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Wilson Melo Lima Jr: Unesco quer conectar a África ao mundo

 Investir na educação, na profissionalização, e conectar a África com o mundo, são tarefas delegadas ao brasileiro Wilson Melo Lima Jr (foto/divulgação), Conselheiro de Educação Profissional da Unesco para África. Para ele, há um desconhecimento em relação ao continente africano, levando a ações e posturas equivocadas em relação aos países africanos e seu povo. Mas é preciso preparar o jovem africano para que ele se qualifique para ajudar a desenvolver o continente sem precisar migrar para a Europa, investindo na internet, conectando-os ao mundo.

O mundo está mais intolerante e raivoso. A educação pode mudar essa percepção do outro, em especial do povo africano, e pôr um fim a esse discurso de ódio?

Principalmente nessa região em que eu estou, que se chama Sael, que é a região que divide o Saara da África Subsaariana, os países estão sendo afetados pelo terrorismo, por organizações terroristas que vem se aproveitando do baixo desenvolvimento relativo desses países para implementar esse discurso, que você chamou de discurso de ódio, que a gente chama de discurso extremista, o discurso da raiva, o discurso da violência. Eles vêm realmente fazendo isso, e isso é combatido justamente nas escolas. As escolas têm um papel prioritário para combater esse discurso, com a escola também trabalhando conjuntamente com as comunidades, porque esse é uma um problema multidimensional. É um problema que para você atacar para combater esse discurso de ódio, você precisa de atacar diferentes frentes. Você precisa ter uma educação para paz nos currículos formais na escola. Você precisa de criar um senso de comunidade, de pertencimento para que as pessoas se enxerguem como cidadãos. Vi que isso já está começando a acontecer também no Brasil, e é preciso tomar cuidado com falsas instituições que estão explorando as pessoas com promessas de trabalho, com promessa de uma qualidade de vida melhor, mas que na verdade leva essas pessoas para uma educação fundamentalista, baseada no radicalismo. Esse é um fenômeno que está acontecendo aqui na África, que eu já vi que está acontecendo também no Brasil e essa é uma preocupação global.

Esse discurso racista também está tomando o tom exacerbado, tanto nas comunidades negras como entre os brancos. que não querem perder privilégios. Como lidar com essas questões?

Só de curiosidade, estou em Dacar e em frente tem a ilha de Gorée, onde eles tinham um mercado de escravos durante os séculos de 16 a 19, e foi dali que saiu o maior número de escravos para o Brasil. E é justamente esse discurso racista, que é uma das formas, uma das vertentes desse discurso de ódio, que é muito apoiado nessa divisão para criar antagonismo, a polarização e hoje, principalmente com as redes sociais, com os seus algoritmos que privilegiam esse tipo de engajamento não qualitativo, acaba fomentando o engajamento sem a menor preocupação com o conteúdo. Esses temas que são polarizando porque eles criam esse engajamento, porque sempre você vai ter alguém que é radicalmente contra ou radicalmente a favor a alguma coisa. São fenômenos globais e são vertentes desse discurso de ódio. E mais uma vez, o combate a isso vem pela educação, pela sensibilização e pela alfabetização digital, que é uma das nossas frentes de trabalho principais aqui na África, que é a transformação digital.

Acompanhamos a fuga em massa de pessoas devido a fome, a miséria, a guerras, saindo da África. Mas essas pessoas sofrem uma forte rejeição, principalmente na Europa. Como analisar essa situação? Por que essa rejeição?

Talvez seja o desconhecimento, porque eu moro no Senegal e eu ando aqui numa tranquilidade sem comparação com as grandes cidades do Brasil. Ando a noite, de dia, assim como minha esposa e minha filha. Andamos por toda a cidade. Nos sentimos seguros, calmos e não há um histórico de violência contra o cidadão na maioria dos países aqui da África, salvo algumas exceções. Acho que isso é produto do desconhecimento. O que tem é o medo do desconhecido e acho que também setores da população se aproveitam desse discurso para fins políticos. Qual o sentido da Europa barrar imigrantes, sendo que a Europa é um continente que vem envelhecendo rapidamente, com falta de mão de obra? O europeu não quer fazer o trabalho mais manual, um trabalho mais simples, então qual é o interesse deles em não receber pessoas jovens, saudáveis que possam fazer esse trabalho que de certa forma eles não querem? Acho que tudo isso é produto do desconhecimento, porque vários países estão agora começando com novas políticas de imigração, fomentando essa imigração de pessoas jovens, porque estão experimentando o envelhecimento muito precoce e repentino.

É uma mão-de-obra que poderia estar sendo bem aproveitada e está sendo rejeitada?

Exatamente. E aí, o nosso desafio aqui na África é formar essa mão-de-obra. Nós estamos trabalhando em duas vertentes. A África é um continente com 54 países, caracterizado por populações muito jovens, populações grandes e que estão crescendo muito rapidamente, com uma taxa de fertilidade muito alta, e o nosso desafio aqui, no que tange a educação, é justamente formar esse cidadão para que eles estejam aptos a realizar o seu potencial como profissional e como cidadão. O que a gente busca na Unesco aqui na África, é trabalhar nessas duas linhas principais: a primeira como eu disse é a linha da digitalização. Essa de transformação digital que está acontecendo no mundo, com a internet permeando todos os aspectos da nossa vida, ela é uma coisa que nos une, igual está unindo você e eu nessa entrevista, em que estamos podendo falar à distância apertando um botão, com um custo praticamente zero. Ela aproxima quem tem as condições de acessá-la. Nós buscamos desenvolver uma digitalização que se torne mais inclusiva. Mesmo porque a digitalização vem se tornando rapidamente um direito humano, porque ela hoje é parte essencial da nossa vida. A segunda vertente é o nosso trabalho com empresas. Nós entendemos que o setor privado tem um papel muito importante a desempenhar na educação, na formação de pessoas. Por isso é muito importante contato próximo com as empresas e que elas realmente digam o que elas precisam em termos de perfil profissional, qual é o profissional que elas esperam que as escolas formem, qual a característica deles, quais as competências que esses profissionais precisam ter e, obviamente, precisamos do apoio das empresas também para pôr todo esse mecanismo em perfeito funcionamento, porque a educação é um serviço muito caro. No Brasil, se eu não me engano, 5% do PIB vai para a educação. Então é uma coisa muito cara, que precisa não só do governo, mas de toda a sociedade unida, voltada para aprimorar a educação. São nessas duas linhas que estamos trabalhando aqui para treinar essa população jovem, para que ela não queira ir para a Europa, que ela queira ficar aqui e desenvolver os seus países.

Seria conectá-las ao mundo?

Exatamente, conectá-las ao mundo. Acho que esse é o segredo, porque a revolução industrial já acabou. Não tem sentido para eles fazerem uma revolução industrial e tentar criar indústrias aqui e repetir um desses modelos de desenvolvimento econômico que muitas nações tiveram. Eles têm que ter esse pulo para o digital, para se ligar ao mundo, para prestar serviço para outros países. Temos aqui um terço dos países, que de maneira geral, fala inglês, outra parte fala francês e a outra fala português. Então temos uma população que poderia estar prestando o serviço em diversas línguas, poderia estar prestando serviços para os Estados Unidos, para Inglaterra. A população francófona poderia estar prestando serviços para a França para a Bélgica, o Canadá e a população portuguesa poderia estar prestando serviço para o Brasil e para Portugal. Então, temos de conectá-los ao mundo por meio da digitalização, por meio de serviços, por meio do aprimoramento do capital humano aqui da África.

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