Segundo dados citados em recente seminário realizado pela Assembleia de Minas, para discutir a judicialização na saúde, perto de 30% dos pacientes internados em hospitais brasileiros, saem da internação com alguma sequela. Este dado, que assusta, é contestado pelo presidente da Associação Médica de Minas Gerais, e segundo vice da Associação Médica Brasileira, Lincoln Lopes Ferreira (foto). Para ele os números citados no seminário podem até fazer parte de um “banco de dados” qualquer, mas não representam a realidade. Para ele, a realidade é bem outra. Embora existam dificuldades, e eles não a nega, o médico garante que os hospitais- Belo Horizonte é uma referência nisto- tem procurado o aperfeiçoamento dos atendimentos e mostram, cada vez mais, maior segurança no serviço prestado aos pacientes. Na entrevista abaixo Lincoln Lopes Ferreira comenta a proliferação de escolas de medicina pais afora, a proliferação de laboratórios clínicos em Belo Horizonte e critica o programa federal de contratação de médicos cubanos.
A proliferação das escolas de medicina contribui com essa ideia de que os profissionais que atuam na área de saúde não têm uma boa formação?
Isso é uma coisa para o futuro. Esse custo para a sociedade brasileira está em gestação. A maior parte das escolas abertas nesses anos nós criticamos é por não terem laboratório, corpo docente, qualificação devida e, sobretudo, por não terem hospital escola. Esse custo vai recair sobre a sociedade brasileira no futuro. Nós não estamos falando de profissionais que já estão no mercado, em sua maioria extremamente qualificados, dedicados e que procuram o tempo todo qualificação profissional. Basta dizer que, dos eventos técnicos, pelos dados da Belotur, ocorridos a cada ano em Belo Horizonte 65% são da área médica. Os outros 35% de todas as outras áreas, mostrando o interesse do médico em procurar qualificação profissional.
O dado da Organização Mundial de saúde de que 50% das prescrições médicas estão erradas. No Brasil nos estamos em que nível?
Eu não consigo fundamentar dessa forma. Se esses 50% das prescrições médicas estivessem inadequadas, nós teríamos danos desastrosos à saúde. Nós estamos, na realidade é jogando dados sem sustentação. É preciso esclarecer, que à semelhança do que acontecia com aquelas televisões antigas com imagem tremida, e que exigiam constantes ajustes, o tratamento médico também necessita de ajustes, da busca da sintonia fina. Eventualmente um tratamento poderá ter rigorosamente a dosagem e o tempo de que a pessoa precisa fazer uso do medicamento. Daí a importância do controle, que precisa ser feito rotineiramente para que seja feito algum tipo de ajuste. Se você disser, com base no diagnóstico clínico, que vai ser acertado 100% da primeira vez, pode até acertar, mas não é isso que ocorre. Nós fazemos correções o tempo todo e a maioria das pessoas acaba se curando.
Em Belo Horizonte está ocorrendo uma proliferação de laboratórios. Isso significa que a nossa saúde está melhor ou profissional não está conseguindo trabalhar sem exame?
O laboratório é uma porta a mais. A maioria dos exames é de altíssima qualidade, independente do laboratório. Os profissionais, por outro lado, têm que ter sintonia. Um dado que se coloca, por exemplo, é que 70% dos exames solicitados são normais. E tem que ser isso mesmo. A maioria dos exames que você pede é para se certificar de, em uma ou em outra direção, há uma doença. Não tem nada de errado se eu tenho a suspeita de uma pedra na vesícula e peço um ultrassom e o exame vem normal. Se não era aquilo, tenho que tentar em outra direção. Essa questão da melhoria da assistência à saúde vai se colocar muito na questão da qualificação e da motivação do profissional. E nesse aspecto, o que nós vemos, infelizmente, nos últimos anos, é um espetáculo deprimente, com um financiamento inadequado, com as estruturas cada vez mais sucateadas, não existindo estabilidade para os diversos profissionais que compõe o quadro da saúde, o que consequentemente, vira um círculo vicioso em que ninguém está satisfeito. Se você perguntar para o paciente ele vai dizer que não se sente bem, que não está sendo bem atendido, ninguém está satisfeito. A saúde pública e a saúde privada são vasos comunicantes.
O governo quis passar a ideia, com o programa Mais Médicos, de que a saúde no Brasil vai bem?
A primeira pergunta é: eles são realmente médicos? Nós não sabemos qual é a formação deles. Não tem certificação de diploma semelhante ao do brasileiro, que tem que passar por duros testes de certificação. Se você não sabe a qualificação do profissional, como você vai exigir algum padrão de qualidade? O TCU exigiu o mínimo de padrão de qualidade do Ministério da Saúde e não obteve nenhuma resposta. O que o TCU constatou foi que as cidades atendidas pelo Mais Médicos chegaram menos médicos do que saíram. Ou seja, o programa desmotivou aqueles que estavam presentes e houve uma redução no número de médicos. O esperado número de consultas não resolveu e para não dizer que só falamos mal, em uma cidade dos 5.570 no país, houve uma melhora dos indicadores de saúde, o que mostra o índice de empulhação de um programa que foi feito, basicamente, com o único objetivo de mandar dinheiro para o exterior o que foi bem feito nesse tipo de programa.