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Uma crise alimentada pela internet e pelo excesso de poderes do Judiciário e do Executivo

O mais antigo deputado federal do país é o mineiro Bonifácio Andrada (foto), do PSDB, que está em seu 9º mandato na Câmara Federal e durante esse período acompanhou de perto várias crises no país. Dos governos militares, as eleições diretas, o impeachment de Collor, os problemas econômicos do país, só amenizados com o Plano Real, a ascensão da esquerda até a queda da presidente Dilma Rousseff. A crise, no entanto, não passou e agora o país assiste a um embate perigoso entre o Judiciário e o Legislativo. Bonifácio Andrada entende que a internet e as informações sem filtro têm aumentado a tensão no país. A Operação Lava Jato tem que ser valorizada, mas reclama dos excessos, que levam a exposição de ex-governadores sendo presos ou com roupas de presidiários. De qualquer forma, entende que o modelo político brasileiro está superado e em fevereiro, no retorno do recesso parlamentar, pretende apresentar um Projeto de Emenda à Constituição, que propõe a adoção do presidencialismo parlamentarizado, inspirado nos modelos de Portugal e da França.

 

Nesse tempo em que o senhor está no parlamento, já tinha passado por uma crise como esta que o país está vivendo?

O aspecto que eu diria que é mais significativo, é que agora é de repercussão coletiva. Nas crises anteriores elas se situavam nos poderes da República e entre as lideranças mais próximas do poder nas áreas partidárias. Mas hoje, essa crise, com os meios de comunicação, sobretudo nas redes sociais, encontra veículos para se estender a todas as áreas do país e com isso, logicamente, ela assume uma substância e uma repercussão maior. Eu acho que a atual crise tem essa marca, que é a marca do nosso tempo, um tempo em que a tecnologia está mais avançada e as notícias correm com mais facilidade e, sobretudo, com a substância mais expressiva. Acho que esse ângulo em que se vê a crise brasileira de hoje, esse aspecto é que a torna mais expressiva e mais marcante e maior do que as anteriores. O grave é que essa crise não é uma crise conhecida como muitas outras do passado. Nós ficamos um tanto receosos em saber o que pode acontecer. Há uma grande dúvida em relação ao dia de amanhã, porque os problemas de agora estão tendo uma repercussão que, embora semelhantes com as do passado, não tiveram uma repercussão tão grande como está tendo agora.

 

Se não tivesse a internet essa crise já estaria resolvida?

Não tenho dúvida. A internet, como instrumento de comunicação, afeta. A comunicação é fundamental, mas desde que ela seja mais ou menos formalizada e verdadeira. No momento em que ela não tem formalização, como teve no passado, e a internet está cheia de informações cruéis e inverídicas, as coisas tomam um outro sentido. Antigamente tinha-se a crise, mas só as televisões, os jornais e as rádios noticiavam, dentro de um modelo de comunicação que, digamos assim, era conhecido e razoavelmente disciplinados. Hoje não, a comunicação é totalmente indisciplinada e muitas vezes ela espalha temas inverídicos e às vezes até temas cruéis. Ainda tem aqueles que provocam conflitos e choques na vida social.

 

Não tem filtro?

Não tem filtro e não tem formalização nenhuma. Ela é ofensiva, não tem formalização e às vezes é feita por gente desconhecida. Eu não tenho dúvida, eu situo a crise, em grande parte, como fruto dessa nova modelagem da comunicação. Uma modelagem pouco disciplinar e muito expansiva.

 

O senhor já teve conhecimento de denúncias de corrupção envolvendo volumes tão grandes de recursos públicos?

Ás vezes nós tínhamos conhecimento e, realmente, não eram bem focalizados. Hoje nós temos mais conhecimento do que no passado. Mas nós também notamos certas informações com sentido maldoso, outras vezes são informações inverídicas e é lógico que tudo isto aumenta o quadro. Um exemplo: não é juridicamente aceitável os jornais publicarem com facilidade algumas pessoas que estão presas, dentro de um processo legal, mas que não poderiam ser apresentadas em público com roupas de prisioneiros, com roupas dos detentos.

 

Como fizeram com o ex-governador Sérgio Cabral?

