O Brasil passou por vários momentos de turbulência política e econômica, sempre com graves consequências para a população brasileira. Mas nenhum durou tanto quanto a crise atual. O impeachment de Dilma Rousseff foi uma das consequências da gravidade da situação e agora o presidente Michel Temer patina entre denúncias e a necessidade de se manter o crescimento da economia brasileira. O prefeito de Montes Claros, no norte de Minas, Humberto Souto (foto), do PPS, conhece bem essa história. Ele era líder do ex-presidente Fernando Collor, que acabou renunciando ao cargo, antes de iniciar o processo de afastamento. A dimensão do escândalo, segundo ele, era outro, não com a gravidade como a crise atual.
O senhor já tinha passado por momentos como este no Brasil, mesmo no governo Collor?
Não. Já passei por momentos difíceis na época do Collor. Eu era deputado e participei diretamente, porque era líder do governo. Na época tivemos os movimentos nas ruas, “os caras pintadas”. Mas eram movimentos mais acomodados e o momento era outro no Brasil.
Com os crimes praticados pelos políticos atualmente, a abertura do processo de impeachment, que levou a renúncia do Collor, foi por um problema menor?
Não sei se pode dosar crime menor ou crime maior. Crime é crime. São momentos diferentes. A denúncia contra o presidente Michel Temer, a forma como Temer assumiu a presidência da República tem menos legitimidade do que a de Collor, que foi eleito em uma eleição direta como candidato à presidente. Mas acho que os momentos são diferentes. As razões são diferentes, embora todos os dois, Dilma e Collor, tenham saído com acusação de corrupção. É muito complicado comparar um momento com o outro. O Collor acabou inocentado pelo Supremo Tribunal Federal posteriormente. Na época não teve nenhum ministro que saiu ou que tenha sido acusado de corrupção. O processo ocorreu em decorrência da ação de pessoas que participaram do governo e intermediavam o recebimento de recursos que a União tinha que pagar. Em decorrência disso, havia o descontentamento e acabou tendo o impeachment. Hoje a carga de acusações é muito maior. Os acontecimentos na classe política e empresarial são infinitamente maiores. Não tem nem comparação.
O processo do Collor foi mais político do que de polícia?
Sim, ele não tinha base parlamentar, não tinha partido político. Eu era líder de um aglomerado de partidos que se uniram para garantir a governabilidade. Mas ele não tinha sustentação política. O Temer tem sustentação política dos partidos maiores do país.
O senhor acredita que o presidente Michel Temer ainda tem uma base para sustentar o seu governo?
Hoje ainda tem. Os partidos mantém o apoio, exceto o PSB, que saiu. Mesmo o PPS, que teve um ministro que saiu, o Roberto Freire, se mantém na base do governo.
A impressão que se tem é a de que o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal estão em choque constante, com interferências do Supremo nas decisões do Congresso. Essa situação é normal?
Isso ocorre por alguns fatores. O principal deles é a morosidade do Congresso em solucionar os problemas. Quando um problema representa perigo para a sociedade, ou necessidade de correções, o Supremo Tribunal Federal tem essa função. Na realidade não é uma invasão de poderes. O STF está agindo com legitimidade em algumas questões que o Congresso deveria fazer e não faz. Não é interferência, nem motivo de briga. Acho que o Congresso deve se tomar de brios e cumprir a sua função de fazer valer a legislação e fazer as reformas que precisam ser feitas.
O senhor acredita que o presidente Temer continuará no governo? Se não continuar qual deve ser o caminho?
Se chegar a um ponto de Temer não ter mais governabilidade, se perder o apoio do Congresso Nacional- da sociedade, devido as reformas da Previdência e trabalhista ele já perdeu e está com a popularidade em níveis baixíssimos- a maneira mais honrosa que ele teria, seria renunciar. Ele renunciando, tem que se proceder a obediência a Constituição. Nesse caso assume o sucessor na linha direta, primeiro é o presidente da Câmara, depois o presidente do Senado e o presidente do Supremo Tribunal Federal, nessa ordem. Se por alguma impossibilidade os presidentes da Câmara e do Senado não assumirem, o presidente do Supremo tem que assumir e em um mês convocar uma eleição indireta para escolher um nome para terminar o mandato e presidir as eleições do ano que vem. Isso pode se dar normalmente, inclusive com nomes equilibrados, limpos e corretos para terminar o mandato em um momento como este. Não há restrição a um congressista, com respeitabilidade para fazer essa transição, respeitando a Constituição. Eventualmente pode-se fazer uma reforma Constitucional rápida. A ministra Cármen Lúcia poderia assumir e fazer uma reforma urgente. Ela poderia ficar no governo até o final do mandato do Temer. Mas para isso, precisa votar uma Emenda Constitucional. Mas o Congresso quando quer uma coisa, faz tudo rapidamente. Quando não quer, puxa pra cá, puxa pra lá e aí, as coisas demoram. Ou ainda pode-se buscar uma pessoa do meio empresarial, no meio político, tem muita gente que poderia fazer essa transição. Não é todo mundo que é desonesto e que não tem brasilidade. Tem muita gente boa que pode ser escolhido.
A ministra Cármen Lúcia seria uma alternativa viável?
Acho que sim. Se chegar ao ponto de ela ter que assumir, acho que sim. Ela é uma pessoa equilibrada. Não tem experiência política. Mas ela terá que ter jogo de cintura para fazer a negociação com o Congresso, para discutir os problemas. Não pode ser uma pessoa “queixo duro”, sem capacidade de negociação e entendimento. Política é entendimento. Não é barganha, nem cargo, nem toma lá, dá cá, isso é o que é condenado pela população. É preciso ter respeitabilidade para que você possa negociar os interesses da nação.
A ministra Cármen Lúcia passou pela escola do ex-presidente Itamar Franco. Essa convivência deu experiência política a ela?
Acho que não. Acho que ela não tem essa experiência, mas não sei até que ponto ela tem a capacidade para buscar entendimento. Eu acredito que se o Congresso se imbuir da sua responsabilidade, com todos os defeitos que tem e com toda a desconfiança da sociedade hoje, o Congresso pode se transformar e sentir a responsabilidade que está sobre seus ombros e resolver os problemas do país. Acredito que pode acontecer isso. Temos muitos nomes. É claro que não temos um Ulysses Guimarães, com a sua experiência e capacidade, mas temos pessoas mais jovens e com o discernimento necessário para fazer essa transição. A questão é se Temer sai ou não sai. Se não sair, tem o impeachment. Essa é uma decisão do presidente da Câmara. Se abrir o processo, aí vai demorar um ano e acaba chegando na eleição.
A economia brasileira aguenta mais um impeachment?
Aí vem mais um problema, que é a economia. Com o país com 14 milhões de desempregados, saindo de uma recessão que durou três anos, se novamente aprofundar a crise, a desconfiança internacional e o desestímulo do empresário, vai nos levar a um outro processo de recessão e será imprevisível o que vai acontecer no país.