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Blog do PCO

Parceria Público Privada está ganhando espaço

* Entrevista com Luiz Antônio Athayde, ex- subsecretário de Investimentos Estratégicos 

Durante 35 anos Luiz Antônio Athayde trabalhou no serviço público mineiro. Nos últimos anos dedicou-se especialmente a estruturação e viabilização de Parcerias Público Privadas do governo estadual, e na introdução do conceito de Nova Economia em Minas, tendo como principal referência o Aeroporto Internacional de Confins que, acredita Athayde, terá forte impacto na modernização de nossa economia. Hoje consultor na área de parcerias, ele foi chamado pelo governo do Rio de Janeiro para participar de um grande esforço visando a construção de PPPs para dar solução a problemas como saneamento público na Baixada Fluminense. É para lá que ele foi com a convicção que o modelo de Parceria Público Privada é a melhor solução para dar qualidade e agilidade ao serviço público no país.

A Parceria Público Privada vai, aos poucos, ganhando espaço no país. Houve dificuldades para a sua aceitação?

No Brasil, quando este assunto começou a ser ventilado, ainda no governo FHC, havia uma grande indagação sobre como o setor privado poderia ser mais presente, como implementador da plataforma de infraestrutura do país, sabendo-se que não havia a menor possibilidade dos orçamentos governamentais, em todos os níveis darem conta da colossal demanda de infraestrutura em todas as áreas. Desde o início se percebeu que o problema não era a falta de recursos ou de disposição do setor privado em ter um papel mais efetivo no processo. O problema era falta de ambiente, de confiança, da falta de um regramento legal que desse condições para que o setor privado convivesse, por tão longo tempo, com o setor público. Havia uma demanda para um transitório institucional em que um setor privado pudesse compreender que o setor público estava se preparando para esta convivência de longo prazo. O setor público precisava dominar aquilo que queria contratar Aquilo que o setor privado precisaria construir e depois administrar, dentro de uma regra de convivência muito clara e transparente, já que para o setor privado isto tinha que ser um negócio rentável. Não um negócio indecentemente rentável, mas um negócio rentável e que desse capacidade ao setor privado prestar um serviço, sendo remunerado pela qualidade deste serviço. Porque não se cobra do setor publico qualidade do serviço. Então a questão era definir uma regra para que a iniciativa privada, acompanhada de perto pelo setor público, entregasse um serviço, independente da área, de qualidade e com preço compatível. Em Minas houve a crença de que o sistema poderia frutificar e isto aconteceu.

O sistema prisional é um exemplo?

O sistema prisional em Minas Gerais, em PPP, hoje é exemplo não só para o Brasil, mas para o mundo. Pela primeira vez estamos vendo de uma maneira bem destacada, sem nenhum demérito a outras iniciativas, que nas três unidades em funcionamento- duas outras estão em construção- a capacidade de ressocialização do interno é real, com taxas muito mais elevadas que nos demais modelos. Mas a gente tem que ter consciência de que PPP não é a solução para tudo. PPP é um caminho para encontrar soluções de maneira consistente, mostrando que o setor privado tem outro papel que não apenas de ser contratado pelo setor público para fazer obra. Há nele capacidade em termos de gerenciamento, em termos de tecnologia, em termos de resposta mais rápida, em lidar com cobrança por qualidade de serviço, o que não acontece no setor público. O setor privado aceita se preparar para isto e mais, que o pagamento seja condicionado a isto. Então é esta a diferença.

As PPPs substituem as concessões?

Não. Na realidade, é uma questão só de distinção. Qualquer Parceria Público Privada, qualquer uma, seja concessão administrativa ou concessão patrocinada, ela, em sua essência, é uma concessão. Ela é uma costela da Lei Geral de Concessões. É preciso afastar esta falácia de que PPP é forma de privatização. Não tem nada disto. É uma concessão. Todo o ativo formado, uma ponte, uma estrada, um presídio, que é construído ou operado pela iniciativa privada, desde a origem do contrato, ele é do Estado. Não há uma transferência de propriedade do bem público ao privado. O privado , durante o período concessional, tem a posse para operar aquele bem para prestar o serviço. Apenas isto. Então, é uma concessão muito bem tipificada, muito engenhosa, porque na realidade ela não deixou de se valer do instituto geral das concessões que nós já tínhamos no país. Mas então qual é a grande diferença? É que em se tratando de Parceria Público Privada, é por isso é mais sofisticada, é mais complexa. Nela cabe ao privado fazer todo o investimento e ter a remuneração do ativo formado e buscar o seu lucro naquilo que ele recolhe do usuário. Nas PPPS você tem algum recolhimento do usuário, como no caso das estradas, onde há o pagamento de pedágio. Mas aquilo que se recolhe do usuário do serviço não é suficiente para formar a receita que garanta, ao concessionário, a rentabilidade que ele precisa para manter o serviço e realizar todas as intervenções ao longo do período para que o serviço seja feito dentro das bases pactuadas. Ai você tem que complementar com o pagamento público o valor do que se recolhe do usuário.