Exatamente isto. Este é o exemplo. Como fizeram com outro ex-governador, quando mostraram toda a ação policial violenta contra ele. Tudo isso vem a ser aspectos novos, que não sabemos como serão disciplinados e, sobretudo, novas indagações que vão surgindo a respeito do dia de amanhã.

 

O senhor acha que a operação Lava Jato está extrapolando?

Acho que essa operação, pelo que nós sabemos e pelo que já foi publicado, está se realizando dentro de um processo necessário para o levantamento dos crimes. Mas a maneira às vezes de se apresentar e informar determinadas delações é aí que ficamos um pouco em dúvida se elas realmente se constituem em uma contribuição à boa comunicação. As coisas estão um pouco complexas. É preciso realmente levar ao conhecimento do povo as irregularidades. Mas como levar ao povo é que, às vezes, nos traz alguns problemas. Nós falamos a pouco dessas notícias do ex-governador do Rio de Janeiro.

 

O país está paralisado devido a essas investigações?

Mas não é só a operação Lava Jato. Nós temos também outras operações altamente, digamos assim, perigosas e de fato irregulares e até mesmo ilegais. Não é só Lava Jato, tem várias outras. Tudo isso é um conjunto. A Lava Jato é a principal, mas ela é muito importante e precisa ser prestigiada. Mas ela tem que ser prestigiada sem que se transforme em um instrumento de agitação. Mas ela tem que ser prestigiada, sem dúvida nenhuma.

 

O Legislativo e o Judiciário também estão se estranhando. São vários episódios, o último deles do ministro do STF, Luiz Fux, que mandou o Senado devolver o projeto anticorrupção para a Câmara.

O ministro Fux, não é? Ele deu um parecer, achei muito estranho, anulando decisões da Câmara dos Deputados e ameaçando anular a do Senado. Isso não tem sentido. Um ministro do Supremo Tribunal Federal não tem realmente competência para isto. Parece-me uma atitude um pouco equivocada do ministro Fux. Embora ele tenha todo o nosso respeito, mas é um equívoco. O Poder Judiciário não pode se intrometer no andamento das atividades da Câmara dos Deputados. Isso está na Constituição. Os poderes são separados uns dos outros e isto é motivo de conflitos e de resistência. E aí a Câmara começa a resistir a decisões do Supremo Tribunal Federal e nós teremos aí uma fase de consequências funestas. Termos deputados apresentando impeachment contra ministro do Supremo, já que a legislação permite isto, através da Constituição. Teremos mais complicações.

 

O senhor acha que está caminhando para isto? Este não foi o primeiro caso de choque entre os dois Poderes?

Teve um episódio no Senado, o Senado resistiu e buscaram uma solução de equilíbrio. São interferências altamente perigosas. Por isso defendo com tanta ênfase uma PEC nesse sentido, o presidencialismo parlamentarizado, como o que ocorre em Portugal e na França. Porque aí se aproxima os Poderes e prevê o equilíbrio necessário. O que nós estamos verificando é que o Poder Executivo está se afastando cada vez mais do Legislativo e do Judiciário e o Judiciário se afastando dos outros dois e não há uma conversa, um entendimento, uma aproximação conforme a Constituição necessita que haja. Vou tentar mostrar uma solução que está tendo êxito em outros países. E Portugal e França são países que representam fontes da nossa cultura, de modo que podemos encontrar a solução política buscando alguns elementos que possam se adaptar à realidade brasileira.

 

Esse modelo político adotado no Brasil está superado?

Eu acho que está superado. Já na época da Constituinte de 88 eu me opus a muitas coisas, mas o que aconteceu foi o seguinte: na Constituinte de 1988, a pressão do Poder Judiciário foi muito grande e foi de uma forma um pouco abusiva em relação aos tempos atrás. Antes de 1988, antes dos governos militares, nós tínhamos um certo equilíbrio, mas de 1988 para cá não. A Constituição provoca essa mudança e fortaleceu excessivamente o Poder Judiciário, o Ministério Público e enfraqueceu o Poder Legislativo e fortaleceu o Poder Executivo. O Poder executivo está muito fortalecido com as Medidas Provisórias. O Judiciário com uma porção de atividades que não tinha, com competências enormes, o Ministério Público também e o Legislativo não ganhou nada, ficou na mesma. Ao contrário, ele vem sendo, na realidade, objeto de determinadas decisões que são contrárias à própria atividade.

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