Por: Jaqueline da Mata
Mais antiga empreiteira em atuação em Minas Gerais, e uma das mais antigas do Brasil, a Mascarenhas Barbosa Roscoe (MBR) passa longe de qualquer escândalo. A empresa completará 81 em abril, segue os valores que prega: respeito, foco no relacionamento e simplicidade. Um tríptico que é o espelho do presidente, o engenheiro Luiz Fernando Pires, que em 1994 ocupava o cargo de diretor executivo e, em 1999, assumiu o controle acionário e a presidência da construtora mais antiga de Minas Gerais. Na entrevista a seguir, Pires mostra que acredita, sim, no país, mas avisa que os tempos serão difíceis. Sobreviverá quem manteve os pés no chão durante a bonança e fez a devida reserva como precaução para tempos de crise. Pires defende mais competência e seriedade na gestão de empresas públicas e mais investimento em educação. Só assim será possível formar cidadãos mais conscientes.
O país atravessa um período de quase estagnação de sua economia, com índices de crescimento próximo- alguns dizem abaixo- de zero. O governo fala em retomar a economia por meio de investimentos em infraestrutura. O senhor acredita neste discurso?
É possível. A economia sofrer ciclos não é novidade. Sempre, no mundo, a economia teve altos e baixos. Hoje, em boa parte do mundo, a economia está até crescendo e o Brasil está num ciclo de baixa. É possível fazer retomada via investimento em infraestrutura. O Brasil tem muitas riquezas, capacidade e potencialidade para fazer isso. O país teve um período de bonança com grande valorização dos produtos brasileiros, das commodities principalmente de 2000 a 2010, período em que se teve um grande crescimento do valor das commodities. Isso para o país foi excelente. O Brasil ficou rico pelo valor de seus minérios, petróleo. E agora volta a cair. É um ciclo diferente na economia. Como o mundo arrefeceu um pouco, a demanda pelas commodities, principalmente a partir da China, que reduziu o crescimento, esses preços voltaram a acomodar. Nós não aproveitamos o período de riquezas para aplicá-las bem. Nós perdemos este período. O Brasil cresceu pouco comparado a outros países. As aplicações não foram boas para que utilizássemos nessa hora em que há uma necessidade maior desses recursos. Não tivemos desenvolvimento de capacidade de gestão do país. O Brasil perdeu produtividade nesse período em que deveria aumentar. Estamos menos produtivos. Os custos subiram muito para se produzir. Agora vamos pagar essa conta. Acredito que vamos retomar o crescimento, mas será mais penoso. Vai custar mais caro, vai custar muitas demissões que, aliás, já estão ocorrendo. O Brasil não terá como ocupar esta mão de obra. Vai ter redução efetiva nos negócios. Deixo claro que não sou pessimista, acho perfeitamente possível a retomada do crescimento, mas não será fácil.
E o dever de casa que não foi feito pelo Brasil?
A gestão e indução governamental são importantes. Não tivemos boa indução governamental como não estamos tendo agora. As promessas de campanha eram de sonhos e não a realidade. Agora é que o Brasil está vendo que tinha que ter feito o dever de casa. Mas não assumiu de fato isso. Não reduziu os ministérios e não colocou pessoas competentes lá e nem nas empresas estatais. A Petrobras é a maior empresa e que gera mais investimentos no Brasil. Está com problema de gestão e ainda não foram tomadas as devidas providencias. Foi colocado um presidente novo, questionado. Só teve, no Conselho, voto do governo, sete, e três contrários. Temos que tomar ação mais positiva.
O senhor falou em queda de emprego no setor e seus diversos segmentos, o que parece algo inexorável. A que ponto vamos chegar?
Não dá para dimensionar. Não sabemos o que vai acontecer de fato no futuro. As condicionantes existentes neste momento dizem que será de queda. Mostram que o PIB será menor que zero. Nas condições atuais não terá crescimento. Todos os investimentos foram reduzidos. O governo diminuiu a capacidade de investir em infraestrutura. Esgotou os recursos e não arrumou suas contas. Os projetos de mineração, que estavam sendo estudados, foram congelados por hora, uma vez que o preço das commodities não é viável. Os empregos na engenharia, projetos na construção que estavam sendo mantidos e surgindo novos não se tem mais.