A presença do Estado é maior na PPP do que nas concessões?

A presença do Estado é maior mas não para construir ou operar os serviços. É maior na fiscalização porque o pagamento é feito mediante o cumprimento de indicadores de performance, diferente da concessão. Numa concessão pura, o concessionário só perde a concessão se ele abandonar o contrato . Na PPP não. O Estado tem que acompanhar todos os meses a prestação dos serviços porque ele paga é por indicadores de desempenho. Vamos dar um exemplo muito claro: os presídios. Você tem lá um conjunto grande de indicadores, desde a qualidade da comida, da qualidade do ensino, da segurança e toda a manutenção das celas. Isto é visto todos os meses por um verificador independente. Esta verificação é passada ao Estado para que ele pague o equivalente aos indicadores da performance dos serviços. Se o serviço não for 100%, o Estado vai pagar 90%, 80% do valor pactuado, até que o serviço se recomponha. Isto é a essência da PPP. Outro detalhe muito importante nas concessões patrocinadas, como é o caso dos presídios, é que o único usuário da PPP é o próprio Estado. O Estado é que paga 100% do valor, sem coleta de recursos de outros usuários. Este também é um processo que avançou muito. Nós temos que avançar neste regime e dar mais transparência para que haja uma melhor convivência entre o setor público e o privado. Onde o privado acredite que o setor público se preparou, que vai haver recursos destacados para isto e que vai ter uma gestão sem apadrinhamento, uma gestão clara para o acompanhamento da qualidade deste serviço.E pagar por esta qualidade.

Sem considerarmos a questão da qualidade. A oferta de serviços por PPP é onerosa para o Estado do que a oferta direta de serviços?

Não necessariamente. Até muito pelo contrário. Ela, ao longo do tempo, mostra-se mais em conta, tanto no custo do investimento, que é de responsabilidade do privado na origem, como na manutenção. Há um detalhe que a gente tem que entender. Quando se contrata um serviço por PPP, dali para frente a correção do contrato é só pela inflação.

Não tem aditivos?

Só cabe aditivo se você aumentar a atividade. Aí é claro. Isso, na realidade, é algo a favor do próprio serviço público, que muitas vezes, precisa de algumas adaptações e que ele tem que se valer daquela estrutura que está pronta. Ele tem de flexibilizar o contrato e recepcionar um novo padrão de serviço. A gente não tem que ter dogma em relação a isso. Agora, tem que ser em condições absolutamente transparentes. A relação de confiança é o principal ativo do setor público para fazer com que o setor privado se prepare para implementar, construir e administrar uma Parceria Público Privada, não importa para que setor.

 

A presidente Dilma vai lançar um programa em forma de concessões e a PPP é a única forma de investir. O Governo Federal tem credibilidade?

Não digo o Governo Federal. Qualquer governo, municipal, estadual ou federal, tem que criar essa credibilidade, tem que pavimentar uma rede de confiança, senão não vai adiante. Não adianta querer fazer PPP com carta marcada porque não vai. Na origem, o setor privado precifica isso e isso vai dar problema na frente. Então é melhor nem fazer. E quando estou dizendo carta marcada, é entender de que esse sistema todo que vem aí é passado. O Brasil não aceita mais essas práticas antiquadas, que de fato arruínam a capacidade e a velocidade com que nós precisamos melhorar o padrão de qualidade do serviço à sociedade e em preços mais condizentes. Imagine hoje o que é uma estrada? Uma obra pública, e cinco anos depois está o setor público voltando para contratar manutenção da estrada. Não seria mais fácil que o próprio privado fizesse o investimento, sendo ele o detentor desse ativo por 20, 30 anos? Certamente ele será mais zeloso, mais caprichoso para fazer esse investimento na origem, até para que custe menos e para oferecer um serviço melhor. Isso não é uma crença. O mundo está mostrando que isso de fato acontece.

Não dá uma coceira nos governos para depois de instalada a PPP, tentar interferir mais no processo?

Eu acredito que todos os governos hoje, no Brasil, estão em um processo de aprendizado, muito por cobrança da sociedade, e não dá mais para improvisar. Não tem folga em orçamento. PPP não é a salvação porque não tem dinheiro público, fonte direta para fazer. É porque nós temos que dar mais braços, ter mais mãos dadas para prover as demandas da sociedade e tem que chamar o setor privado, onde ele pode ter um papel mais relevante e deixar claro que você não pode fazer PPP de tudo.

