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Zeina Latif: As resistências à reforma tributária

A discussão da reforma tributária tem tomado conta dos debates nesses primeiros meses de governo Lula. De um lado há a desconfiança de alguns setores e de governadores e prefeitos que temem perder recursos. Há também uma cobrança para que a máquina pública não pese tanto no bolso do contribuinte. Para a economista Zeina Latif (foto) muitas dessas resistências são para negociar outros pontos.

Há uma movimentação dos governadores do Sul e Sudeste. Essa articulação pode modificar essa proposta do governo no Congresso?

Essa uma seara dos cientistas políticos, mas a minha interpretação é que os governadores querem a reforma. Já era um consenso lá atrás porque o ICMS se tornou um imposto obsoleto, que alimentou a guerra fiscal, que por um tempo foi interesse de muitos, mas hoje está muito claro que gera renúncia que os estados não conseguem suportar. Quando teve a decisão do Bolsonaro de determinar redução das alíquotas de ICMS para combustíveis no ano passado, isso aumentou ainda mais esse senso de urgência em relação a fazer a mudança para que os estados não fiquem vulneráveis a canetadas da União. A minha leitura sobre essa posição de alguns governadores, claro que a justificativa acaba sendo “porque o imposto vai ser no destino e nós vamos ser prejudicados porque são estados produtores” eu acho que isso é muito mais retórica. Acho que é uma forma de buscar compensações. Acho que não é uma posição contra o imposto, acho que é muito mais parte da barganha política para buscar algum tipo de compensação, inclusive porque nessa transição da origem e do destino, a transição do IVA, é uma transição lenta para os estados. Quando estiver operando plenamente, nós vamos estar, provavelmente, com um país que vai estar colhendo os benefícios do crescimento econômico em função da reforma e que, portanto, no final todos ganham. Acho que é muito mais tentar algum tipo de ganho pela política e não exatamente uma resistência em relação à reforma em si.

O governo também tem que mostrar que está fazendo o dever de casa, com uma âncora fiscal?

São coisas complementares. Uma agenda é muito mais na linha de melhorar a eficiência produtiva do país e eliminar tratamentos diferenciados entre setores, injustiças. Isso é uma coisa. A outra coisa do lado da despesa e daí a regra fiscal. Tudo isso compõe um conjunto de agendas estruturantes que estamos precisando ter maior clareza do que vem. É muito importante que a regra fiscal que venha tenha algumas características mínimas. Hoje, o temor dos mercados é que a regra não tenha um princípio, que é muito importante essa sinalização de que há um esforço fiscal. O temor é que seja uma regra muito complexa, de difícil monitoramento e que abra espaço para contabilidades criativas, pois o PT, de fato, não tem uma reputação boa nesse quesito e, certamente, não ser uma regra que tenha uma sinalização para valer de esforço fiscal. Não se fala de reformas estruturais para conter crescimento de gasto público. Se não tem uma regra que tenha ali embutido disciplina em relação aos gastos públicos, isso vai trazer preocupação. A sociedade não tolera aumento da carga tributária. Ninguém quer ajuste em cima de arrecadação, tem que ser na contenção de despesas e o governo não fala nada em relação a contenção de despesas.

O agronegócio por exemplo está reclamando e fala em encarecimento da produção e perdas. O setor será afetado?

O agronegócio tem regimes tributários diferentes. Muitas vezes até recolhendo na pessoa física então, tem sim implicações. Mas temos que lembrar de duas coisas. Primeiro, para o exportador, ele não vai sofrer essas consequências. A segunda coisa é que sim, de uma forma geral, aí vem essa discussão da cesta básica que tem que fazer uma isenção, porque pode ser que tenha aumento de preços. Veja, será aumento de preço, porque a natureza desse imposto sobre o valor agregado é que ele é repassado a preços. Aliás, com os impostos indiretos, hoje, já é assim. Nós pagamos sem saber direitinho por quê. Isso é por causa dessa confusão em que botaram: a gente é muito imposto incidindo sobre o imposto e nós não temos clareza da carga tributária. Uma das vantagens do IVA é, justamente, a de ter mais transparência em relação a carga tributária que nós pagamos. Alega-se que isso poderia gerar aumento de preços de alimentos. Mas de novo, hoje dizem que termos de isenção de cesta básica é uma forma muito ruim de tentar beneficiar as camadas populares, porque é uma isenção que beneficia aos ricos também.

Como mudar isso?

Primeiro tem a dificuldade de definir o que é cesta básica. Têm itens ali que não são de cesta básica, que não são consumidos pelas classes populares. A segunda coisa é que mesmo aqueles que são consumidos pelas classes populares, só eles deveriam ter o benefício. É um imposto que é mal focalizado, ele está beneficiando quem não deveria e, no caso, a saída encontrada pelo projeto da PEC 45 e que o Bernard Appy que é o secretário especial da reforma tributária, um dos pais desse projeto do ponto de vista técnico, lembra que no modelo dele o 45, tem um sistema de Cashback. A gente capricha ali no cadastro único, que é uma coisa que precisa ser aperfeiçoada para que de fato quem é pobre esteja lá e quem não é, saia, para fazer a boa focalização das políticas sociais, principalmente o Bolsa Família. A partir do Cadastro Único você consegue fazer essa devolução de impostos. Não tem como é contentar a todos em uma reforma, isso não existe. É uma ilusão, e estamos falando da implantação de um sistema tributário para lá de consolidado no mundo e bem-sucedido, e que resolveria muitos problemas tributários aqui, resolveria o grosso dos problemas da tributação de consumo, isso não tem dúvida.

E os efeitos?

Tem efeitos de curto prazo, mas é curto prazo mesmo. Se estamos falando que hoje um dos maiores problemas do Brasil, que limita o crescimento econômico, é justamente a complexidade sistema tributário e que isso tira competitividade, encarece os nossos produtos, porque só para cumprir todas as regras tributárias você tem que ter um exército de advogados, de computadores e que tira a eficiência da economia, a transparência e tal, isso quer dizer se a gente está falando que isso atrapalha o crescimento e que vamos resolver e o país vai ter um potencial de crescimento maior, no final todos os setores são beneficiados. Todos. E tem a transição desse processo. Uma coisa é os setores se posicionarem, faz parte. Não que a reforma tenha um problema sério de desenho, isso não. Dado que no Brasil temos muita dificuldade para fazer reforma estrutural, os setores reagem, é um medo muito grande de mudanças, que em parte é até legítimo. Quem está no setor produtivo tem medo e é exatamente por essas dificuldades todas que a participação do governo nessa articulação política é essencial. (Foto/reprodução internet)

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