O “vale tudo” de ontem na Câmara Federal, para a escolha da comissão que definirá a admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma mostrou que estamos, politicamente, no pior dos mundos. As agressões verbais, os empurrões, as acusações contra parlamentares, como as do petista Henrique Fontana (foto), que chamou Eduardo Cunha de “psicopata, corrupto”, acusando-o de não ter condições de continuar no cargo, mostram que atingimos a ingovernabilidade. Quem quer que vá comandar o país nos próximos anos- Dilma, Temer, ou outro qualquer, caso o TSE casse a chapa PT/PMDB por crime eleitoral- terá sérias dificuldades para conviver com o atual Congresso. Já vivemos uma experiência de impeachment e só conseguimos a ela pelo comportamento de Itamar Franco que, pelo menos publicamente, se manteve distante do debate e, após assumir a presidência, pela postura anterior, teve autoridade para construir um governo de coalizão do qual o PT se recusou a participar. E agora, quem terá condições de fazer isto? Temer acabou se queimando e talvez fosse exatamente isto que desejam os que fizeram vazar sua carta à presidente. E é ele quem, constitucionalmente, terá que substituir Dilma caso o impeachment acontece. E então, como ficaremos? Quem vai comandar a administração, quem vai liderar um processo político de recuperação nacional? Quem ficar com a cadeira estará, inevitavelmente, refém dos que lhe garantiram a vaga. E terá que pagar um preço muito alto por isso. Pior, o Supremo Tribunal Federal também será envolvido nesta guerra, como, aliás, já aconteceu no impeachment de Collor. À época, a beligerância era menor e os membros do STF não eram tão identificados partidariamente como agora. Estamos numa situação de alto risco.Dizem que aquilo que não tem solução, solucionado está. Neste caso qualquer solução,podem apostar, será muito ruim para o Brasil.
Bate-bocas e brigas
A vitória da chapa composta por dissidentes e deputados da oposição para Comissão especial de impeachment, por 272 votos contra 199 da chapa formada pelos líderes governistas, foi apenas uma demonstração do embate que está por vir. O clima está cada vez mais tenso no Congresso Nacional e começou um pouco antes da votação no plenário, no Conselho de Ética, que foi adiada, mais uma vez, sem votar o relatório para a abertura do processo contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Os trabalhos foram adiados e devem ser retomados hoje. Mas a tensão já predominava e no plenário o que se viu foram cenas de briga de rua, com bate-bocas, gritaria e quase agressões físicas. Muitos parlamentares e jornalistas afirmam nunca terem presenciado cenas como as ocorridas ontem, inclusive com a quebra de duas das catorze urnas de votação. Deputados do PT chegaram a se postar em frente a algumas cabines para impedir a votação. Após a vitória da chapa dois, que indicou 39 nomes, a escolha do restante para completar o total de 65 componentes da Comissão será definida hoje. Todas as cenas foram filmadas pelos celulares dos deputados. Em alguns momentos da votação podia-se ouvir gritos de “olha o japonês”, numa referência ao policial federal que ficou famoso na operação Lava Jato.
A opinião de quem terá que julgar
Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, o impeachment é um instrumento absolutamente legal, que está previsto na Constituição, e pode ser aceito ou rejeitado. Para ele, o país não está vivendo um quadro de ruptura. “Não me parece ser este o caso. Como também não tivemos ruptura institucional no caso PC/Collor. O remédio do impeachment é um remédio excepcional e, por isso mesmo, não pode ser tomado todo dia, mas, ainda assim, é um remédio constitucional- previsto, portanto, na Constituição para casos extremos – mas que não envolve ruptura constitucional”. O processo aberto na Câmara dos Deputados poderá acabar sendo judicializado, o que para o ministro é normal, por suscitar muitas discussões. “E me parece lógico que isto leve a uma judicialização da discussão. O que eu não sei é se as respostas que esperam serão dadas pelo Judiciário”. As declarações do ministro foram feitas durante o seminário A Nova Cultura de Mediação no Brasil e Administração Pública e Relações de Consumo, na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.