Em que setores, por exemplo, é possível fazer. O Pezão falou que até saneamento na baixada fluminense será com PPP?

Aquilo não é uma obra simples. Você prover saneamento para dois, três milhões de pessoas, de maneira que o padrão da intervenção deve ser, tem que ser muito inteligente. Não é uma intervenção fácil. Inclusive é preciso implantar a cultura de cobrar por isso. Ninguém se recusa a pagar quando tem um bom serviço. O que ninguém aguenta mais é pagar por um serviço de má qualidade ou pelo não serviço. Nós temos muitas situações em que se cobra pelo serviço, quando não se tem. Esse tipo de situação tem que acabar. Cada vez mais os governantes estão percebendo que a sociedade quer uma coisa singela, simples, que não pode mais ser adiada. A sociedade quer um padrão de serviço melhor e rápido. E isso prova que as Parcerias Público Privadas têm que inaugurar algo que o país está precisando, que é a própria reforma do Estado. A reforma tem que nascer pela própria demanda da sociedade e e o Estado tem que se preparar para isso. Na gênese, é um capítulo importante na área econômica, em que o estado tem que se preparar para ter pessoas qualificadas, criar esse ambiente de confiança, dar perenidade, mostrar que o governo sabe o que quer contratar, para tirar essa visão curta de que vai mudar no ano seguinte. De que passou o governo, isso vai mudar. Isso não pode acontecer, senão nós não vamos entronizar as PPPS como um valioso mecanismo que vai tentar minorar essa que é uma grande chaga na sociedade brasileira: não ter qualidade nos serviços. Quando falamos em infraestrutura, falamos em perdas de vidas, de competitividade, de emprego. Só não enxerga quem não ver isso. Acredito que com as PPPs, nós vamos inaugurar um novo tempo na relação dos empreiteiros com o próprio Governo. É que desde a origem de uma PPP, você cria ambientes de absoluta transparência de gestão.

Aí não dá para ter Petrolão?

Não vou dizer isso. Não dá para ser qualquer coisa. Desde o início sabe-se o que quer contratar, o indicador de desempenho que tem que ser, o parâmetro de preço que pode cobrar e com lucro. Tem que ter lucro decente. Não podemos pensar que a iniciativa privada vai fazer doação da sua capacidade de reinvestimento.Mas para a sociedade isso é muito mais barato do que continuarmos com essa coisa intrincada, onde não há dinheiro para fazer o investimento público Muitas vezes o investimento público é todo fatiado, não ganha eficiência. Você já viu uma ponde funcionar se você não faz as cabeças de ponte de nível da estrada? A obra está pronta e você não usa a infraestrutura. Isso é, na realidade, uma regra nesse país. São 10, 15 mil obras em que você gastou bilhões de reais e elas não são de uso da sociedade. Não estou falando que são bem feitas ou mal feitas. Você tem uma obra em PPP, se for uma contratação bem feita. Mal feita. Não tem.

E não tem obra sem utilidade, não é?

Não tem. Você tem que pagar por prestação de serviço. Não pode pagar se o investimento não tiver sido feito. Para que você tenha o financiamento para fazer a obra, o contrato da PPP é a garantia para o banco financiar. O que nós temos que ganhar é celeridade, bons projetos. Por isso iniciativas como as que temos hoje, como os da Empresa Brasileira de Projetos e outras que surgiram, com o BNDES e outros bancoso financiando a elaboração dos projetos, são muito importantes. Nós temos que acostumar e aprender que coisas que demandam tempo, não podem perder tempo, e devem começar já. Num projeto de infraestrutura gasta-se dois anos para elaborar, mais três para executar. Então, nós temos que entender eu isso de demora das definições não pode mais. É preciso dar um basta à improvisação. È preciso que se tenha coragem para fazer as escolhas. Com certeza, um bloco consistente de Parcerias Público Privadas muda a visão que a sociedade pode ter de um governo, porque ela vai enxergar o Estado, ela não vai enxergar a concessionária A, B ou C. Ela vai saber que na realidade, é o Estado que está realizando aquela obra, dando solução para o problema.

É o estado que aparece.

É, e o estado precisa investir em credibilidade. O principal ativo do serviço público não é o dinheiro, é confiança, é credibilidade. Minas Gerais, nos últimos 12 anos conseguiu criar um esteio de credibilidade, porque fez a coisa certa. É reconhecido hoje no Brasil, que aqui se formou a melhor política de PPPs.

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