Blog do PCO

Entrevista

Paulo César de Oliveira
COMPARTILHE

Ministra Elizabeth Rocha: o Superior Tribunal Militar passará por uma ampla mudança nas mãos da ministra mineira

 A partir de março de 2025, o Superior Tribunal Militar passará a ser presidido pela única mulher entre os ministros da Corte. Trata-se da mineira Maria Elizabeth Rocha. Ela atua desde 2007 na Corte e pretende ampliar o olhar feminino na Casa, que segundo ela, faz um trabalho ainda desconhecido pela sociedade, apesar de ser o tribunal mais antigo do país, com 206 anos. 

A senhora é a única mulher no tribunal. Como é lidar em uma Corte predominantemente masculina?

Sou única mulher na Corte de Justiça mais antiga do Brasil, que é o Superior Tribunal Militar, que tem 206 anos, criada por Dom João, quando ele ainda era príncipe regente, em 1808, quando a família real portuguesa aportou em terras brasileiras fugindo de Napoleão. Tem sido desafiador porque as Forças Armadas, sobretudo quando eu cheguei, em 2007, era um redutor de masculinidade. Hoje, claro, as mulheres têm integrado cada vez mais a Marinha, o Exército e a Aeronáutica e, por consequência, as Forças Armadas estão ficando mais femininas. Mas no início não. E eu sou a única do meu gênero no STM. Então, realmente, assim vejo o mundo de uma forma diferenciada. E acho que tem que ser assim. A heterogeneidade ela tem de prevalecer nas Cortes de Justiça para que o direito seja bem prolatado. E eu procuro aqui, não só reproduzir a voz das mulheres, mas também das minorias de uma forma geral, porque como segmento minoritário da Corte, como única mulher, eu tenho que defender outras pessoas que são estigmatizadas dentro das hierarquias sociais. Então é preciso que eu aqui faça eco as desigualdades, ao sexismo e as transfobias, ao homossexualismo, enfim, a toda aquela gama de rejeição, que infelizmente, uma sociedade hierarquizada ainda conserva, como a brasileira.

Esses processos contra os militares que estão sendo investigados por envolvimento na tentativa de golpe, serão julgados pelo STM?

Não necessariamente, porque esses processos que a Polícia Federal apresentou com os indícios de envolvimento serão apurados pelo Ministério Público para, se realmente houver indícios contundentes, denunciar os agentes ou não, eles serão julgados, no caso dos crimes comuns, as tentativas de homicídio, contra o Estado democrático de direito serão analisados pelo Supremo Tribunal Federal. Posso até dizer que o relator será o ministro Alexandre de Moraes, porque existe nos códigos de processo civil, no código processo penal e no código processo penal militar, existe em comum a figura da prevenção. A prevenção é aquela possibilidade que se dá ao juiz que atua primeiramente no feito, a possibilidade de julgar todos os demais recursos. Ele se torna prevento para o julgamento de mais recursos. Por isso, o ministro Alexandre de Moraes é o relator de todo “8 de Janeiro” e provavelmente por prevenção, será também o relator, se eventualmente houver denúncia, porque ainda não há denúncia contra esses crimes. Agora, é o que eu digo, se junto aos crimes comuns, se forem cometidos crimes militares conexos, aí sim a Justiça Militar da União julgará. Em última análise, também se houver condenação de oficial superior a 2 anos, com trânsito em julgado da decisão, ou seja, se não couber mais nenhum tipo de recurso, nós julgaremos na Justiça Militar Federal, as representações de indignidade, incompatibilidade para com a oficialato ou mesmo os Conselhos de Justificação, que são tribunais de honra. São tribunais de honra para aferir se o militar condenado tem possibilidades de permanecer nas fileiras do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica.

 O que são esses crimes conexos? 

Por exemplo, nós julgamos aqui um crime em que houve no “8 de janeiro” um desacato a superior. É um crime propriamente militar, porque um civil não pode desacatar superior, porque ele vai resvalar injúria, calúnia, crimes contra a honra. Mas a figura do desacato a superior é só numa estrutura hierarquizada, onde existe uma hierarquia, uma cadeia de comando. Então, um coronel na rede social, na mídia social, desacatou um general da ativa. Isso é um crime militar, no “8 de janeiro”. Aliás, ele desacatou todo comando do Exército e ele foi julgado e condenado por isso, para além do que ele possa vir a ter praticado, que eu realmente desconheço se praticou algum delito no dia 8 de janeiro.

