Nunca esteve tão em moda economizar e buscar soluções mais viáveis e menos onerosas para economizar água e energia elétrica. Mais do que conter os gastos no fim do mês, a preocupação é a de que em poucos anos vai faltar água para abastecer a população em todas as partes do planeta. Além disso, a população nas cidades brasileiras vai mais do que dobrar em 40 anos e para a secretária executiva do ICLEI, entidade internacional voltada para o desenvolvimento sustentável, Jussara Carvalho (foto), rediscutir as cidades passou a ser uma necessidade com as alterações climáticas. Jussara é também vice-presidente da Associação Nacional de Organismos Ambientais Municipais.
Qual a necessidade de se rediscutir as cidades neste momento?
É sempre muito importante a gente rediscutir as cidades. Dentro do aspecto climático, que neste ano fica mais destacado por conta da Conferência do Clima, que acontece a partir de amanhã, em Paris, há mais um ponto na discussão. As cidades brasileiras não estão acostumadas a inserir os temas climáticos nas suas análises, seja de plano de governo, de plano físico-territorial e tudo mais. No entanto, nós temos observado os eventos climáticos extremos, de como isso vem afetando as cidades e a necessidade de que elas, através de seus governantes estejam preparados para ter um planejamento mais adequado, que façam as pessoas mais felizes, que sejam mais inclusiva. Essa troca de informações e esse debate sobre as cidades trazem questões que são muito importantes. São formas diferentes de ver e inserir. Quando a gente fala de inovação todo mundo pensa em tecnologia, em altos instrumentos tecnológicos e não necessariamente é isso. São formas inteligentes de lidar com problemas velhos. As nossas cidades lidam com problemas velhos, não tem tratamento de esgoto, de resíduos. Tratar desses problemas e de todos os demais, como a mobilidade, que é um problema mundial, especialmente das cidades brasileiras edos países em desenvolvimento. Nestas cidades, o carro acabou ocupando um espaço importantíssimo e as pessoas acabam sofrendo as consequências disso, porque não tem mobilidade, tem engarrafamento, tem problemas na saúde e tudo mais. Quando a gente fala “vamos rediscutir a cidade?”, “vamos redesenhar, redefinir, ver o que está acontecendo?”, essas questões aparecem e exigem esse acordar dos nossos governantes para a necessidade de rever as cidades.
As pessoas estão com outras necessidades, apesar desses velhos problemas? As pessoas querem mais comodidade?
As pessoas estão cansadas. Viajar duas, três, quatro horas para ir trabalhar em um dia é demais. Isso também é um item a ser repensado. Como aproximar essa população, tornar esse viver mais compacto para ter menos emissão de efeito estufa, menos estresse, para as pessoas estarem mais tranquilas, chegarem no final do dia mais sossegadas e, lógico, ter também as coisas mais perto para ser mais facilmente acessadas. Uma padaria, uma loja, que faz parte da vida, mas de uma maneira mais inteligente. Não é inteligente você ter que atravessar uma cidade, andar duas cidades para trabalhar todos os dias. Assim também como os nossos alimentos, que veem normalmente de outras cidades, de transporte, com gasto imenso de energia, com emissões altíssimas de gás de efeito estufa. A mesma coisa com a captação de água. Nós contaminamos os nossos rios e vamos buscar nossa água a quilômetros de distância. Nós temos que limpar os nossos rios e usar e reutilizar a nossa água, sempre buscando cuidar do nosso espaço.
Havia uma tese até pouco tempo de que as cidades pequenas iriam acabar. Existe uma tendência nesse sentido?
Nós não temos esse dado. O que nós podemos falar é que a maior parte da população vive em cidades. No Brasil especialmente, mais de 80% das pessoas vivem nas cidades. Hoje, no Nordeste é mais de 90%. Em 40 anos nós vamos ter mais três bilhões- hoje já sã três bilhões e meio de pessoas- vivendo nas cidades. E é esse acréscimo que virá para as cidades dos países em desenvolvimento. São essas as cidades onde nós temos mais problemas com infraestrutura. O desaparecimento dessas cidades pequenas depende muito da atividade econômica. Dentro de um enfoque de sustentabilidade, não é isso o que nós queremos. Nós queremos que todas as cidades tenham condições de viver muito bem dentro do seu espaço, produzindo, consumindo dentro do seu espaço.
Em tempos de crise como fazer com que as cidades se tornem sustentáveis e colocar em prática esses projetos?
É um excelente momento, porque quando a gente tem abundância ninguém pensa em absolutamente nada. Quando a gente tem crise a gente tem que racionar o uso, racionar o consumo, o gasto e tudo mais. É um excelente momento para nós discutirmos novas formas de fazer as coisas e verificar que existem meios, ferramentas e metodologias que nos ajudam a ajudar os governos a entender que existem outros caminhos a serem seguidos, mais sustentáveis, inclusivos e que chegam às comunidades de forma mais sustentável.