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Setor siderúrgico espera nova postura do novo governo

O mercado do aço no mundo vive momentos especialmente difíceis desde que a China passou a responder por 50% de toda a produção mundial. No Brasil as siderúrgicas também sofrem com o agravamento da crise econômica e com a decisão do governo anterior de não se manifestar em relação ao assunto, porque a China é o principal parceiro comercial do país. O presidente da Usiminas, Sérgio Leite, disse que o setor espera uma posição diferente do presidente Michel Temer, que fez a sua primeira viagem internacional justamente para a China. Mas para Sérgio Leite (foto) a indústria brasileira sofre, principalmente, devido ao processo de desindustrialização, que vem ocorrendo ao longo dos últimos anos.

 

A situação econômica do país inibe a atração de investimentos?

O que estamos enfrentando hoje no país é uma crise político-econômica. Evidentemente, o que mais afeta a vida das pessoas é a situação econômica. Nós vamos ter este ano uma queda significativa do PIB, no mesmo patamar que tivemos no ano passado. Em 2014, embora no final tenha se apurado um PIB de 0,1 %, mas na verdade foi também um ano difícil. A economia brasileira nos últimos três anos atravessa um momento extremamente delicado. Na indústria, neste momento, percebemos que a economia parou de cair. Estamos em um momento de estabilidade, com um viés, diria até ligeiramente positiva, até porque a recuperação da economia, dado o que aconteceu no nosso país, vai demorar muitos anos. Nós fizemos no final do primeiro semestre, início do segundo semestre um ponto de inflexão, estamos agora em uma fase de estabilidade econômica, o que significa que não cai, nem cresce, mas com uma perspectiva de crescimento para os próximos anos. Dentro deste cenário econômico, o que mais preocupa a nós da indústria é o que aconteceu na indústria nos últimos 15 anos.

 

Houve um processo de desindustrialização?

Nós atravessamos nos últimos 15 anos um processo de desindustrialização do país. Há 15 anos, a indústria de transformação tinha uma participação no PIB da ordem de 25%. Em 2015 essa participação veio para valores inferiores a 10%. Esse ano cairá mais um pouco a participação da indústria. O Brasil é uma das maiores economias do mundo, está entre as 10 maiores economias do mundo. Um país como o Brasil precisa de uma economia forte, precisa do emprego gerado pela indústria. E essa indústria, no contexto nacional, está sofrendo impactos negativos muito sérios e, evidentemente, com reflexos na vida de cada brasileiro. A grande preocupação não é só a situação econômica e a queda do PIB, mas principalmente com o que acontece com a indústria. O agronegócio, por exemplo, vai muito bem e é bom eu seja assim. O Brasil é o país hoje de maior produtividade no segmento do agronegócio e isso para o país é muito bom, mas não podemos nos descuidar da indústria.

 

O governo está pagando o preço por não ter investido na indústria?

Sem dúvida, o impacto maior dessa crise econômica que nós estamos vivendo hoje no Brasil atingiu a indústria. E nesse contexto, o impacto oi forte para da Usiminas, pois nós somos uma indústria e temos cerca de 400 clientes ativos e todos são da indústria. Nenhum deles fala que está investindo em 2016, ou que as vendas vão aumentar. A grande maioria dos nossos clientes foi fortemente afetada pela crise. Muitos dos nossos clientes vivenciam o encolhimento dos seus negócios e isso nos afeta diretamente. Nós precisamos ter hoje no Brasil uma priorização da indústria como fator importante para o crescimento do país. Nós da indústria não estamos satisfeitos com o grau de prioridade que a indústria tem no desenvolvimento brasileiro.

 

A decisão do governo de retomar as obras inacabadas vai, de alguma forma, amenizar a situação para o setor siderúrgico?