Quanto empregos diretos e indiretos o senhor estima que o setor cria no Brasil e em Minas Gerais?
A construção emprega muito. Mais de 10% da mão de obra total empregada no país. E em Minas Gerais é igual. É uma cadeia grande, mas na hora que você reduz a capacidade de investimento ou o cenário do mercado fica pior, tem menos demanda e automaticamente a empresa tem que produzir menos. Vamos continuar com construção sim, mas num ritmo menor.
O governo não fechou as contas no ano passado. Teve que fazer uma aprovação de lei na última hora para não cair na irresponsabilidade fiscal. Fechou com dívidas dos governos, em seus três níveis- com as empreiteiras. O problema persiste, inclusive em obras do Minha Casa, Minha Vida?
O governo voltou a colocar em dia os pagamentos. O programa Minha Casa Minha Vida II, que está em andamento, está praticamente todo contratado e em execução. Se o governo mantiver o investimento tem um programa para cumprir neste ano. Mas tem que ser lançado, nos próximos meses, o Minha Casa Minha Vida III que dará a continuidade para novas contratações. E isto não está aprovado, pois o governo está tentando fazer o dever de casa primeiro, equilibrando as contas. Foram investimentos de R$ 20 bilhões do Tesouro, este ano – quase o mesmo consumo de 2014 -, destinado ao programa.
A Operação Lava Jato colocou na berlinda o setor. Há clara tentativa de “demonizar” as empreiteiras para tirar do governo e seus agentes, o foco do problema. Como o setor, uma das maiores fontes de emprego no país, reage a isto?
Não posso manifestar como setor. A entidade quer que as coisas sejam colocadas de forma correta. Essa operação causou uma grande perda no país. A Petrobras é a maior empresa do Brasil, responsável pela maior parte de investimento de energia. Uma paralisação na Petrobras está penalizando a economia no país. Há uma responsabilidade grande de gestão do governo. Ele é o responsável para colocar essas pessoas no governo. Para eleger seus dirigentes. O governo tem sete votos em dez, ou seja, coloca quem quiser. E tem uma grande responsabilidade em colocar pessoas corretas e competentes. A soma da incompetência mais a falta de zelo para a coisa pública com a nação é um grande prejuízo para o país.
Não existe corrupto sem o corruptor, já admitiu até mesmo o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro. Assim, quem corrompe: o agente público ou as empreiteiras?
Não dá para nominar A ou B. Acho que quando dois brigam ambos não têm razão. Se tem um problema e existe uma provocação de um lado e aceitação de outro, ou vice versa, há uma situação irregular. Se você aceita também está irregular. Não interessa de qual lado. Há uma conivência dos dois lados.
O senhor acredita que essa operação vai estagnar a economia?
O prejuízo está realizado no país. A Petrobras está com um problema grande. Os empreendimentos não foram concluídos nem nos prazos nem nos custos. Essa conta já esta para todos os brasileiros. Espero agilidade nas soluções para não continuar penalizando a todos nós. O maior acionista da Petrobras é o Tesouro. O país já está pagando a conta. Quanto mais rápido se voltar à normalidade e colocar uma diretoria profissional, melhor para o país. Que mantenha as apurações, mas que seja trocada toda sua estrutura de conselho e de comando operacional para que ela opere com normalidade. A Petrobras tem acionistas no mundo inteiro.
E o boato de interesses de empresas estrangeiros na derrocada da Petrobras?
Não vejo assim. O mundo é de competição. Mas o problema foi provocado aqui mesmo e está prejudicando as outras empresas também . O que existe é um erro grave de gestão que tem que ser corrigido e, depois, bola para frente. Precisamos que a Petrobras gere riquezas e pague suas contas. Enquanto se tinha a diretoria investigada no comando não havia credibilidade nas informações. É preciso colocar uma diretoria idônea, com currículo limpíssimo, que faça o negócio gerar. Uma diretoria comprometida com o negócio.
O risco da crise no crédito pode afetar financiamentos para empresas que nada têm a ver com a corrupção na Petrobras?
