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Cervejas artesanais, um mercado em crescimento, mas arriscado

Carnaval, sol e cerveja.  Dizem que é disto que o brasileiro gosta. O sol permanece o mesmo, o Carnaval vai mudando – até Belo Horizonte virou cidade carnavalesca- e a cerveja segue o caminho de BH, com um mercado em mudança. São os novos cervejeiros, produtores ousados de cervejas artesanais, que mexem com o mercado, com produtos de sabor mais marcantes que os das marcas tradicionais, capazes de conquistar prêmios mundo afora. Há um alucinante ritmo ne criação de novas cervejarias no país. Mas o que parece ser um bom negócio, que vai levar os investidores a ganharem “rios de dinheiro”, pode não ser tão atraente assim, adverte Fabiana Arreguy, sommelier que popularizou as artesanais, através de seu programa “Pão e Cerveja, hoje transmitido pela Rádio CDL.  Arreguy e fundadora da Academia Sommelier de Cerveja, que ensina tudo sobre o produto. Inclusive os cuidados para não se enganar pelos encantos do mercado.

 

O boom do mercado cervejeiro aconteceu nos últimos 10 anos. Como surgiu esse mercado?

Há 10 anos o mercado praticamente inexistia. Tínhamos pouquíssimas cervejarias, micro cervejarias e trabalhávamos nesse ramo artesanal. De 10 anos para cá, mais precisamente, nos últimos cinco anos, esse movimento se acelerou de tal forma. Muitas cervejarias abriram, muitas pessoas que não têm cervejaria, mas produzem nas cervejarias dos outros, terceirizam a produção, entraram no mercado, que se ampliou de uma forma impressionante. Mas é bom frisar que ainda não foi medido, não se sabe a divisão desse mercado, no que diz respeito a consumo. O que nós sabemos é de um aumento gigantesco do número de cervejarias. Para se ter uma ideia, em 2007 tínhamos 100 cervejarias, hoje temos 680 cervejarias abertas no Brasil. É um crescimento de seis vezes. A expectativa é de um crescimento maior, mas não temos um mecanismo de pesquisa desse mercado artesanal. Nós só estamos vendo esse inchaço, de empresas abrindo, mais gente no mercado, mais produtos nas prateleiras.

 

São cervejas diferentes, mais saborosas?

Sim. Tem cervejas excelentes, premiadas mundo afora. Em Minas, nós temos várias cervejarias com produtos premiados nos Estados Unidos, no Chile, na Bélgica. Nós estamos com uma produção muito rica e muito interessante.

 

Qual o perfil desse empreendedor cervejeiro?

O que nós enxergamos é que tem muita gente entrando no mercado, por achar que esse mercado está dando muito dinheiro. As pessoas ainda não têm muita noção do que seja o negócio de cerveja, que é muito caro. Parece que está dando muito dinheiro, mas é preciso se fazer um investimento muito grande. As pessoas que estão empreendendo nesta área não têm muita noção desse custo alto que ele vai ter para manter o seu negócio aberto. Muita gente tem tido dificuldade de manter. Há uma desinformação sobre o tipo de negócio que é a cerveja e, como vemos muitos produtos nas prateleiras, muitos acham que as pessoas estão “rachando de ganhar dinheiro”, só que não é assim. O investimento que se faz para colocar esses produtos no mercado é muito alto, A taxação que as cervejas artesanais sofrem é absurda. É um negócio muito caro. O perfil do empresário que está entrando no mercado é de desinformado, esse que está se arriscando agora a abrir uma cervejaria.

 

É o consumidor que acha que pode produzir a própria cerveja?