 Qual que é sua expectativa em relação a sua atuação na presidência do STM?

 Vai ser um desafio, mas eu tenho metas e eu tenho planos, que eu vou lutar arduamente para alcançar. O primeiro deles, e eu não me canso de falar sobre isso, é integrar a Justiça Militar Federal no Conselho Nacional de Justiça, que é o órgão fiscalizador do Poder Judiciário. Nós nos submetemos às resoluções, aos protocolos, às determinações do CNJ. Obtivemos nesse ano o selo Diamante, porque cumprimos praticamente todas as metas que o CNJ impõe ao Poder Judiciário. Somos a Justiça mais antiga do Brasil. A Justiça Militar não é uma Corte administrativa, não é um tribunal marcial, é uma justiça especializada, como a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho, e não tem assento nem voz dentro do Conselho Nacional de Justiça. Quando a emenda 45, que reformou o Poder Judiciário em 2004, criou este órgão que é tão importante, tão relevante, simplesmente esqueceu de dar uma cadeira à Justiça Militar. Nesse sentido, essa introdução da Justiça Militar no CNJ, só pode ser feita por meio de PEC, de Proposta de Emenda Constitucional no Congresso Nacional. Nós sabemos que é uma espécie normativa de difícil aprovação, porque ela tem que tramitar em dois turnos e ter a maioria qualificada de 3/5 dos parlamentares para aprovação. Terei dois anos pela frente e eu vou me empenhar muito nesse sentido, como também vou me empenhar em arejar a Justiça Militar e fazer com que a sociedade brasileira nos conheça. Porque apesar da Justiça Militar ser a mais antiga do Brasil, mais antiga que o próprio Supremo Tribunal Federal, a sociedade brasileira e os operadores do direito, o que é pior, magistrados desconhecem a nossa atuação, a nossa competência, e o que nós fazemos. A sociedade civil não tem noção de que homens armados, investidos no monopólio da força legítima do Estado, tem que ser rigorosamente controlados, sob pena de ameaçar o Estado democrático de direito e de pôr em risco a própria sociedade civil. Somos nós aqui, na Justiça Militar Federal, que fazemos esse controle. Ao contrário do que se diz por aí, que é uma justiça leniente, uma justiça corporativa, ledo engano. É uma justiça rigorosa. É uma justiça dura, que pune com muito mais rigor do que a Justiça Penal comum os agravos que são perpetrados dentro das organizações militares, ou por militares, ou mesmo por civis contra as Forças Armadas. 

Esse é um dos pontos. O que mais podemos esperar da sua gestão? 

Para além disso, eu quero também tornar a Justiça Militar, que ainda é uma justiça muito tradicional, em uma justiça mais inclusiva. Uma justiça mais democrática, no sentido de que seres humanos estejam aqui trabalhando conosco. Quero criar e vai ser uma assessoria inédita em todo o Poder Judiciário, uma assessoria de gênero, raça e minorias, onde eu possa privilegiar orientações sexuais distintas, mulheres, refugiados, onde eu possa trazer para dentro da nossa Casa, o olhar da diversidade para que a Justiça seja mais inclusiva e tenha, inclusive, mais sensibilidade para julgar os seus processos. O Poder Judiciário como um todo e as instituições estatais, têm por obrigação não apenas desempenhar as suas atribuições constitucionalmente, previstas: o Executivo executar, o Judiciário julgar e o Legislativo legislar. Eu acho que a nossa atribuição, a nossa função e o nosso comprometimento com o Estado é muito maior do que isso. Nós temos que trazer para dentro das instituições, esse compromisso com a igualdade, com constitucionalismo fraternal, que o nosso Poder Constituinte e a nossa Carta Cidadã de 1988 proclama. Por isso, é necessário que toda essa diversidade de seres humanos entre dentro das Casas de Justiça. E isso, inclusive, é selo e pontuação pelo Conselho Nacional de Justiça, para que nós possamos também respeitar e dar vez a igualdade, que está formalizada na Constituição política, mas que não é materializada na prática.

COMPARTILHE

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

News do PCO

Preencha seus dados e receba nossa news diariamente pelo seu e-mail.

    [mc4wp_checkbox]