Quem faz crédito acompanha os riscos. Aumenta o risco ele reduz a sua exposição e aumenta suas taxas de juros. O crédito é mais restrito e mais caro. Eu comprava equipamento para investir a 4% agora está 12%, isso até o final do ano. Prejudica o investimento. O governo está com problema de fechamento de contas e agora tem que subir os custos.
O senhor é a favor ou contra a participação do setor privado nas campanhas políticas? Empresas devem ser liberadas para fazerem doações?
Não é esse o fato. Tem um acidente de avião e não se pode mais voar? Não é assim. Corrige o problema e volte a andar de avião. Ninguém é corrupto por modelo. No Brasil, as aplicações das leis não são rigorosas. Nós precisamos de estadistas, pessoas sérias, no comando da empresa. Competência e seriedade fazem diferença. Um presidente de uma empresa como a Petrobras tem que ter o currículo absolutamente limpo. O que não é o caso atual. Entrou uma pessoa já com restrições. Não vamos colocar a culpa na legislação. A gente não tem que ser honesto por causa da legislação. Tem que ser honesto por causa da índole. Em países que a aplicação da lei é mais séria, a legislação é semelhante, aplica-se e pune e com agilidade.
O senhor, esta à frente da MBR desde 1994 . O que mudou na economia e no setor de lá pra cá?
A empresa foi comprada no dia que entrou o Real: primeiro de julho de 1994. Tivemos um período de 1994 até 2003 de adequação de economia. O plano Real é um plano de sucesso, comprovado mundialmente. Para que houvesse estabilização, teve que ter uma série de medidas corretivas. Saneou-se bancos, áreas de empresas. A década de 90 não foi um período de grande expansão. O crescimento foi pequeno. Então a quantidade de negócios estava maior. Passamos grandes dificuldades. Assumi a empresa com muitas dívidas, até conseguir ganhar dinheiro e pagar as dividas, tivemos que superar as dificuldades desde período. Até 2002 quando conseguimos pagar todas as dividas. Foi um período de menor mercado. A partir daí o mercado expandiu. O país mais estruturado além de uma grande valorização das commodities. Entre 2002 a 2010 tivemos oportunidade de crescer muito.
A MBR é mais antiga construtora mineira em atuação e a terceira mais antiga do país. Curiosamente não se fala em envolvimento dela em atos de corrupção. Então é possível sobreviver no mercado sem corromper agentes públicos? Ficar fora deste processo exige muita ginástica?
Existem dificuldades, o mercado tem suas demandas. É preciso colocar valores, princípios na empresa e praticá-los. O trabalho é árduo em qualquer segmento. Acho que a sobrevivência das empresas tem que ser porque conquistam seus trabalhos, entregam seus produtos e satisfazem os seus clientes. Qualquer que seja o segmento. A Cedro Cachoeira Têxtil, por exemplo, tem 142 anos. É a mais antiga do Brasil. Como sobrevive? Porque conseguiram colocar , ao longo das gerações, pessoas que tiveram valores e deram continuidades nos trabalhos. Uma empresa não é melhor que outra. Dificuldades todas têm. É a índole de quem está dirigindo. As pessoas devem ter capacidade, princípios e cumprir suas obrigações. A MBR tem clientes de 1940. O primeiro contrato que fez com a antiga Belgo, hoje Arcelor Mittal, é de 1941. Empresa que é nossa cliente até hoje. Volto a dizer que é preciso manter uma posição coerente. Entregar ao cliente o que ele comprou. Não sou melhor que ninguém. É uma luta constante. O Brasil está passando por uma dificuldade e estamos pagamos pelos nossos erros. Aprender com o vendaval e bola para frente. A economia é cíclica. Lembra da tradicional história da “Cigarra e a Formiga? Guardar com o superávit para usar em épocas difíceis.
E a MBR está preparada para superar essa época difícil?
A MBR está preparada para não ganhar nenhum Real se for o caso. Nos preparamos em épocas de farturas. E quero terminar enfatizando que sou otimista com o país que tem ainda muito para crescer. Mas temos que investir mais na educação das pessoas para que elas sejam mais conscientes. Não e fácil fazer escolhas. Muitas vezes a aparência é diferente da realidade. O aprimoramento está com a melhor consciência das pessoas.