A saída do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, do governo alimentou um intenso debate sobre o futuro da reforma tributária no Congresso Nacional. O presidente da Associação dos Economistas de Minas e da publicação Mercado Comum, Carlos Alberto Teixeira de Oliveira (foto), considera que sob esse aspecto a saída de Cintra até ajuda na discussão, já que há uma forte rejeição à proposta defendida por ele, de voltar com um imposto semelhante a CPMF. Para Carlos Alberto, o governo está perdido em relação a reforma tributária e o país chega ao final de uma década com uma situação dramática, com uma queda na renda per capita brasileira de até 5%, quando no resto do mundo houve um crescimento de 18 a 19%, além de fechar o ano com um pibico, que significa um PIB ridículo.
A tramitação da reforma tributária fica comprometida com a saída de Marcos Cintra, que era um dos interlocutores do governo no Congresso Nacional?
Não acho que sai prejudicada, porque essa obsessão, um tanto quanto atávica, em relação a CPMF colocava em risco desmanchar todo o projeto de uma eventual reforma tributária, diante dessa insistência. Eu acho que pelo contrário, até facilita o debate, a discussão, porque retomar a CPMF é um tremendo retrocesso.
O ministro Paulo Guedes não descarta a possibilidade da volta da CPMF?
Ele pode até defender essa ideia, até por uma questão de compartilhamento com o auxiliar dele, mas não existe a menor possibilidade dessa proposta passar no Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já declarou peremptoriamente que isto não passa no Congresso Nacional. O que eu estou vendo é que existem algumas propostas, uma delas do Bernardo Appy, mas a do governo ainda não foi apresentada. De uma maneira global, tenho ouvido que existe uma tremenda timidez nessas propostas, elas não entram na questão mais crucial da realidade brasileira e não resolveria a questão. Considero a reforma tributária muito mais importante do que a questão previdenciária, inclusive na sua capacidade de influenciar em curto prazo e destravar essas perdas de crescimento econômico. Mas a essência dela em primeiro lugar.
O fato de ninguém querer sair perdendo é um problema?
É até compreensível de que a princípio, nem estados, nem municípios, nem a União, ao longo de 20 anos não terão nenhuma perda. Mas isso não é reforma. O ponto crucial da questão tributária brasileira é se o excesso de peso, penalizando principalmente o consumo e a produção. A carga tributária brasileira, sem considerar o resultado final, está dando em torno de 33,5%. Se colocarmos mais 7% no déficit nominal vai para 40% do PIB e isso é assustador para um Estado que não oferece praticamente nada em troca para o seu cidadão. Vamos ficar nos 33,5%. Metade disso, 16,5% praticamente, é incidência direta sobre a produção e sobre o consumo. Nos Estados Unidos a incidência da tributação sobre a produção e do consumo é de apenas 4,5% do PIB. Nós continuamos errados. Nós continuamos adotando um modelo completamente obsoleto, em que pese que há uma tentativa de se implantar o IVA estadual, que é muito bom. Na essência, não vai suavizar no bolso, não vai resolver os desequilíbrios que a atual situação provoca, mas tem uma certa vantagem que é a simplificação, a desburocratização e do outro lado, a implantação do IVA. Mas isso não é o suficiente. Não é o bastante, ainda mais que não haverá nenhuma perda para nenhum dos entes, então teremos uma meia sola. Entre mortos e feridos todos se salvarão. Carecia de mais ousadia. Não pode ser uma decisão de A, B ou C. Esse tema exige uma discussão mais ampla, até porque, não dá para cometer equívocos. Vamos imaginar, por exemplo, que a arrecadação diminua, caso a tributação se eleve ainda mais do que os níveis atuais, colocando aí, uma outra trava, pior ainda para o crescimento econômico. Por isso acho que a saída do Marcos Cintra ajuda.
O governo está perdido nesse processo? A demora na apresentação da sua proposta de reforma tributária é um sinal de que o governo não sabe o que fazer?
O governo não tem um esboço claro, objetivo, em que pese a ideia dele ser extremamente neoliberal, mas que é pouco aplicável para uma circunstância de país com condições tão peculiares como as nossas.
O governo vai fechar novamente com um pibinho. Esse desempenho não pode contaminar a economia também no ano que vem?
Não vamos falar em pibinho. O país, simplesmente, desaprendeu a crescer. O crescimento brasileiro está enferrujado. O paciente chamado economia brasileira sofre de uma síndrome de raquitismo econômico e não consegue crescer. País que não cresce é país condenado. Nós ficamos dois anos com PIB negativo, na casa dos 3,5% e nos três subsequentes crescemos em uma média de 1%. Se levarmos em consideração que a população cresce uma média de 0,75% ao ano, é a mesma coisa de dizer que corremos, corremos para ficar no mesmo lugar. Não vou nem chamar de pibinho, vou chamar de pibico, que é um PIB ridículo. É triste observar que essa década, ainda terminando 2020, imaginando que o PIB tenha um crescimento de 2%, nós vamos chegar ao final dessa década com uma renda per capita negativa, que no acumulado chega a 5%. Isso é uma coisa terrível, enquanto no mundo ela cresceu em 18% a 19%. Estamos caminhando para trás.