Pode ajudar, sem dúvida. O negócio do aço tem duas grandes alavancas que mobilizam o nosso negócio. Uma dessas alavancas são os investimentos, que nos propiciam negócios principalmente com uma gama de produtos que envolvem chapas grossas e laminados a quente. Nós temos quatro grandes famílias de produtos que são as chapas grossas e laminados a quente, laminados a frio e os revestidos. Os investimentos impulsionam os nossos negócios em chapas grossas e laminados a quente. Um exemplo de onde nós estamos sentindo bastante e de forma negativa a crise, é o setor de óleo e gás. Esse setor praticamente parou e isso impacta os nossos negócios. Se o país, que vem tendo nos últimos anos queda nos níveis de investimentos, voltar a investir, será muito positivo.Outro aspecto é o consumo das famílias. O que nós estamos observando é o aumento do desemprego, é uma forte redução das pessoas que estão trabalhando e que são economicamente ativas, uma queda na renda mensal e o consumo das famílias afeta principalmente os bens de consumo: os automóveis, os eletrodomésticos e outros produtos de consumo. Ações que o governo fizer no sentido de incentivar investimentos e de geração de emprego e renda, vão permitir às famílias comprar mais eletrodomésticos, mais automóveis.

 

O senhor acha que o processo de impeachment se estendeu muito, acarretando a paralisação da economia?

O processo de impeachment, em qualquer democracia, é um processo delicado e nos últimos dois anos nós estamos com esse tema na pauta da discussão política. Esse processo requer tempo para que se siga os rituais, que no Brasil foram estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal. No momento em que um tema de tal gravidade em uma democracia, como é o impeachment, está na pauta política pelo tempo que for, ele afeta a confiança e o humor da sociedade.

 

O mercado do aço tem sido muito afetado pela China. O presidente Temer foi justamente para a China. O assunto do aço deveria ter entrado na pauta da viagem?

Em um universo de dezenas de nações produtoras de aço, só a China detém 50% da produção. Há 15 anos ela só tinha 5%. E desses 50% da produção que ela detém, a grande maioria é propriedade estatal, onde a indústria é agraciada com subsídios, com financiamentos de custo baixo. Nós sabemos que o custo da mão de obra na China, comparado aos custos ocidentais, é muito mais baixo. Mas são vários fatores, que levam a uma reflexão muito importante, que é discussão se a China é ou não uma economia de mercado. Sou vice-presidente do Instituto Aço Brasil, e para nós no Instituto, que representamos toda a indústria do aço brasileiro, a China não é uma economia de mercado. Nós já levamos isso ao governo. Nós realizamos um trabalho com o Governo Federal, no sentido de dar isonomia e condições competitivas a indústria brasileira, especificamente na cadeia da indústria do aço e de toda a cadeia que envolve nossos clientes, como a indústria automotiva, o setor de bens de capital e uma série de entidades que trabalham conosco. No governo anterior, nós fizemos diversas discussões com relação a China, sobre o seu reconhecimento ou não como economia de mercado. A posição do governo anterior, sempre de uma forma muito clara, era a de que a China é o maior parceiro comercial do Brasil, portanto, o governo brasileiro não pode atuar contra a China. Nós temos confiança de que o governo Temer mude essa posição e que tenha levado, nessa sua viagem à China, a busca de um equilíbrio, que permita à indústria brasileira concorrer de forma equilibrada com a indústria chinesa, pelo menos no Brasil.

 

Países como Estados Unidos e Índia estão atuando para barrar esse avanço da China no mercado do aço, isso pode ser um aceno para regulamentar o setor?

Em termos de defesa comercial, a atuação dos Estados Unidos é ótima e muito superior a ação de defesa comercial brasileira. Os EUA têm aberto processos antidumping em relação aos produtos chineses de forma muito intensa. No mês de dezembro vai ter que ser tomada essa decisão se a China é ou não uma economia de mercado. E a nossa expectativa é a de que EUA e Europa se posicionem contrários a esse reconhecimento. Se esse reconhecimento acontecer, as regras de comércio regidas pela OMC (Organização Mundial de Comércio) serão aplicadas e a China, mais cedo ou mais tarde, vai ter que se adequar a essas regras.