Exatamente. Muita gente que faz a cerveja em casa, os amigos gostam e ele acha que pode abrir uma cervejaria e tem essa modalidade, que nós chamamos no nosso meio de cervejas ciganas, porque a pessoa não tem fábrica. Ela aluga um horário em uma fábrica e faz a cerveja para colocar no mercado. Muitas marcas estão produzindo com essa modalidade de negócio. O que está produzindo acha que todo mundo vai comprar, os amigos vão comprar, mas não funciona assim. Nenhum negócio funciona assim, com o que seus amigos te falam em uma festa da qualidade do seu produto, da qualidade do seu produto. Na hora H, o que vai contar é preço, é fama, se já tem um tempo de mercado consolidado. É uma dificuldade entrar nos pontos de venda, é muito complicado, porque os pontos de venda exigem uma pontualidade de entrega e as pessoas que não tem uma fábrica própria não tem como manter essa regularidade. Ainda existe um perfil de informalidade, com uma certa formalização, porque ao alugar o espaço em uma fábrica e sair com a sua cerveja registrada, não quer dizer que você vai “rachar” de vender no mercado e as pessoas acham isto.

 

É preciso de todo um planejamento antes de se arriscar no mercado?

O brasileiro acha que se o churrasquinho do fulano está fazendo sucesso, ele pode fazer também. Ele não faz um plano de negócios. Poucos cervejeiros fazem seus planos de negócio com sustentabilidade. Esse ainda é um mercado, que eu digo que nós estamos vivendo a bolha das aberturas. Nós não sabemos o que vem pela frente, de quantos fecharam porque não tiveram condições de ficar com as portas abertas.

 

De qualquer forma, foi um susto para a Ambev essa explosão no mercado de cervejaria artesanal?

Foi um susto e eles já estão planejando ações lá na frente, prevendo o crescimento desse nicho. A Ambev está comprando cervejas de marcas artesanais no mundo todo, não só no Brasil, nos Estados Unidos principalmente, porque eles já sabem que esse é um nicho com potencial de crescimento. Agora, ela está começando a comprar toda a produção de malte. No Brasil nós só temos uma maltaria, que fornece malte para as cervejarias. Essa produção vai praticamente toda para a Ambev. Eles estão comprando fazendas de lúpulo fora daqui, na Austrália, na Nova Zelândia, nos Estados Unidos, porque eles vão controlar os insumos, ou seja, as cervejarias menores terão que comprar esses insumos diretamente da Ambev. Ela já está pensando lá na frente, porque ela sabe que esse é um mercado que está crescendo.

 

É uma forma de controlar o mercado?

Exatamente, de manter a hegemonia no mercado. Hoje ela é, ainda, a maior e responde por mais de 80% do mercado de cerveja.  Primeiro, ela mirou nas próprias cervejarias e agora está mirando nos insumos, nos ingredientes que são necessários para fazer a cerveja. Nos Estados Unidos, por exemplo, a associação de cervejeiros artesanais é bem forte, bem mais forte do que aqui no Brasil. A participação de mercado das cervejarias artesanais nos Estados Unidos é muito maior. Eles respondem por 15% do mercado. Eles estão fazendo um selo de diferenciação das cervejarias que são independentes, que é uma cerveja que não tem ligação com nenhum grupo grande industrial, porque temos a Ambev e temos também a Heineken, que é um grupo gigante. Agora no Brasil, a associação de cervejarias artesanais lançou também um selo para diferenciar nas gôndolas para o consumidor, o que é cerveja artesanal e o que é a cerveja feita pela grande indústria.

 

Como uma cerveja pode ser qualificada como sendo um produto de qualidade?

Uma cerveja boa tem que ter um método de produção exemplar, não é igual a cachaça, que pode ser feita no fundo do quintal. A cerveja tem que ter um processo de produção que é bem mais higiênico, porque senão, não conseguimos fazer cerveja. A cerveja usa insumos de boa qualidade, malte sem mistura, não utiliza adjuntos desnecessários para render e baratear a cerveja. São cervejas que o processo de produção é controlado desde o início até o final pelo mestre cervejeiro e não pelo Departamento de Marketing. Uma cerveja de qualidade é aquela que o mestre cervejeiro tem todo o controle do processo de produção, ele sabe do processo desde a compra do insumo até o final, quando vai para a gôndola. As industriais têm muitos adjuntos, conservantes que fazem a cerveja durar mais, com uma diferença total no paladar, no sabor, no aroma dos ingredientes.

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