais para o Brasil atrasar a discussão da unificação das polícias estaduais. Esse modelo de polícia está absolutamente fracassado. Precisaria de mudança constitucional para unificar as polícias, criando a polícia única estadual e em terceiro, precisamos fazer um grande investimento no sistema prisional, com uma política de profissionalização do sistema prisional, com um sistema sócio educativo para o adolescente infrator. Precisamos investir na abertura de novas vagas para adultos presos e adolescentes custodiados, diminuir a superlotação, melhorar a qualidade dos serviços oferecidos aos presos, com assistência jurídica, assistência educacional, acabar com a ociosidade, investir na parceria com as empresas e nas parcerias público privadas, nas PPPs e Apacs. Tudo isso para que? Para diminuir a força das facções criminosas dentro dos presídios e diminuir a reincidência criminal. Isso é fundamental.

 

O que estamos vendo no Congresso Nacional é leis para armar a população como forma de enfrentar a violência. A violência pode aumentar com isso?

Essa não é a saída. Nós temos que fortalecer o estatuto do desarmamento. Armar a população é uma péssima medida. Quanto mais armas disseminadas entre a população, mais se favorece o mercado negro das armas, estimulando a criminalidade. A arma de fogo se tornará um produto muito desejado pelos bandidos o que tenderá a aumentar os homicídios e latrocínios. A violência tende a crescer. Nós precisamos fazer mudanças no Código Penal e no Código de Processo Penal, no meu ponto de vista. No Código Penal precisamos punir mais severamente os crimes contra a vida, como os homicídios, tentativa de homicídio, latrocínio, estupro seguido de morte. São crimes que tem que ter penas mais severas e, de alguma forma, dificultar a progressão de regime desses crimes. Além disso, precisamos mudar o Código de Processo Penal e diminuir o número de recursos, agilizar o fluxo do processo, diminuir a burocracia do fluxo processual. Outra medida fundamental: é preciso fazer grandes investimentos no Judiciário, aumentar o número de Varas Criminais e do Tribunal do Júri em várias cidades brasileiras. Nas cidades mais violentas do Brasil, o Judiciário é muito moroso, porque há uma sobrecarga de trabalho sob essas Varas. Há milhares de processos tramitando e é preciso aumentar a produtividade das Varas Criminais no processamento dos crimes violentos. É preciso aumentar a capacidade repressiva do Poder Público, é preciso diminuir a impunidade, a impunidade na aplicação das leis que é uma das principais causas da violência no Brasil. O outro lado da moeda é investir em projetos sociais focados na juventude, nos jovens residentes na periferia que são recrutados pelo tráfico de drogas. É preciso ter projetos sociais comunitários, esportivos, culturais e de geração de renda para esses jovens, impedindo que eles sejam facilmente cooptados pelo tráfico de drogas. São muitas medidas que tem que ser tomadas ao mesmo tempo.

 

Será preciso começar de novo na área de segurança?

Nós precisamos fazer com que os governadores e o governo federal lidem com a segurança pública de uma forma planejada, com planejamento estratégico de longo prazo e não fazer o que sempre fizeram: compra uma viatura aqui, contrata um policial acolá, compra arma de fogo, constrói um presídio de vez em quando. Foi sempre assim que a segurança pública foi gerenciada no Brasil. É o que eu chamo de gerenciamento de crise. Você atua sempre depois que o problema aconteceu Por isso que, para mudar a situação, para que esse pano nacional funcione, alguém tem que liderar isso. Tem que ter uma instância de coordenação, de execução, que tem que ser o governo federal e para isso defendo a criação de um grande ministério, o ministério da Segurança Pública, exclusivamente para cuidar da segurança pública. É preciso ter dinheiro. Nós gastamos em média, R$ 70 bilhões com segurança pública somando tudo, União, estados e municípios, salários, aposentadoria e é muito pouco. Nós precisaríamos ao longo dos anos, dobrar esse valor e para isso, é preciso uma fonte mais segura de investimentos para que ele seja compartilhado por estados e municípios.

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