 

Qual é a produção brasileira de aço?

O Brasil hoje tem uma capacidade instalada de produção de aço na ordem de 50 milhões de toneladas, para um total de capacidade instalada mundial de 2,1 bilhões de toneladas/ano. A capacidade instalada do Brasil representa 2,5% da capacidade mundial. Não é muito, mas não é pouco. O grande foco da indústria brasileira do aço é o mercado interno. Na Usiminas a nossa linha estratégica sempre foi 80% dos nossos negócios no mercado interno e 20% na exportação e buscando operar sempre com a nossa capacidade plena. Se havia um desaquecimento no mercado interno, aumentava-se as exportações e mantinha-se as unidades a plena carga. No momento, nem a Usiminas nem as demais empresas do setor estão conseguindo fazer isto. No mercado interno nós estamos em uma situação de depressão muito forte em relação ao consumo do aço. O Brasil tem, nos últimos 40 anos, um consumo per capita de aço da ordem de 100 quilos por habitante/ano nos últimos 40 anos. Pesquisei as 30 maiores economias mundiais produtoras de aço e verifiquei como foi ao longo dos últimos 50 anos a evolução do consumo de aço. O Brasil foi a única economia que teve o seu consumo oscilando ora para mais, ora para menos, de 100 quilos de aço por habitante ao ano, o que é muito baixo. Nos países industrializados, nas economias já maduras, esse consumo é da ordem de 300 a 500 quilos por habitante. Em países como a Coréia, o consumo é de mais de mil quilos ao ano. O Brasil tem um potencial muito grande.

 

O presidente Temer estava com limitações para aprofundar nessas mudanças. A partir de agora o governo terá condições de atender a indústria brasileira?

Ele terá sem dúvida melhores condições para conduzir o país no rumo da retomada do crescimento. Sem dúvida as condições tornam-se mais fortes para ele. O país terá que passar por medidas fortes No momento em que elas forem tomadas podem ter impacto na vida das pessoas, mas elas são necessárias. Nós temos que fazer as reformas tributária, da previdência, temos que equilibrar as contas públicas, temos que fazer reformas que tragam condições para as empresas investirem mais, reduzir a médio e longo prazo o custo do dinheiro, estou falando da taxa Selic, temos que atuar para baixar a inflação fortemente. São medidas duras e que enfrentam resistências, mas elas são necessárias para o Brasil. Não pode continuar com esse déficit nas contas públicas, com a perspectiva de colapso na previdência. Vai haver muita discussão, muita resistência, mas o novo governo terá que tomar essas medidas. E a nossa expectativa é a de que as tome.

 

O pior já passou?

O pior já passou, mas eu diria que nós estamos apenas no começo. Nós quando assumimos, na primeira reunião que fizemos, no primeiro dia da nova diretoria, nós reunimos cerca de 1.500 empregados de todas as unidades e comentei que a Usiminas é fruto de um sonho de jovens mineiros, e meu pai estava entre eles. Era uma Belo Horizonte com pouco mais de cem mil ou 200 mil habitantes. Na época. Juscelino Kubitschek era prefeito. Eles sonharam que o estado de Minas tivesse uma grande siderúrgica. Esse sonho que foi acalentado nas décadas de 40 e 50 se tornou realidade em 1956. Estamos fazendo neste ano, 60 anos de fundação e 54 anos de operação e quem tornou esse sonho realidade não foram só os empresários, como Juscelino Kubitschek. Eles se encontravam no café na Praça Sete e esse sonho se tornou possível e real quando Juscelino chegou à presidência da República. Temos hoje no grupo Usiminas cerca de 15 mil pessoas. Na reunião com os funcionários da empresa disse que nós precisamos voltar a sonhar. E a Usiminas voltou a sonhar.

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